Calar sobre ataques a Manuela, Marília e mulheres negras é ser conivente

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Por Maria Carolina Trevisan, do Universa, compartilhado do Portal Geledes – 

O machismo é um forte componente nas práticas de disseminação de ódio e de desinformação. Essas estratégias, com recorrência, apelam para a condição de mulher, como se fosse uma fraqueza ser mulher e, portanto, um alvo mais fácil de constranger e desmobilizar. Isso só ganha força em uma sociedade que se escora no machismo e na misoginia, no racismo e na homofobia.

Foi assim com Manuela, com Marília Arraes (PT) em Recife, com o ex-deputado federal pelo PSOL Jean Wyllys, com as vereadoras e candidatas negras que sofreram ameaças de morte, como Ana Lúcia Martins (PT) em Joinville (SC) e Sônia Cleide em Goiânia (GO) e, também, a prefeita eleita de Bauru, Suéllen Rosim (Patriotas) e com a premiada jornalista Patrícia Campos Mello, que denunciou o esquema de envio de fake news em massa na eleição presidencial de 2018. “Me vi alçada a símbolo da luta pela liberdade de expressão e pelos direitos das mulheres”, conta Patrícia em seu livro “A máquina do ódio – notas de uma repórter sobre fake news e violência digital” (Companhia das Letras).




A estratégia de distribuir o ódio utilizando notícias falsas — vencedora em 2018 e principal ferramenta que moveu a campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) —, foi claramente desmobilizada este ano. Isso aconteceu em parte por conta da mudança de atitude das empresas que gerenciam as redes sociais, outro tanto por causa do enfraquecimento do bolsonarismo e de suas estratégias e também porque o eleitorado aprendeu a lidar com esse tipo de manipulação.

Mesmo assim, as agressões contra Manuela foram, além de violentas, volumosas. No início de novembro, a Justiça Eleitoral mandou Facebook, Twitter e Instagram retirarem mais de meio milhão de postagens falsas sobre a candidata do PCdoB.

Cinco dias antes do segundo turno, o TRE-RS derrubou mais de 70 mil compartilhamentos de notícias falsas contra Manuela. Manuela estava calejada. A distribuição de desinformação, ameaças e difamação nas eleições presidenciais, quando foi vice na chapa com Fernando Haddad (PT). Ela transformou a experiência e o contato com esse ódio do submundo das redes em um livro chamado “E se fosse você? Sobrevivendo às redes de ódio e fake news”. É sua terceira obra. Ela também escreveu “Revolução Laura”, sobre fazer campanha com a filha bebê, e “Por que lutamos? Um livro sobre amor e liberdade”, que trata do feminismo.

Essas postagens ganham impulso quando, por exemplo, outro candidato se comporta como Rodrigo Maroni (PROS), que fez insultos chamando a jornalista e candidata de “patricinha mimada, poderia estar comprando bolsa no shopping”. E chegou a fazer ameaças: “Se eu fosse abrir a boca, eu não acabaria com a carreira, mas com tua vida, Manuela”, disse o candidato. “Eu queria só reafirmar, não contei 5% da Manuela. Só não conto mais em consideração a tua filha.”

Jogo baixíssimo, inaceitável, forjado no machismo que faz com que pessoas como ele se sintam livres para cometer esse tipo de abuso.

O eleitorado não quer mais esse embate sujo. Maroni terminou a disputa no primeiro turno em nona posição, com 0,31% (3.314 dos votos válidos). Manuela terminou o primeiro turno com 29% dos votos válidos (187.262) e com 45,37% no segundo turno, totalizando 307.745 votos válidos em seu favor.

A abstenção em Porto Alegre foi tão alta que supera os votos em Manuela: 32,76% dos eleitores não compareceram às urnas, um total de 354.692 votos não contabilizados. Ao somar brancos, nulos e abstenções, o total ganha inclusive do vencedor Sebastião Melo, que obteve 54,63% dos votos válidos (370.550).

Melo foi certamente menos agressivo contra Manuela que o candidato do PROS, apesar das acusações mútuas nos últimos dias de campanha. Teria sido interessante, no entanto, ter visto candidatos homens se posicionarem em relação aos ataques covardes que ela sofreu. Disso se trata a defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres.

A representatividade feminina continua baixa no país. Apenas Palmas (TO) elegeu uma mulher entre as capitais, a atual prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB). No segundo turno, disputavam 20 cidades, mas foram eleitas em apenas sete. Ainda assim, houve avanço nas Câmaras Municipais e isso é muito importante.

“Quero que, nas próximas eleições, mais mulheres estejam nesses espaços. Quero que essa minha postura mais firme, mais forte, que por vezes foi chamada pelo meu adversário de arrogância, inspire outras mulheres. Não se tem o costume de que mulheres tenham posições mais fortes, firmes. E que isso inspire as mulheres que estão no dia a dia sofrendo diversas violências”, disse Marília Arraes na coletiva após a derrota em Recife.

Porto Alegre nunca elegeu uma mulher para gerir a cidade. Em seu discurso em que reconhece a vitória de seu oponente, Manuela disse: “Viva Porto Alegre, viva as mulheres e os homens que lutam para a nossa cidade ser uma cidade mais justa. Vale a pena, vale muito a pena chegar em casa e seguir acreditando que a verdade é o que liberta. Quero agradecer em público, também, à minha família, porque não é fácil fazer as escolhas que nós fazemos no Brasil de hoje, mas fica muito melhor com eles do lado. Boa sorte ao nosso adversário. Cuide de Porto Alegre, porque Porto Alegre merece ter homens e mulheres que vivam com mais dignidade.”

Um país que assiste calado ao ataque misógino contra uma mulher em campanha eleitoral, que permite, sem frear, a violência e a manipulação política atua contra a democracia. Divergência política e debate são elementos da disputa saudável. A violência é inaceitável, não importa onde a pessoa se situe no espectro político.

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