Brasil, o país das catástrofes anunciadas

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A tragédia de Capitólio é o mais recente exemplo de um desastre que poderia ter sido evitado. No país da negligência e da impunidade, o que importa é a aparência de normalidade.

Por Philipp Lichterbeck, compartilhado de Construir Resistência




Quando vi as imagens da catástrofe em Capitólio, com dez mortos, meu primeiro pensamento foi que se tratava de uma montagem bem-feita, de tão inacreditável que me pareceu que, justamente nesse lugar tão espetacular e popular entre turistas, acontecesse uma cena dessas. E me perguntei se não havia indícios de que o paredão de pedra estava instável.

Pouco depois, a Defesa Civil de Minas Gerais confirmou que tinha emitido horas antes do acidente um alerta de chuvas intensas para o município de Capitólio, com possibilidade de ocorrências graves. Mas aparentemente ninguém havia levado o alerta a sério. Além disso, imagens da catástrofe que circulam nas redes revelam que os ocupantes das embarcações foram alertados por pessoas ao redor sobre o risco de desabamento da estrutura. Ainda assim, demoraram a se afastar. Parece que as pessoas queriam aproveitar ao máximo a oportunidade de ficar perto da parede de rocha e tirar fotos.

De certa forma, pode-se falar de uma catástrofe que poderia ter sido evitada. Uma catástrofe anunciada. Algo que tenho a impressão de que acontece o tempo todo no Brasil, infelizmente. 

O desastre de Brumadinho foi um acontecimento do tipo. Os responsáveis sabiam há tempos que a barragem estava instável, mas deixaram que sua segurança fosse certificada, sob circunstâncias duvidosas, pela empresa TÜV Süd. Quando a barragem se rompeu, a avalanche de lama soterrou 270 pessoas e dois bebês ainda não nascidos. Assim como os responsáveis em Capitólio, em Brumadinho também não se quis intervir porque isso custaria dinheiro e atrapalharia as operações normais. Tudo deveria continuar como antes e parecer normal. E, de fora, tudo de fato parecia normal até o último segundo, tanto em Capitólio quanto em Brumadinho.

É a aparência de normalidade pela qual gostamos de nos deixar enganar e iludir. A crença de que tudo continuará como antes. Embora se saiba que a catástrofe é iminente, se é acomodado e covarde demais para fazer alguma coisa, preferindo a cegueira. É mais fácil. Acho que isso, de certa maneira, também é humano. Algo que pode ser observado até mesmo em relacionamentos amorosos. A pessoa sente que algo não anda bem, mas, por comodismo e hábito, evita o conflito e não muda nada, deixa tudo continuar como está – até que o parceiro em algum momento se vai, e o mundo se desmorona sobre quem ficou.

A impunidade fomenta a irresponsabilidade

É claro que é completamente diferente quando se trata de vidas humanas e responsabilidades políticas. Nesse quesito, observo que o Brasil se destaca por sua negligência. De certa forma, é o país das catástrofes anunciadas.

Dei-me conta disso pela primeira vez quando aconteceu o acidente com o bonde no bairro turístico carioca de Santa Teresa em 2011. O bonde amarelo e pitoresco descia uma rua, saiu dos trilhos, tombou e derrubou um poste. Seis pessoas morreram, e 57 ficaram feridas. A causa: os freios não estavam funcionando, faltava manutenção. Mas até hoje, ninguém foi preso ou nem sequer responsabilizado. A impunidade fomenta a irresponsabilidade.

Quando andei no bonde pela primeira vez, em 2006, percebi como tudo era velho, torto, improvisado, mal mantido, desde os trilhos até o próprio veículo. O bonde fazia um barulho enorme, como se estivesse gritando que algo não estava bem.

E quem se lembra de quando o Museu Nacional pegou fogo? Por causa de um aparelho de ar-condicionado velho e malcuidado, o Brasil perdeu alguns dos artefatos mais valiosos de toda a sua história. Faltou até mesmo água para os bombeiros nos hidrantes ao redor.

Para quem trabalhava no museu, provavelmente não era nenhum segredo que os ares-condicionados eram velhos e estavam com defeito. Talvez até se tenha tentado alertar os responsáveis. Mas nada aconteceu, deixou-se as coisas seguirem adiante.

Assim como toda chuva forte no centro do Rio leva ao transbordamento da canalização repleta de lixo. Há anos o problema é conhecido, mas nada acontece. A cada tempestade, a luz acaba no meu bairro, mas nada é feito para solucionar o problema no longo prazo. Os eletricistas da Light sempre têm que vir de novo, depois de os alimentos na geladeira já terem esquentado e várias horas de trabalho no computador perdidas.

Megacatástrofe anunciada

O problema mais grave do Brasil – e que recebe muito pouca atenção –, porém, é o contínuo desmatamento da Floresta Amazônica. É a megacatástrofe anunciada. O desmatamento já está levando não só a uma enorme, irrecuperável e custosa perda de espécies, mas, sobretudo, a períodos de seca em outras regiões do Brasil. O estado de São Paulo, que fica na mesma latitude da Namíbia, seria um deserto sem as nuvens que vêm do norte e fazem chover.

Cientistas alertam que o ecossistema amazônico já pode estar à beira do colapso. O que aconteceria então, é difícil de imaginar. Capitólio, Brumadinho e o Museu Nacional são sintomas de uma doença bastante disseminada no Brasil, que provavelmente ainda não mostrou toda a sua força.

Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria  Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. 

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

Matéria publicada originalmente no link abaixo no Deutsche Weller

https://www.dw.com/pt-br/brasil-o-pa%C3%ADs-das-cat%C3%A1strofes-anunciadas/a-60391615

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