A comunidade brasileira nos EUA se organiza para denunciar a violência contra imigrantes e alerta que está sendo “caçada como animais”.
Por Jamil Chade, colunista do UOL, em Nova York
foto: O governo dos EUA endureceu as regras para quem tenta cruzar a fronteira e anunciou um novo processo de deportação rápida Imagem: Getty Images via BBC
Nesta quarta-feira, numa coletiva de imprensa em Boston, entidades que trabalham com imigrantes brasileiros anunciaram o envio de uma carta ao governo Lula cobrando ações e o fortalecimento dos consulados, hoje incapazes de agir diante da demanda que aumentou de forma exponencial. Em alguns consulados, existem 5 mil pedidos de certidão de nascimento e 20 mil emissões de passaportes.
Essa é a primeira ação coordenada dos brasileiros no exterior, desde a eleição de Donald Trump. A situação ocorre num momento em que, segundo as entidades, as prisões de brasileiros aumentaram em 400% desde janeiro. Apenas entre abril e maio, a alta foi de 50%. O número absoluto, porém, não foi revelado.
Quatro pedidos estão sendo feitos ao governo Lula:
Que atue junto com o governo americano para aplicar a convenção contra tortura e maus-tratos;
Que amplie a capacidade consular para emissão de documentos;
A realização de uma audiência pública na Câmara dos Deputados com organizações da sociedade civil:
A criação de canais permanentes com postos diplomáticos;
As entidades denunciam violações humanitárias e pedem a ação urgente das autoridades brasileiras diante da deportação e prisão de dezenas de pessoas.Continua após a publicidade
Álvaro Lima, fundador do Instituto Diáspora Brasileira e que trabalha na prefeitura de Boston, apontou como a comunidade brasileira gera bilhões de dólares para a economia local e que os empresários do país são responsáveis por 82 mil empregos diretos e indiretos.
“Hoje somos caçados como animais. Não somos animais. Somos serem humanos. Precisamos agir e precisamos do apoio de nosso governo”, disse.
A brasileira Priscila Souza, deputada estadual em Massachusetts, saiu em defesa da comunidade brasileira, lembrando que os estrangeiros fazem parte da história americana. Segundo ela, mesmo os deputados republicanos e entidades da região estão hoje constrangidas diante da dimensão das violações. “Não imaginavam que seria assim”, contou.
Doze horas dentro de um carro
Durante o encontro, as diferentes organizações relataram casos de abusos contra imigrantes. Lenita Reason, que lidera a Brazilian Worker Center, apontou que os brasileiros temem sair de casa. “Nossa comunidade vive muito medo”, disse. “Pessoas estão sendo presas e ficando mais de 12 horas dentro de carros, antes de ir a uma prisão”, disse. “Estamos fazendo um pedido por mais recursos para nossos consulados. A demanda aumentou em 400%”, pediu.
Segundo ela, o governo Lula não tem o poder de agir contra o governo Trump. Mas pode fortalecer consulados. “Temos filas de pessoas para registrar crianças”, disse.Continua após a publicidade
Lenita destacou que existem famílias que querem voltar ao Brasil, mas não tem documentos. Ela ainda denuncia a situação crítica de saúde de pessoas presas e que precisam beber água da torneira.
Já Renata Bozzeto, da Florida Immigrant Coalition, relatou que a atuação na polícia local vem causando apreensão. Um carro, por exemplo, pode ser parado por não ter farol. E o resultado é a prisão do motorista, por estar de forma irregular no país.
Ela ainda conta casos de imigrantes que foram até os escritórios oficiais para tentar regularizar suas situações. “Quando apresentam seus documentos, eles têm seus pedidos negados e são presos imediatamente”, disse. “Não podem nem se despedir de seus filhos. Isso é desumano”, afirmou.
Já Patrick Garcia, da Carolina do Norte, pediu que os consulados brasileiros não julguem quem aparece para pedir ajuda para voltar ao Brasil. “Não cabe a ninguém julgar o nível de medo. Se a família decide voltar, precisa respeitar a escolha”, disse. Ele relatou o caso de um brasileiro que teve de esperar por meses para conseguir apoio para voltar ao Brasil.
Antonio Massa, advogado, destacou a mudança no comportamento das autoridades americanas diante dos imigrantes, violando garantias. “O governo Trump tem cotas e precisa prender 3 mil pessoas por dia”, disse. Segundo ele, nem o direito ao habeas corpus tem sido respeitado.
Ele relatou o caso de um cliente que, uma vez preso, esteve numa sala onde sequer havia espaço para sentar no chão.Continua após a publicidade
Outro caso envolveu o posicionamento dos agentes de imigração numa cidade perto de Boston nas proximidades de uma igreja, em pleno domingo. “Há uma campanha de terror”, disse.
Um outro fenômeno tem sido o desaparecimento de brasileiros de restaurantes e de comércio mantidos por imigrantes. De acordo com as entidades, o fluxo em algumas cidades caiu pela metade, ameaçando a sobrevivência desses estabelecimentos.
Na carta enviada às autoridades em Brasília, as entidades ainda alertam para tortura e para o fato de que crianças estão sendo algemadas.
Filas nos consulados
Nos últimos dias, o governo brasileiro indicou que reforçaria a atenção aos imigrantes brasileiros, na tentativa de lidar com gargalos e na emissão de certidões de nascimento. Mas, conforme o UOL revelou com exclusividade nesta quarta-feira, a escassez de funcionários nos consulados brasileiros nos EUA tem levado a um aumento exponencial de filas para atender os imigrantes. Muitos buscam renovar passaportes e emitir certidões de nascimentos para não serem separados de seus filhos, caso sejam deportados.
Desde a ofensiva de Donald Trump contra os estrangeiros, o consulado em Boston, por exemplo, viu um aumento de sete vezes na procura por serviços emergenciais, em comparação com os números de 2024.Continua após a publicidade
Mas a comunidade insiste que as ações do Itamaraty ainda são insuficientes. Agora, o documento de denúncia é assinado por entidades como a Brazilian Worker Center, Grupo Mulher Brasileira, Brazilian American Center, Instituto Diáspora Brasil, Brazilian Resources Center, Source Hub, New England Community Center, Defend Democracy Brazil, Florida Immigrant Coalition, Deputados Brasileiros em Massachusetts e várias outras entidades.
Segundo eles, a comunidade brasileira nos Estados Unidos já ultrapassa 2 milhões de pessoas, das quais cerca de 57% são imigrantes em situação migratória vulnerável – com visto temporário, residência permanente ou fora de status, ou seja, sem cidadania norte-americana.
Liana Costa, que também atua na defesa da comunidade, insistiu que o Itamaraty precisa encontrar formas para validar os documentos de forma remota e alertou que os postos não têm capacidade para atender ao fluxo que se criou nos últimos meses. “É importante que os consulados sejam socorridos”, disse.
Reportagem
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