Brasil: detentores do poder real são os de sempre

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Por Alcir Santos, juiz de direito aposentado, comentando contexto inicial de Laurentino Gomes

“O Homem de Pedra está entronizado sobre uma coluna de fino mármore branco de Carrara em frente ao Hospital Santa Izabel……no Largo de Nazaré, em Salvador. Tem a aparência de um pai bondoso e provedor……..




Aos seus pés, duas crianças vestidas com trajes europeus do século XIX estendem os braços para cima, como se lhe pedissem ajuda e proteção…..


As aparências, porém, aqui mais uma vez enganam. Joaquim Pereira Marinho, o homem de pedra, primeiro conde Pereira Marinho em Portugal, foi um dos maiores traficantes de escravos na história do Brasil. Sua estátua, erguida há mais de século no centro da maior cidade cidade negra do mundo fora da África, é hoje alvo de acalorada polêmica……..

Com o sangue e o suor de negros escravizados, fabricou navios, fundou bancos, inaugurou indústrias, construiu estradas de ferro, manteve redes de comércio., entre muitas outras atividades lucrativas……………

É a imagem que ficou desde então. Pelo menos até junho de 2020, quando o Coletivo de Entidades Negras(CEN), organização nacional do movimento negro, pediu a Santa Casa de Misericórdia da Bahia que retirasse a estátua de Pereira Marinho da frente do Hospital Santa Izabel, em respeito às milhões de vítimas do tráfico de africanos escravizados no Atlântico…….

A direção da Santa Casa recebeu polidamente o documento, mas desde então nenhuma providência foi tomada. “(In Gomes, Laurentino-Escravidão vol III, fls. 135 e seguintes).

Aí está. Aprendendo a história que não nos foi ensinada na escola e entrando de cabeça numa complicada questão que já se alastra continentes afora. Não faz muito, aqui e alhures, esculturas e monumentos foram vandalizados, em nome de uma discutível revisão histórica. A exemplo, em Nova Iorque algumas foram arrancadas de pedestais e atiradas ao Hudson; em São Paulo o Monumento às Bandeiras e uma escultura de Borba Gato foram duramente atingidas.
Certamente os “heróis” pátrios, sem exceção, não resistem a um exame crítico, à luz da História, mais acurado. Afinal já se proclamou que “infeliz do povo que precisa se heróis” . Mas uma questão se impõe. Será que interessa, nesmo, até para redefinir comportamentos e atitudes, simplesmente apagar, fazer de conta que não existiram, personagens e fatos da História?

Talvez não seja a atitude acertada. Muito melhor, à luz de cuidadosas pesquisas e provas documentais, trazer ao conhecimento público os reais personagens e os acontecimentos que os notabilizaram. Certamente ídolos acabarão arrastados na poeira do tempo. Mas a cada leitor, a cada estudioso, a decisão e tomada de consciência que julgar mais consentânea com seus valores e conhecimentos.


Aproveitando, para contextualizar, no citado volume III, o autor deixa evidente que, na Colônia e no Império, o poder real esteve, sempre, nas mãos de quem detinha o poder econômico-financeiro, traficantes, latifundiários e exportadores de açúcar, café etc. Traçando um paralelo, dá para perceber que, na essência, nada mudou.

Os detentores do poder real são os de sempre. Mudam os tempos, mudam os nomes, e tudo permanece como sempre foi. Ah, como não lembrar do genial Lampedusa e seu Príncipe de Salina: “É preciso mudar tudo, para que tudo permaneça como está”

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