Brasil vive novo apagão de dados da pandemia

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Compartilhado de DW Brasil – 

Dificuldade em reportar números e mortes por covid-19 já dura mais de uma semana. Pesquisadores alertam para cenário preocupante, com reversão de tendência de queda de infecções.

Pessoas de máscara andam em rua movimento em São Paulo 

Às vésperas das eleições municipais, com mais de 163 mil mortes por covid-19 registradas até esta quinta-feira (12/11) pelo consórcio de imprensa que acompanha de forma independente o cenário, o Brasil atravessa um momento “míope” da pandemia do novo coronavírus.




O motivo é o apagão recente no banco de dados oficial, mantido pelo Ministério da Saúde, e que dificulta o acompanhamento em tempo real da doença. Há mais de uma semana, diversos estados têm relatado problemas para atualizar seus números no sistema.

“Eu diria que estamos andando com um grau de ‘miopia muito forte’. E, mesmo na miopia, o cenário parece não ser muito bom”, afirma Jones Albuquerque, epidemiologista da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) que trabalha com monitoramento de casos e assessora o governo estadual.

Por vários dias, estados como São Paulo, Amapá, Rio de Janeiro, Minas Gerais e o Distrito Federal não reportaram os registros de novos casos e óbitos, relata Albuquerque. No banco de dados do Sistema Público de Saúde, os dados reportados em sua totalidade ainda são do dia 4 de novembro.

“Por outro lado, o diagrama abastecido com dados os disponíveis e administrado pelo Instituto de Redução de Riscos e Desastres da
Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), com metodologia desenvolvida em parceria com Universidade Técnica da Catalunha, mostra uma situação preocupante.”Mesmo com essa ‘miopia grande’, o Brasil deu meia volta e está retornando ao alto risco de infecção”, explica o cientista.

Com o apagão no sistema oficial e atrasos na atualização das informações, as consequências são preocupantes, segundo especialistas ouvidos pela DW.

“Um atraso que sai do padrão dificulta muito o monitoramento. É importante construir bem os indicadores para poder tomar decisões. É importante ter essa análise para se ter uma resposta rápida num momento de crise”, afirma Daniel Villela, coordenador do Programa de Computação Científica da Fiocruz que atua no Observatório da Covid-19.

Até a noite de quinta-feira, o site do Ministério da Saúde que apresenta o painel detalhado estava fora do ar. Por telefone, a assessoria de imprensa do órgão respondeu que o sistema estava instável e que não estava recebendo e-mails, via pela qual a reportagem enviou as perguntas sobre os números da covid-19. Até o fechamento deste texto, o ministério não forneceu as informações solicitadas.

Apagão e reversão de tendência

As falhas no sistema tiveram início em 6 de novembro. Na ocasião, junto com a falta de energia elétrica no estado do Amapá, veio a notícia de que sites oficiais do governo tinham sofrido ataques cibernéticos. Na sequência, alguns estados pararam de anunciar o número de óbitos alegando dificuldade técnica.

“A lógica nos diz: ou o sistema apresenta falha para todos, ou não apresenta para nenhum. Mas ele parou só para alguns estados”, questiona Isaac Schrarstzhaupt, da Rede Análise Covid-19, formada por pesquisadores e analistas de dados.

Antes mesmo da parada do sistema oficial, analistas já alertavam para uma reversão de tendência que, até então, estava em queda. Capitais como Aracaju, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Macapá e Salvador emitiam sinais preocupantes com probabilidade alta de crescimento da contaminação na tendência de longo prazo. Belém, São Luís e São Paulo apresentavam sinais moderados de crescimento. Porto Alegre e Belo Horizonte tinham indícios de que poderiam estar iniciando o processo de interrupção da tendência de queda nos registros.

“A gente não sabe se a reversão de tendência que a gente viu há duas semanas, e agora está às cegas, está andando para o lado, se está em fase de estabilização ou se deu aquele estouro que é quando vira curva e começa a subir”, pontua Schrarstzhaupt.

A análise de situação é divulgada no boletim Infogripe, que reúne diversas instituições, como a Fiocruz. O informativo analisa os registros de Síndrome Respiratória Aguda Grave do Sivep-Gripe (Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe). Esse banco de dados reúne todas as doenças respiratórias severas, como influenza e H1N1, que resultam em internação hospitalar.

“Desde a semana passada, nós soubemos que o Sivep-Gripe estava parado. Não entravam dados registrados. Nós, até agora, não recebemos os dados. Isso atrapalha a análise da situação”, comenta Villela, da Fiocruz.

Embora esse sistema registre outros casos e tenha sido desenvolvido antes da pandemia, mais de 95% deles acabam se confirmando como covid-19 desde o início da atual crise de saúde. “O Sivep-Gripe é um bom indicador pra acompanhar os números da covid-19”, complementa Villela.

Falta de transparência

Desde o início da pandemia, a Open Knowledge Brasil (OKB) acompanha a questão da transparência na divulgação dos dados oficiais. “A gente vinha observando uma tendência de melhoria dos dados no âmbito dos estados, mas a gente nota que os estados são dependentes do sistema federal. Se esse não funciona, não está coletando os dados corretamente, os estados vão falhar nas suas políticas”, afirma Fernanda Campagnucci, que dirige a OKB.

Esse é o pior momento quanto à clareza dos números desde junho, quando o Ministério da Saúde parou de publicar as informações consolidadas. À época, o painel mantido pelo ministério chegou a ser retirado do ar e, quando retornou, havia eliminado várias de suas ferramentas, como gráficos e tabelas.

“Ainda não se tem exatamente todas as circunstâncias”, comenta Campagnucci, sobre o alegado ataque cibernético sofrido em sistemas do governo federal. “Falta uma justificativa, um esclarecimento do que está acontecendo no site, o impacto, a extensão do problema, o que deixa de ser publicado. Estamos no escuro”, analisa.

Para a diretora da OKB, o governo federal tem falhado desde o início da epidemia no país, em março, por não ter articulado os estados a favor da transparência e não ter definido os parâmetros.

Até que as causas do apagão sejam amplamente esclarecidas e os dados sejam reportados, a dificuldade em saber como a pandemia se comporta na atualidade deve continuar. “Além desse problema técnico, a situação se agrava pela baixa quantidade de testes realizados na população em virtude de várias dimensões e, uma delas, é o momento político. As pessoas se esqueceram que estamos no meio de uma pandemia”, afirma Jones Albuquerque.

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