Por Joana Oliveira, compartilhado de El País –
Falta de testes ou falha na coleta das amostras impede averiguar o que provocou falecimentos por síndrome respiratória aguda grave, um quadro comum na infecção por coronavírus
O Brasil alcançou, nesta quinta-feira, a triste marca de 20.047 pessoas que perderam a vida pela covid-19 (com um recorde de 1.188 mortes registradas em 24 horas). O Ministério da Saúde investiga, até o momento, outros 3.534 mil óbitos suspeitos de terem sido provocada pela doença. Há ainda um número ainda mais expressivo que não entrou e não vai entrar nessa conta por questões técnicas e de falta de testes: desde o começo da pandemia, o país registrou outras 11.730 mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) —uma condição provocada pela covid-19, mas também por outras doenças—, mas jamais saberá quantas delas foram causadas pelo novo coronavírus. O Ministério da Saúde admite que isso se deve ao fato de esses pacientes não terem sido testados ou de que a amostra não tenha sido colhida de forma correta ou no tempo adequado para a análise.
“Como não há, no país, outra epidemia relevante neste momento, certamente grande porcentagens dessas mais de 11.000 mortes são por covid-19”, explica o epidemiologista Antonio Silva Lima Neto, membro do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para enfrentamento da pandemia.
Outros dados que comparam a síndrome respiratória aguda grave de 2020 com a incidência em anos anteriores ajudam a mostrar a agressividade da covid-19 e reforçam a hipótese de que boa parte dos óbitos deixados fora da conta sejam, na verdade, fruto da pandemia. Em 2020, as internações por esse quadro grave de insuficiência repiratória foram 637% maiores do que no mesmo período do ano passado, segundo o Ministério da Saúde. De acordo com Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no ano de 2019 inteiro morreram cerca de 3.800 por causa da SRAG.
Oficialmente, o Brasil contabiliza 310.087 casos confirmados de infecção pelo novo coronavírus, com 18.508 novas notificações em 24 horas. Eduardo Macário, diretor do Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de doenças não transmissíveis do Ministério da Saúde, afirmou nesta quinta-feira que o país está em uma fase de aceleração na quantidade de casos e que ainda não é possível dizer quando será o pico da doença. “Começamos a perceber que em alguns Estados do Norte e Nordeste há uma estabilização nos números, mas, em relação ao Brasil como um todo, ainda é prematuro falar em desaceleração”, afirmou. Macário atribuiu em partes o aumento no número de casos a uma maior capacidade de testagem no país, mas a verdade é que o Brasil realiza sete mil testes por dia, quando outros países muito afetados, como Estados Unidos e Itália, realizam entre 30 mil e 50 mil testes diários. Esse gargalo é que o explica, pelo menos em parte, as mortes que não entram na conta oficial da pandemia no país.
Os dados divulgados pelo ministério nesta quinta-feira apontam a expansão do novo coronavírus pelo interior do território brasileiro. Se no final de março 297 municípios brasileiros tinham casos de covid-19, hoje são 3.488 cidades com pessoas infectadas. Os aumentos mais significativos ocorreram nas regiões Norte e Nordeste, onde 79% e 74% dos municípios têm casos confirmados. Durante a manhã, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, disse ver uma “redução significativa de casos” em grandes cidades dessas regiões, mas que são as cidades do interior que preocupam. “A progressão para o interior desses estados é inevitável. Vai acontecer. Temos que estar preparados, aumentando a capacidade ainda dessas capitais e cidades maiores, porque elas serão o destino das pessoas que vão buscar o tratamento. Precisamos investir na capacidade de transporte, respiradores de transporte, estrutura para fazer as evacuações, que nos permitam que a gente traga das cidades do interior para tratamento”, afirmou Pazuello na abertura da reunião da Comissão Intergestores Tripartite, instância do Sistema Único de Saúde (SUS) que reúne a União, estados, municípios e a Organização Panamericana de Saúde.
“Claro que hospitais do interior que permitam ter uma progressão para rede de UTI e outros tipos de estrutura devem ser trabalhados”, acrescentou o ministro interino. Mais tarde, durante uma coletiva de imprensa, Eduardo Macário comentou que essa “interiorização” do novo coronavírus teria também a ver com a sazonalidade climática do Norte e Nordeste brasileiros, com a proximidade dos meses de inverno. O epidemiologista Antonio Neto discorda. “Trata-se de uma progressão tradicional de qualquer vírus respiratório. À medida em que o tempo passa, ele vai chegando a outras cidades. Geralmente, concentra-se nas capitais e depois espalha-se nas cidades menores”, diz. Ele dá como exemplo seu estado, o Ceará, onde, inicialmente, os casos de covid-19 concentraram-se em Fortaleza —”A capital tornou-se uma espécie de hub aéreo, com a chegada de muita gente contaminada no exterior”— e agora assustam o interior. “Esse padrão de deslocamento deve se repetir nos Estados vizinhos”, conclui.