Por Marina Amaral, compartilhado de A Pública
Em setembro do ano passado, Marcelo Arantes de Carvalho, um dos vice-presidentes globais da Braskem, publicava em seu Linkedin: “Ontem a Braskem recebeu o prêmio Valor 1000, dado pelo Jornal Valor, como a melhor empresa do setor químico e petroquímico no mercado brasileiro. E tudo baseado na análise de informações financeiras e práticas de ESG, do ano de 2021, feitas por duas instituições. Tive a honra e prazer de ir receber este prêmio, muito feliz por estar por aqui há 12 anos com muita gente do bem e fazendo cada dia mais um trabalho sério para melhorar a vida das pessoas”.
Àquela altura a Braskem já havia sido obrigada a encerrar a exploração de sal-gema no subsolo de Maceió que provocou o desastre, ainda em andamento, responsável pela expulsão de 60 mil pessoas de suas casas, sujeitas a abalos sísmicos, que provocam a abertura de crateras e desabamentos que ameaçam gravemente o ecossistema da região.
Isso porque, além de perfurar em profundidade superior a 800 metros o subsolo cavernoso de uma cidade, trata-se de uma área de restinga, instável e ecologicamente vulnerável, que nunca deveria ter sido explorada, como declara há 4 décadas, sem manchetes nos jornais, o engenheiro e professor aposentado da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Abel Galindo.
Foi o professor Abel um dos primeiros a dizer em alto e bom som que era da Braskem a responsabilidade pelo tremor de terra, sentido pela primeira vez em março de 2018, assim como as rachaduras nas casas e o afundamento do asfalto nos bairros que ficam acima das minas. A empresa sempre negou a responsabilidade óbvia, mesmo depois que um laudo do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) comprovou, em maio de 2019, que a instabilidade do solo em Maceió foi provocada pela extração de sal gema da Braskem.
Só então os moradores de três bairros que conviviam com enormes fissuras em suas casas, temendo pelo desabamento, foram evacuados. A mineração ainda seguiu até novembro de 2019, quando enfim a Braskem desativou a extração, anunciando um prazo de 10 anos para preencher o solo esburacado.
A isso se deve a catástrofe do final do mês passado, que ampliou para cinco os bairros atingidos, além de ameaçar a Lagoa Mundaú e a restinga.
Um pequeno problema não considerado, ao que parece, na premiação do Valor de 2022. Nem pela imprensa de Maceió, incluindo as emissoras locais de TV, que sempre fizeram reportagens enaltecendo a empresa, como contou ao podcast “O Assunto”, a jornalista Lenilda Luna, da Ufal, que viu a exploração de sal gema começar em 1977, quando era criança, filha de um operário da mineração.
“Até 2018, a gente não tinha ideia de que a exploração de sal gema estava transformando Maceió em um queijo suíço. A impressão que eu tenho é como se a gente tivesse que conviver com esse monstro. Ele tava mais ou menos quieto, a Braskem investiu muito em responsabilidade social, e meio que a sociedade alagoana se acomodou e, talvez, nós jornalistas também”, diz a jornalista. Ela conta que a empresa criou um cinturão verde que as escolas visitavam, com criação de abelhas, educação ambiental e outros atrativos, sempre com cobertura da imprensa. “Era tudo lindo, tudo muito tranquilo”, completou.
A atuação perniciosa da Braskem, que esburacou o solo de uma capital densamente povoada, permaneceu em silêncio por 40 anos. Tempo equivalente ao que durou, sem ser revelado, o esquema de exploração sexual do fundador das Casas Bahia, Samuel Klein, finalmente investigado e publicado pela Agência Pública em 2021. O mesmo aconteceu em relação à Vale, por anos premiada como melhor empresa pelos jornalistas apesar das violações cometidas contra o ambiente e comunidades no Pará e no Maranhão, alvo do primeiro projeto de cobertura da Amazônia da Pública, em 2012.
Como se não bastasse o lobby de empresas – que inclui prêmios e patrocínio de treinamento para jornalistas, além de solícitas assessorias de imprensa e detalhados releases, prontos para publicação -, o bloqueio para investigar anunciantes (como sugerem os caso Klein, Vale e Braskem) e a invasão da publicidade através de conteúdos pagos enfraquecem ainda mais a linha entre campos que não deveriam se misturar jamais. Principalmente quando envolvem o interesse público.
Uma reportagem publicada nesta semana em nosso site pelos jornalistas Rafael Oliveira e Laura Scofield revela que dez grandes empresas jornalísticas – Globo, Folha, Estadão e por aí afora – veicularam conteúdo pago, em formato de reportagem, a favor dos vapes, cigarros eletrônicos consumidos sobretudo por jovens e proibidos no país, além de condenados por autoridades e pesquisadores por fazerem mal à saúde.
Quem mesmo está lutando contra a desinformação?