Brasil? Que nada. Quero torcer para seleções africanas

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É certo como o ar que respiro: na última terça-feira (29), minha energia de torcedor estava ligada à nossa seleção contra o time suíço (que jogo, hein?). Mas o que não esperava horas antes era ter um misto de atenção, ampliando o que se chamaria de devoção ou admiração por um outro time: o de Gana.

Por Edu Carvalho, compartilhado de Projeto Colabora




A atuação quase que inacreditável contra a Coreia fez do jogo uma das melhores partidas da Copa do Mundo até aqui. Não faltou emoção para ambos os lados – só que com particularidade e profundidade a mais para os jogadores que, sem respiro, emplacaram 3×2, com riscos de se garantir uma vaga nas oitavas-de-final.

Além de Gana, outros quatro países do continente africano foram ao Qatar defender suas camisas, que mais surgem como mantos sagrados e abençoados pelos ancestrais. Camarões, Senegal, Marrocos e Tunísia também empunham o que de melhor se pode ter quando possibilitado acesso por si só e não apenas quando capturado o capital humano para ser empregado em outro lugar.

O que se tem refletido em números já que, segundo a lista oficial de convocados da Fifa, das 32 Seleções que disputam a Copa do Mundo 2022, 14 possuem pelo menos um jogador de origem africana. Coincidência? Não sei. Mas o que nos mostram os dados obtidos pela Deustche Welle é só uma coisa: a realidade se impõe e nem todos partem do mesmo lugar quando o árbitro apita.

Reportagem publicada pelo veículo alemão, com levantamento junto ao site Transfermarkt.com, comparou as trajetórias esportivas dos atletas em relação aos anos passados em seus países de origem. E a evidência foi só uma: jogadores europeus permaneceram, em média, 95% de suas carreiras “em casa”. É o oposto quando se analisa, com os mesmos filtros, as seleções africanas e também sul-americanas. No caso das seleções da África, os jogadores passaram, em média, mais de 80% de suas carreiras em um time estrangeiro

Um exemplo da disparidade é justamente o time de Senegal (sim, cante ‘Sene-Sene-Sene, Senegal’, hit da banda Reflexus que explica a História) , que recentemente avançou para as oitavas-de-final e é o atual campeão da Copa Africana de Nações. Por lá, os jogadores passaram menos tempo defendendo o seu próprio país, que também registra e encara ser o local onde os atletas nunca sequer representaram um time nacional depois de completar 16 anos. “Aqueles que jogaram por um time local não o fizeram por muito tempo, com a maioria mudando para o exterior antes de completar 20 anos (…) Senegal pode ser o exemplo mais extremo, mas uma tendência semelhante pode ser observada ao examinar as outras quatro seleções africanas na Copa do Mundo”, enfatiza a reportagem.

O capitão Koulibaly puxa a comemoração de Senegal pela vaga na próxima fase: torcida pelas seleções africanas (Foto: Fifa/Divulgação)
O capitão Koulibaly puxa a comemoração de Senegal pela vaga na próxima fase: torcida pelas seleções africanas (Foto: Fifa/Divulgação)

Ter a chance de vê-los driblar as desigualdades impostas nos faz religar e resgatar nossa ligação com o solo mãe do mundo, justamente na Copa mais racista, misógina e homofóbica que se viu, sob mão de obra de refugiados escravizados. E querer ver mais e sempre, sem contentamento apenas com a reunião de cinco dos 55 países do continente.

“Na Copa do Mundo, nunca houve um ponto zero. A África tem 55 países e acho que merece mais vagas”, sentenciou o treinador da seleção de Gana e ex-jogador, Otto Oddo, numa das entrevistas coletivas no Qatar. “É muito difícil o continente evoluir com cinco vagas. Se você tem 12 ou 15 vagas, não lembro quantas são na Europa, você tem a probabilidade de crescer mais rápido, não importa a qualidade”, ensejou o técnico, símbolo de esperança e resistência no campeonato.

Otto é o comandante que vai tentar guiar as Estrelas Negras (Gana) a repetirem o feito de 2010 na África do Sul, quando alcançaram às quartas-de-final. Para isso, contam até com intervenção divina. O presidente Nana Akufo-Addo instituiu o “Dia Nacional de Oração e Jejum” para a seleção no fim de outubro. “Tomara que ajude”, torceu em post Alexandre dos Santos, jornalista e professor de História da África e de África Contemporânea da PUC-Rio.

Se vai ajudar, não sei ao certo. Mas o que garanto é a felicidade em torcer para os irmãos de lá. E confesso até divisão para Brasil X Camarões. Só não digo o placar.

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