Quase 50% das favelas e assentamentos irregulares estão concentrados nas regiões metropolitanas do Rio, São Paulo e Belém
Por José Eustáquio Diniz Alves, compartilhado de Projeto Colabora
O Brasil era um país predominantemente agrário e rural durante a maior parte da sua história. Durante 460 anos a população rural predominou sobre a população urbana. Mas nos últimos 60 anos o crescimento das cidades foi extraordinário, embora alguns núcleos urbanos sejam tão antigos quanto o início da colonização. Cinco das grandes cidades brasileiras da atualidade foram fundadas em⁰ meados do século XVI: Recife/PE (1537), Salvador/BA (1549), Vitória/ES (1551), São Paulo/SP (1554) e Rio de Janeiro/RJ (1565). Outras das atuais capitais estaduais de destaque foram fundadas no século seguinte, como Belém/PA (1616), Curitiba/PR (1661), Manaus/AM (1669) e Florianópolis/SC (antiga Desterro, 1673).
Ainda no Brasil Colônia, foram fundadas Cuiabá/MT (1719), Fortaleza/CE (1726), Macapá/AP (1758) e Porto Alegre/RS (1772). No período monárquico, foi fundada, por exemplo, Teresina/PI (1852), com o nome em homenagem à imperatriz Teresa Cristina. Na República Velha, foi fundada Belo Horizonte/MG (1897). A capital do Brasil, Brasília/DF, foi fundada em 1960. E a última capital a ser criada foi Palmas/TO, em 1989.
A tabela abaixo mostra a população de Brasília e das 26 capitais das Unidades da Federação, segundo dados de alguns censos demográficos selecionados, entre 1872 e 2010. No primeiro censo realizado no país, em 1872, a cidade do Rio de Janeiro era a mais populosa com 274,9 mil habitantes, vindo em seguida Salvador com 129 mil habitantes e Recife com 117 mil habitantes. A cidade de São Paulo possuía apenas 31,4 mil habitantes e foi a capital estadual que apresentou o maior crescimento no período republicano, chegando a mais de 11 milhões de habitantes em 2010, à frente do Rio de Janeiro com 6,3 milhões, Salvador com 2,7 milhões, Brasília com 2,6 milhões, Fortaleza com 2,5 milhões e Belo Horizonte com 2,4 milhões de habitantes em 2010. A capital estadual menos populosa é a caçula Palmas, com 228 mil habitantes em 2010.
A soma da população das capitais, em 1872, representava 9,6% do total de habitantes do país, passaram a representar 16% do total em 1950 e chegaram a 25% da população brasileira em 1980. Todavia, nos últimos 40 anos, a proporção da população conjunta das 27 capitais se estabilizou em relação à população total do país e até diminuiu um pouco, ficando em 24% em 2010.
Em termos de grandes conglomerados urbanos, as três maiores regiões metropolitanas brasileiras, segundo as estimativas populacionais do IBGE de 2021, são as de São Paulo, com cerca de 22 milhões de habitantes, a do Rio de Janeiro com cerca de 13 milhões e a de Belo Horizonte com cerca de 6 milhões de habitantes.
No geral, a urbanização catalisa benefícios econômicos, como especialização, economias de aglomeração e de escala e sinergias e complementariedades que, em muitos casos, aumentam as oportunidades de investimentos e negócios que geram empregos e impulsionariam a produtividade e a competitividade dos diversos setores produtivos.
Em 2021, o Brasil registrou 17 municípios com mais de 1 milhão de habitantes, com uma população de 46,7 milhões de habitantes, representando 21,9% da população nacional de 213,3 milhões de habitantes, segundo as estimativas do IBGE, conforme mostra a tabela abaixo. São 326 municípios com mais de 100 mil habitantes, agrupando 123 milhões de habitantes, representando 57,7% da população total do país. Abaixo de 10 mil habitantes, são 2.451 cidades que agrupam 12,7 milhões de habitantes. Uma comparação curiosa é que o conjunto desses milhares de municípios com menos de 10 mil habitantes possuem uma quantidade de habitantes equivalente à da cidade de São Paulo, a maior megalópole da América Latina.
Em 1872, a população de 9,9 milhões de habitantes estava distribuída da seguinte forma entre as grandes regiões: Nordeste com 4,6 milhões (46,7% do total), Sudeste com 4 milhões (40,5%), Sul com 721 mil (7,3%), Norte com 333 mil habitantes (3,4%) e Centro-Oeste com 221 mil (2,2% do total), conforme mostra o gráfico abaixo. Em 1890, o Nordeste e o Sudeste praticamente empataram em tamanho da população, com cerca de 42% do total para cada uma das regiões. No século XX, a região Sudeste continuou ganhando peso absoluto e relativo e se manteve sempre com uma proporção populacional acima de 40%, enquanto o Nordeste caiu para pouco menos de 30%.
A região Sul cresceu em termos absolutos e relativos chegando a atingir 17,7% da população brasileira em 1970, mas caiu para cerca de 14% nas primeiras décadas do século XXI. As duas regiões menos populosas foram também as que mais cresceram nos últimos 150 anos, sendo que, em 2021, o Centro-Oeste chegou a 16,7 milhões de habitantes (7,8% do total) e a região Norte chegou a 18,9 milhões (8,9% do total). As duas juntas ultrapassaram a região Sul em número de habitantes.
A população brasileira, em 2021, foi de 213,3 milhões de habitantes, segundo a estimativa do IBGE, o que representa uma densidade demográfica de 25 habitantes por quilômetro quadrado (hab/Km2), conforme mostra a tabela abaixo. A menor densidade ocorre na região Norte, que tem uma área de 3,85 milhões de Km2 (42 vezes maior do que a área de Portugal) e uma densidade demográfica de 4,9 hab/Km2. A região Centro-Oeste é a menos populosa, mas tem uma densidade demográfica de 10,4 hab/Km2. A região mais populosa e com maior densidade demográfica é o Sudeste com 96,9 hab/Km2. O mundo, por exemplo, possui uma densidade demográfica de 52 hab/Km2, em 2021, considerando apenas os 150 milhões de Km2 da área terrestre do Planeta.
O crescimento das cidades brasileiras foi profundo e rápido, mas deixou grandes carências. Segundo os dados do censo demográfico de 2010, as 20 regiões metropolitanas (RM) brasileiras concentravam 88,6% dos domicílios em aglomerados subnormais (assentamentos irregulares ou favelas), sendo que as RMs de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Belém concentram quase a metade (43.7%) dos domicílios em aglomerados subnormais no total do país. No geral, o Brasil possui 6.329 aglomerados subnormais em 323 do total de municípios. Os aglomerados subnormais concentravam 6,0% da população brasileira (11.425.644 pessoas), distribuídos em 3.224.529 domicílios particulares ocupados (5,6% do total). A expansão urbana desordenada provoca, entre outros problemas, a propagação de doenças como a Dengue, Chikungunya e Zika.
O crescimento das cidades e a concentração de mais da metade da população nacional nos municípios com mais de 300 mil habitantes é um reflexo da transição urbana que já vinha ocorrendo desde o final do século XIX, mas teve o ritmo acelerado depois da Segunda Guerra Mundial. O gráfico abaixo mostra a evolução da população brasileira, por situação de domicílio, entre 1950 e 2010. Nota-se que a população brasileira era de 51,9 milhões de habitantes em 1950, sendo 18,8 milhões (36,2%) no meio urbano e 33,2 milhões (63,8%) no meio rural. A população rural continuou crescendo em termos absolutos até 1970, quando chegou a 41 milhões de habitantes, mas em termos percentuais caiu para 44,1% da população total. A partir de 1970 a população rural iniciou uma trajetória de queda absoluta e relativa caindo para 29,9 milhões de pessoas, representando 15,7% da população total.
A população urbana cresceu continuamente durante todo o período e chegou a 160,9 milhões de habitantes, segundo o censo demográfico de 2010, representando 84,3% da população total. Portanto, o Brasil é um país majoritariamente urbano e com um peso enorme das grandes cidades e regiões metropolitanas. Neste contexto, garantir o direito à cidade é, ao mesmo tempo, dar efetividade à dignidade das pessoas e aos direitos da cidadania.
A urbanização tem sido o principal vetor da transformação socioeconômica e demográfica do Brasil, estando na vanguarda do processo de modernização. Nos últimos 2 séculos, as cidades lideraram as inovações econômicas, tecnológicas, científicas e culturais que reconfiguraram as estruturas familiares, a organização social e as relações de trabalho, possibilitando avanços sem precedentes nos direitos de cidadania de parcelas cada vez mais amplas da população. Os países mais urbanizados tendem a ter maior renda, maior nível educacional, menor mortalidade infantil, maior esperança de vida, maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), menor proporção de pessoas passando fome, menor mortalidade materna, menor desigualdade de gênero, etc. Ao contrário da dispersão rural, a concentração urbana, em geral, permite ganhos de escala e ganhos do efeito de aglomeração (Martine, Alves, Cavenaghi, 2013).
Mas no conjunto, o crescimento das cidades tem um grande impacto sobre o meio ambiente e graves problemas urbanos, como poluição atmosférica, sonora, visual, destruição dos córregos, falta de saneamento básico, acúmulo de lixo, favelização, engarrafamento e imobilidade urbana, etc. De fato, é cada vez mais urgente se buscar soluções para conciliar as condições ambientais com a crescente urbanização, pois inchar e amontoar pessoas nas cidades não melhora o bem-estar geral da população.
O Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat) tem incentivado o debate urbano com base em quatro linhas conceituais: “Cidades Sustentáveis e Livres de Carbono”, “Cidades Inclusivas e Justas”, “Cidades Saudáveis” e “Cidades Resilientes”. São temas importantes pra o Brasil que, no século XXI, provavelmente terá taxas de urbanização ainda mais elevadas, mas o tamanho das cidades deve diminuir com o avanço da transição demográfica e o decrescimento populacional. Entre 2020 e 2022, a cidade de Porto Alegre, por exemplo, se transformou na primeira capital a apresentar decrescimento demográfico por três anos consecutivos.
As duas principais características da dinâmica demográfica brasileira do século XXI serão o envelhecimento populacional e a urbanização. Diante da emergência climática e ambiental, somente com investimento em infraestrutura, eliminação da pobreza, redução das desigualdades e a construção de cidades ecológicas se pode pensar em sustentabilidade urbana com bem-estar social.
Referências:
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022
https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf
George Martine, José Eustaquio Alves, Suzana Cavenaghi. Urbanization and fertility decline: Cashing in on Structural Change, IIED Working Paper. IIED, London, December 2013.