Por Marizilda Cruppe, publicado em Projeto Colabora –
Turma pioneira de bacharéis formada pela Universidade Federal do Ceará colou grau no mês passado
Até a criação da graduação, na Universidade Federal do Ceará, a economia ecológica se apresentava nas universidades mundo afora como uma disciplina da área de Ciências Econômicas, de mestrado ou doutorado. Em 2010, um grupo de economistas e professores da UFC, discípulos de Nicholas Georgescu-Roegen (1906-1994), autor de “The Entropy and the Economic Process” (Entropia e Processo Econômico), decidiu criar um curso de extensão, com duração de 40 horas. As mais de 400 inscrições e as dezenas de pedidos para que o curso fosse transformado em pós-graduação ou mestrado encorajaram o grupo a pensar em ir mais longe. Os professores acreditavam na importância de uma formação de base e criaram o primeiro, e até o momento único, curso de graduação em Economia Ecológica do mundo.
Mas, afinal, o que é Economia Ecológica? Lá pelos anos 60 e 70 do século passado, cientistas e ambientalistas começaram a fazer críticas à exploração dos recursos naturais e ao modelo de crescimento econômico baseado na exploração, produção e devolução de resíduos poluentes para a natureza que não podiam ser reaproveitados. Já no começo dos anos 70, economistas mais conscientes alertaram para o dia em que o crescimento econômico seria zero, pois crescer às custas da destruição de recursos naturais não renováveis seria inviável.
“Nas origens do curso, nós estávamos tentando estabelecer um contraponto, uma crítica ao dogma do crescimento econômico e, também, ao dogma da sustentabilidade. Não dá para simplesmente pintar de verde e dizer que a economia é sustentável. Há processos que se tornam irreversíveis e se voltam contra a economia e as pessoas”, analisa o economista e professor, Aécio de Oliveira, um dos integrantes do time idealizador do curso de bacharelado, apelidado de Eco Eco. Ele continua, “Aqui no curso de economia ecológica nós tentamos estabelecer as relações entre economia, natureza e sociedade. Precisamos restabelecer princípios ecossistêmicos de coevolução. Somos um sistema social e econômico, mas ambos estão delimitados pelo ecossistema que é materialmente limitado”.
O programa pedagógico do curso foi rejeitado pelas Ciências Econômicas, pois se apresentava ousado demais para o departamento. A Eco Eco, então, ficou abrigada sob o guarda-chuva das Ciências Agrárias, não menos conservadora que a economia tradicional. Lucio Alves, 21 anos, estudante do 6º período pensava em cursar Ciências Econômicas, mas para trabalhar com economia social, “nada de banco” se apressa em dizer. “A Economia tradicional, na UFC, infelizmente, não está incluindo todas as disciplinas sociais na grade. Na Eco Eco é o contrário, o fundamento aqui é uma discussão ecológica e social, interdisciplinar, voltada para as pessoas e não para o dinheiro. É mais ampla, é sobre a vida. É compreender que o sistema ecológico é maior que o sistema econômico.”
Uma das inovações do curso, que por si só já é inovador, é o Trabalho de Campo Integrado (TCI). A partir do segundo semestre, os estudantes seguem para o campo e colocam em prática as teorias aprendidas em sala de aula. O TCI é uma disciplina obrigatória, onde os estudantes aplicam as ferramentas que conheceram no semestre. “É uma maneira de trazer o saber da academia para o contato com a realidade. A gente sai de Fortaleza para o interior e vai ver o que é o Ceará. Eu estou há seis semestres empolgado com o curso” conta Lucio, com um sorriso no rosto. “Estou satisfeito demais com a minha escolha. A grade do nosso curso é muito boa, todo mundo sente inveja quando a gente mostra. Às vezes, a gente é formado numa ciência de pedra, uma ciência dura, que nem entendemos por que estamos estudando aquilo, só muito mais tarde que se chega a uma discussão mais ampla, mais sensível. Aqui na Eco Eco, a base já é isso. A gente não vai aprender a jogar veneno para depois discutir se veneno é bom. A gente vai discutir primeiro e acima de tudo para que o veneno. A gente não vai aprender como se desmata um hectare com dois tratores e uma corrente. Antes a gente pensa para que ensinar alguém a fazer isso”.
O professor Fábio Sobral, um dos idealizadores do bacharelado explica que “para os economistas tradicionais bastam inovações tecnológicas que irão superar os problemas ambientais. A economia tem um princípio básico que é o crescimento econômico. É uma incoerência ter um planeta com recursos limitados determinado por um crescimento econômico que se quer exponencial, em contradição com a própria biosfera”. Ele observa que “os economistas ecológicos se escondem nos departamentos de economia, pois nunca tiveram força para romper definitivamente com a economia tradicional e passar a trabalhar a economia ecológica como uma alternativa viável”.
O curso enfrenta resistência de grupos dentro da universidade que tentam complicar a vida acadêmica de docentes e discentes. A rotina da turma da Eco Eco não é nada fácil. Mas se vem resistência de lá, o lado de cá também resiste. No mês passado, alunos da primeira turma foram diplomados. Arthur Virgilius, cearense de Fortaleza, 29 anos, formou-se com louvor. Arthur estava no final do curso de Jornalismo quando começou a estudar Ciências Econômicas, pois tinha a meta de ser jornalista de economia. Com o tempo, e com o interesse por temas ambientais, identificou “inconsistências” no curso de Ciências Econômicas e pensou em seguir para as Ciências Sociais ou para a Filosofia. Estava neste movimento ao mesmo tempo em que o curso de Economia Ecológica foi criado. “Resolvi olhar o Plano Pedagógico do Curso (PPC) e percebi que algumas lacunas que eu via nas Ciências Econômicas eram preenchidas. Além disso, compreendi a visão holística que o curso colocava. Desta forma, houve um encantamento com a ideia e eu aceitei a mudança”. conta Virgilius.
Sobral explica que o sistema econômico comete um erro grave quando transforma tudo em dinheiro. “Uma árvore protege o solo, retém água, tem uma microfauna, cria um microclima, uma biomassa, aí a economia tradicional vai e diz que essa árvore vale duzentos reais. Pegam-se variáveis que não se comunicam e submetem essas variáveis biofísicas a uma variável monetária. Isso é um assassinato do planeta. Devastar uma área e uma espécie e depois monetizá-las não vai reduzir a devastação. Se é um ativo valorizado no mercado financeiro ele vai explodir.” ensina o professor.
Francisco Casimiro Filho, coordenador do curso de graduação em Economia Ecológica, agrônomo formado na UFC, com mestrado e doutorado em Economia Aplicada pela USP, precisa ser hábil para manter o curso em funcionamento com um número reduzido de docentes. Muitos trabalham voluntariamente, movidos pela paixão de contribuir na formação de economistas que possam pensar um mundo que não seja só economia, sociedade ou consumismo. Os professores querem formar economistas que pensem a ética da vida. “Recebemos alunos das Ciências Econômicas para fazer disciplinas optativas livres conosco e no semestre seguinte eles trocam de curso e migram para a economia ecológica”, conta o professor Casimiro.
Andressa Paulino, 25 anos, soube do novo curso de graduação por um amigo e ficou curiosa. Os dois conceitos, economia e ecologia, não caminhavam juntos na cabeça dela. O amigo explicou um pouco e ela se surpreendeu “eu nunca tinha pensado por esse ponto de vista”. A nota de Andressa no Enem daria para escolher muitos cursos, menos o que ela desejava, arquitetura. Ela, então, pensou em escolher um curso que ela gostasse e a enriquecesse enquanto esperava o tempo para trocar para arquitetura. Deu Eco Eco. “Eu fui conhecendo o curso mais e mais, fui gostando do que estava vendo, passei a enxergar tudo ao meu redor com uma visão diferente, mais crítica, e passei a entender como tudo se conecta. Agora eu não quero sair da Eco Eco de jeito nenhum”.