Por Renato Flôr, jornalista, para o Blog Tire as Mãos do Meu “Pé Sujo” –
Tem coisas que só quem roda por ai encontra. Entre um boteco e outro, nas estradinhas do sul de Minas Gerais, nós, do moto clube Arcanjos, encontramos um alambique bicentenário numa fazenda que pertence a um sobrinho distante de Tiradentes. Há oito gerações se produz a cachaça artesanal Século XVIII. As instalações são basicamente as mesmas. O barracão de bagaços se mantém erguido com toras e coberto com telhas de barro. A base do moinho ainda é feita de pedras e tocado por uma roda d´água. A fornalha que aquece o alambique é alimentada pelo bagaço da cana e o líquido que pinga do alambique é resfriado por água corrente, desviada de um riacho próximo. Até a cana usada na produção é orgânica e a mesma de anos atrás.
Eles plantam feijão no meio do canavial a fim de enriquecer o solo para o cultivo da cana, sem necessitar de defensivos químicos, mantendo a cachaça o mais natural possível. O Alambique fica na cidade de Coronel Xavier Chaves. O tal coronel era bisneto da irmã de Tiradentes, Antônia Rita da Encarnação Xavier, a cidadezinha fica entre Tiradentes e São João Del Rei; Lá está o Engenho Boa Vista, que produz a cristalina cachaça Século XVIII e é considerado o mais antigo engenho em atividade no país.
Ao entrar no rústico barracão encontra-se, além de toda a parafernália de produção, um balcão de madeira mal iluminado, próximo a um fogão de lenha e um senhorzinho servindo cachaça em pequenos copos e falando sem parar. Do fogão saem linguiças cortadas em rodelas, que são consumidas entre um gole e outro da “marvada”.
Ele conta que o engenho foi construído em 1755 e, desde então, nunca parou de fazer o produto artesanal de boa qualidade. Quando questionado como envelhece o precioso líquido, o simpático senhor diz que sua cachaça não é envelhecida em barris de madeira, “minha cachaça é cristalina, não tem vergonha de ser cachaça”. O envelhecimento se dá nas próprias garrafas.
De tanto experimentar a danada, esquecemos de perguntar o nome do sábio velhinho, mas no meio de três ou quatro cachorros que ali vivem, circulam os visitantes e também o Luiz Fernando, herdeiro da fazenda, ou simplesmente Nando e seus dois filhos. Muito simpático nos contou que para beber cachaça é preciso respeitar algumas regras:
1 – Beber apenas em momentos de alegria;
2 – Beber apenas acompanhado de amigos;
E ainda conta, que visitado por um hepatologista cachaceiro, aprendeu que o fígado tem limites e ensina uma fórmula para beber com saúde. Deve-se observar a densidade do álcool que é de 0,8kg/m³, multiplicá-la pelo teor alcoólico (% Gay Lussac) e depois pelo volume (ml) consumido. Para um consumo saudável o resultado da conta deve ser menor que 20, caso o cálculo refira-se há um dia ou menor de 100 se aplicado ao consumo semanal. Vale lembrar que o volume é cumulativo.
A cachaça realmente é diferenciada, não sei se bebida fora daquele contexto será tão saborosa, mas o fato é que a situação transporta quem está por ali para um distante passado onde não era pecado beber cachaça nem comer linguiça usando as próprias mãos.