Por André Araújo, publicado em Jornal GGN –
Maior produtor de bebida alcóolica forte do mundo, um dos mais antigos fabricantes de charutos, inventor do etanol combustível, o Brasil tem enorme potencial turístico em nome da principal reserva ecológica do planeta, há uma curiosidade mundial em relação ao Brasil .
O Brasil é superlativo em muitas coisas, mas também é em preguiça, falta de ousadia, imobilismo, apatia econômica, ausência de criatividade espantosa para aproveitar oportunidades que a natureza lhe deu de presente.
A Colômbia ao fim da Segunda Guerra era um produtor de café secundário. O Brasil era o rei absoluto do café mas a Colômbia, desde os anos 50, fez uma inteligente e contínua propaganda da marca ‘’CAFÉ DE COLOMBIA”. Ganhou o mercado mundial com sua marca nacional, com anúncios preciosos e bonitos nas revistas americanas, promoção nas principais cidades consumidoras, levantou o nome de seu principal produto de exportação, hoje importante na economia do Pais e na mesma linha fez campanha para a FRUTAS E FLORES. Hoje a Colômbia virou fornecedor preferencial da Europa em frutas e flores nos meses do inverno europeu.
A Colômbia criou uma marca e um logo de seu café na figura de um camponês de bigode e chapéu montado em um burrico, JUAN VALDÉS, marca tradicional do café colombiano.
Ao se chegar ao Aeroporto de Bogotá há um enorme balcão com parede azulejada ao fundo com a marca nacional do café da Colômbia, é a primeira coisa que se vê, o viajante pode logo tomar o excelente café no balcão. Nos aeroportos brasileiros não há nenhuma marca nacional de impacto como um sinal de boas vindas, aeroportos também são área de promoção do País.
O Brasil tem tesouros que criariam milhões de empregos se houvesse um mínimo de coordenação e planejamento, de esforços inteligentes e organizados em negócios onde o Brasil tem uma evidente vantagem comparativa.
Todos os setores aqui apontados são de alta intensidade de emprego, uma ativação desses setores significa ampla criação de empregos nas áreas rural, industrial e comercial.
Segundo o IBGE no 3º trimestre de 2017 o Brasil tem 26.8 milhões de pessoas desempregadas e subempregadas, número superior ao que era no trimestre anterior e no mesmo trimestre de 2016, que já era péssimo. A questão do emprego NÃO está sendo na REALIDADE resolvida.
O Brasil está naufragando no subemprego e no desemprego estrutural que atinge as camadas mais pobres da população.
CACHAÇA
A produção brasileira é de 1,3 bilhões de litros por ano, a exportação é de 2,5 milhões de litros, quase nada. O aumento da exportação depende de uma ampla e longa campanha de promoção do produto que só um governo pode coordenar, para isso existe um Ministério de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comercio, onde uma Agencia de promoção de exportações, a APEX e uma Agencia de desenvolvimento industrial (ABDI), ambas peças de barganha politica, com baixa eficiência. Um dos últimos dirigentes da ABDI foi indicado do ex-Presidente da Câmara, Waldir Maranhão, o que já permite uma avaliação.
A existência do Ministério, da APEX e da ABDI significa um enorme desperdício de recursos porque tem bom orçamento, mas NÃO tem METAS, planejamento e direção qualificada e profissional. Funcionam como ninhos de aparelhamento politico embora, especialmente a APEX, tenham razão de existir. Todos os países tem organismo desse tipo, de verdade e não de ficção. O Brasil brinca de fazer de conta com esses modelos de papelão.
CHARUTOS
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de tabaco e o maior exportador. Nesse contexto é inexplicável que não seja uma potencia em exportação de charutos, o manufaturado mais nobre do tabaco e o que agrega mais valor e mais mão de obra ao tabaco bruto. E isso tudo tendo uma indústria de charutos das mais antigas do mundo, com 16 marcas e produção de 200 milhões de peças por ano, não tem presença nos mercados mais ativos como EUA e União Europeia, hoje dominados por marcas de Cuba, Republica Dominicana, Nicarágua, Honduras e até da Jamaica e uma produção local nos EUA. A liderança histórica de Cuba foi abalada com a chegada de Fidel Castro ao poder em 1960 e com a nacionalização das fábricas a produção foi desorganizada, permitindo o nascimento de novos bons competidores no Caribe, hoje grandes exportadores. Porque será que o Brasil não aproveitou esse ciclo?
Para quem fuma charutos brasileiros há 50 anos, como eu, é inexplicável. Na maior revista do ramo CIGAR AFICIONADO entre duzentos anúncios não se vê um único anúncio de charutos do Brasil. Isso não é uma tarefa apenas para fabricantes, quem deveria promover um setor inteiro á a APEX, que existe exatamente para apoiar a exportação de produtos brasileiros.
Como se explica que o País maior exportador de tabaco do mundo não tem presença na manufatura derivada do tabaco, como o charuto? Essa é uma indústria de alta empregabilidade em todo o mundo. O charuto é feito à mão, normalmente por mulheres, é ótimo gerador de renda em comunidades pobres, como acontece em todos os países charuteiros. Marcas centenárias, como Suerdieck, Danneman, Pimentel poderiam ser revigoradas, é preciso muito apoio governamental bem planejado e coordenado, isso exatamente no Estado brasileiro que tem maiores índices de desemprego, a Bahia.
Felizmente houve recentemente um acordo com a China, que irá importar nossos charutos, uma demanda da China em busca de charutos mais baratos do que os do Caribe.
ETANOL
Essa é uma derrapada impressionante do Brasil, pegando diversos governos. O Brasil INVENTOU o etanol combustível, uma das maiores contribuições para o alivio da poluição nas grandes cidades, inventou, mas não soube aproveitar para dominar o mundo com esse combustível. Hoje a produção está em torno de 26 bilhões de litros/ano, mas o Brasil está importando etanol de milho dos EUA, em escala crescente. O etanol de milho é menos eficiente no quesito poluição do que o de cana e a exportação dos EUA para o Brasil só é possível porque esse produto é altamente SUBSIDIADO pelo governo americano.
Quando o Brasil iniciou a produção de etanol em grande escala o prognóstico era que nosso Pais se tornaria GRANDE EXPORTADOR e abasteceria o mundo. Foi criada em Miami a Junta Interamericana de Etanol, por iniciativa do Governador da Flórida Jeb Bush, irmão do Presidente George Bush, sob a direção de meu amigo Brian Dean, participei dessa fase de criação da Junta. A ideia de Jeb Bush era fazer da Flórida porta de entrada do etanol brasileiro o que geraria empregos no Estado através da tancagem e distribuição.
Hoje, em vez de exportar para os EUA o Brasil está importando, algo inexplicável, embora no computo geral o Brasil também exporte em torno de 4 bilhões de litros, o que é pouco considerando o mercado mundial de etanol está crescendo 13% ao ano.
Ao mesmo tempo que importamos etanol de milho dos EUA, 78 usinas de açúcar e álcool estão paralisadas. Há alguma coisa muito errada nessa completa falta de politica, planejamento e sentido de metas em um setor onde o brasileiro é pioneiro e grande produtor há 400 anos. Como é possível mega investimentos em usinas estarem de portas fechadas?
O erro de concepção é claro. O setor sucro alcooleiro demanda LIDERANÇA DE GOVERNO e não é, repito, NÃO É um setor que deve ser deixado ao sabor do mercado, porque exige uma coordenação em nível de politica agrícola, industrial e de comércio exterior.
Por essa razão Estado Novo criou o Instituto do Açúcar e do Álcool para operar de forma coordenada o conjunto do setor. O IAA foi extinto no Governo Collor na onda de neoliberalismo de vitrine para mostrar como somos modernos. A prova?
Nos EUA a produção de etanol é coordenada pelo Departamento de Energia, exatamente como o Brasil sempre fez até ser extinto o IAA. Entramos na onda do livre mercado porque era moda, sem saber porque estávamos abolindo politicas de coordenação setorial eficientes.
Nos EUA o “Energy Independence and Security Act” de 2007 estipula uma meta de 36 bilhões de galões para 2022. Atualmente 204 usinas produzem 13 bilhões de galões, quase o dobro da produção brasileira. Todo o modelo americano é coordenado de cima, pelo Governo, que agora pressiona fortemente o Brasil para importar mais etanol de milho americano. Em 2002 pensava-se o contrário, que o Brasil iria pressionar os EUA para importar etanol de cana.
Aliás o agronegócio dos EUA tem muito mais proteção, apoio e subsídio do Estado do que acontece no Brasil. Garantia de preço mínimo, estocagem, crédito, subsidio, eles vendem a ideia do livre mercado para os trouxas que compram essas teses em cursos nos EUA, é a cartilha deles para exportação, lá dentro o Estado tem enorme controle da economia.
Uma usina de açúcar e álcool significa um enorme investimento industrial e define a arrecadação e o emprego em muitos municípios, não só pela usina como pela plantação de cana, que ela demanda em seu entorno. É inexplicável o fechamento de usinas nessa escala no Brasil, quase um quarto do setor está inativo, não tem lógica.
Com o enfraquecimento do capital nacional no setor sucro-alcooleiro, que emprega 4,5 milhões de pessoas e responde por 8% do PIB nacional, entra o capital estrangeiro, hoje já com 33% das usinas do setor, destacando o grupo Bunge com 7 usinas, Dreyfuss com 11, Tereos (França) com 7, o mega financista George Soros investiu 900 milhões de dólares em uma usina em Ivinhema, Mato Grosso do Sul, a gigante Cargill expandindo velozmente no setor.
Estima-se que 50% do setor estará em mãos estrangeiras até 2020, um setor que tradicionalmente era de empresas nacionais, sendo o Brasil pioneiro histórico setorial.
TURISMO
Uma das maiores indústrias do mundo, o Brasil teria enorme capacidade de aproveitar esse grande movimento econômico gerado pelo turismo mas nas estatísticas globais o Brasil tem um lugar modestíssimo, 6,6 milhões de visitantes em 2016 contra 12,7 milhões do México. Um pequeno país do Caribe, a Republica Dominicana, teve quase tantos visitantes quanto o Brasil, 5,6 milhões, enquanto a Indonésia teve o dobro do Brasil, 12 milhões, a Polônia o triplo, 17,6 milhões, a Tailândia 5 vezes mais, 32 milhões. Não estamos nem falando de países europeus ocidentais porque ai seria covardia, só a França recebe mais de 70 milhões.
A África do Sul teve mais turistas que o Brasil, 8,9 milhões enquanto o minúsculo Líbano, cujo tamanho e menos da metade do menor Estado brasileiro, Sergipe, teve mais turistas que o Brasil, 6,8 milhões.
O turismo é um setor econômico altamente gerador de empregos. O Brasil pelo seu tamanho e atrações históricas, ecológicas, de lazer, de eventos, deveria ter quatro ou cinco vezes mais turismo do que tem. Porque não tem?
Não há qualquer politica governamental digna desse nome para atrair turistas. O Ministério do Turismo é um aparelho burocrático para empregar indicados políticos, os Ministros de Turismo do Brasil raramente falam inglês, não tem nível internacional, as Embaixadas do Brasil não tem um setor de promoção de turismo ativo e propositivo, a EMBRATUR tenta fazer alguma coisa com pouquíssima verba, mas é tudo muito pouco pelo tamanho do Brasil.
Para promoção no exterior a EMBRATUR simplesmente não existe, seu material de propaganda é paupérrimo, não se vê anúncios do Brasil nas centenas de revistas de turismo pelo mundo, especialmente as americanas e inglesas, não há serviço de promoção turística do Brasil em grandes polos emissores de viajantes, compare-se com o México que promove seu turismo com profissionalismo há décadas. Hoje o Peru faz grande esforço promocional, os países europeus são campeões em profissionalismo no setor, mas hoje os países árabes estão vendo seu turismo crescer, Egito e Qatar recebem mais turistas que o Brasil.
A presidência da EMBRATUR deveria ser entregue, forçosamente, a especialistas com CULTURA global, fluentes em pelo menos duas línguas, não é o caso nas ultimas décadas, a empresa é usada exclusivamente para aparelhamento politico, assim como o Ministério do Turismo, que nem precisaria existir, basta a EMBRATUR dentro do guarda chuva do Ministério da Indústria e Comercio.
O Brasil já há muito tempo não se beneficia da onda de turismo global, não há interesse, consciência, planejamento, metas para esse setor, tudo se faz no improviso e os turistas que aqui vem são do tipo aventureiro, um sub-grupo de turistas que gostam do imprevisto, do ambiente amadorístico, do risco de uma aventura, um grupo bem pequeno de indivíduos, o grosso do mercado turístico é de classe média que viaja com planejamento e segurança, itens de viagem que o Brasil cuida pouco, atrações notórias como o Corcovado.
Instituto Butantã em SP, museus, parques NÃO tem banheiros limpos com letreiros em inglês, não tem sequer uma lanchonete decente e muito menos uma loja com material daquela atração, é tudo muito primitivo, primário, improvisado, não há turismo global assim.
Um programa fundamental é o treinamento de guias turísticos com padrão internacional, moços e moças que possam atender turistas com conhecimento básico da historia e da cultura do Pais, tarefa que deveria ser da EMBRATUR com escolas de formação em convenio com o SESC, os guias se apresentando sempre com o crachá da EMBRATUR, o que daria padrão e segurança aos turistas. São tarefas simples e que o Brasil tem como fazer.
Outra tarefa da EMBRATUR além de campanhas permanentes de publicidade no exterior é a criação de ROTEIROS básicos para turistas que nunca vieram ao Brasil, em folders bem feitos em inglês, francês e espanhol e a PADRONIZAÇÃO dos serviços de turismo receptivo hoje um mundo de improvisos e quebra galhos sem padrão internacional.
O que hoje mantém o turismo receptivo no Brasil é em grande parte o setor de feiras e eventos especialmente em São Paulo e o visitante de negócios. O que sobra para o turismo puro, de lazer é muito pouco, quase nada e a maior parte do que vem ao Brasil é de argentinos e chilenos e não de americanos e europeus.
O Brasil, um dos maiores e mais interessantes países do planeta e para todos os efeitos práticos ainda imune às grandes correntes turísticas mundiais. Se for feita uma avaliação do que fizeram o Ministério do Turismo e a EMBRATUR em décadas de existência, será quase nada. A liderança desse Ministério é fundamental para motivar o “trade” turístico, as Associações de Hotéis, as Cias.Aereas, a Confederação Nacional do Comércio e Turismo.
Sobre esta tive uma experiência, a agência que faz a propaganda turística do México tentou falar com a Confederação Nacional do Comercio e Turismo para apresentar uma campanha de propaganda para o turismo brasileiro. Era apenas uma apresentação sem compromisso, a agência investiu centenas de horas de trabalho e muito material nesse projeto imaginando que os brasileiros gostariam de ver essa apresentação de ideias. Tentaram marcar uma reunião com a cúpula da CNC. Não passaram da secretária que pelo telefone disse que a CNC não tinha interesse. Não tiveram melhor sorte com o Ministério do Turismo e nem com a EMBRATUR, esta pelo menos atendeu, mas disse que não tinha verba alguma para promoção internacional.
A agência era a maior do mundo especializada em turismo com décadas de experiência.
Seria normal pelo menos haver algum interesse em ver as ideias deles.
Esse é apenas um indicador do completo desinteresse do Governo e dos organismos paraestatais, como a Confederação Nacional do Comercio e Turismo em criar para o Brasil um papel relevante no fluxo turístico global. Não obstante todos continuam se lamentando pelas altas taxas de desemprego no Brasil, esquecendo que para França, Itália e Espanha o turismo é o maior gerador de empregos na economia, tratado com o maior respeito e atenção.
O Brasil tem nichos de atividades enormes mal aproveitados onde o mercado pode e deve operar, mas a liderança do Governo é essencial porque são setores que exigem coordenação de esforços de natureza publica e privada, é um conjunto de forças que os move.
O mesmo acontece com a cachaça, o charuto e o etanol, o mercado é parte do plano, mas a liderança deve ser de governo que em tese pode muito mais que uma firma isolada.
Vou citar um pequeno episódio que se passou comigo há décadas. Minha empresa precisava comprar uma prensa injetora de alumínio na Inglaterra, o fabricante era tradicional, uma firma de mais de 200 anos, Daniels Stroud, em Wolverhampton, perto de Birmingham.
Isso foi em 1975, muito antes da internet. Telefonei ao Consulado Geral inglês para pedir o endereço e telefone do fabricante. Dois dias depois chegou à fabrica um Vice-Cônsul inglês com um pacote de catálogos embaixo do braço. Veio para atender nossa solicitação e prestar assistência para uma compra na Inglaterra. Era coisa de 300 mil libras, nada grandioso.
O Consulado acompanhou toda a transação, marcou nossa visita à fabrica na Inglaterra, depois telefonaram várias vezes para saber como andava o negócio.
A compra foi realizada. Dai por diante, por cinco anos, fomos incluídos na lista social do Consulado inglês, quando havia um cocktail vinha o convite. O último convite que me lembro foi a recepção na visita de um primo da Rainha, Michael de Kent.
Tudo porque fomos considerados um cliente, embora modesto, da indústria inglesa.
É fundamental o apoio do governo à criação de empregos no setor privado, o mercado não faz tudo, como pensam alguns fanáticos da iniciativa privada que dão aulas nas faculdades.
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