Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora –
Relatório aponta que mudança climática também provocou transmissão mais fácil de doenças infecciosas, safras menores e maior exposição a incêndios
O calor extremo causou a morte de quase 300 mil pessoas com mais de 65 anos em 2018 – um aumento de 54% em duas décadas, de acordo com o relatório Lancet Countdown, publicação sobre as ligações entre saúde e clima produzida pela The Lancet, principal revista científica médica do mundo. A maioria das mortes ocorreu no Japão, leste da China, norte da Índia e Europa central. O estudo – realizado por 120 pesquisadores de 35 instituições acadêmicas e agências da ONU – aponta, além do aumento do número de mortes por ondas de calor em todas as faixas etárias, a transmissão mais fácil de doenças infecciosas como dengue ou malária, safras menores, mais gente exposta a incêndios florestais, mais horas de trabalho perdidas devido às temperaturas.
O estudo frisa também que a exposição a incêndios provoca danos ao coração e ao pulmão devido à fumaça, além de queimaduras e deslocamentos de comunidades. Os pesquisadores lembram que, no Brasil em 2019, devido às queimadas na Amazônia, o número de dias em que a população esteve exposta a um risco de incêndio de muito alto a extremo aumentou em 28% em relação ao ano 2000. “Choques induzidos pelo clima estão ceifando vidas, prejudicando a saúde e interrompendo os meios de subsistência em todas as partes do mundo agora”, afirma, na apresentação do trabalho, Ian Hamilton, diretor executivo do quinto relatório anual da Lancet Countdown on Health and Climate Change.
Os pesquisadores destacam ainda que as temperaturas mais altas também estão tornando impossível para as pessoas trabalharem ao ar livre em lugares como Índia e Indonésia: foram 302 bilhões de horas de trabalho perdidas no mundo inteiro em 2019, ante 199 bilhões em 2000. O relatório aponta ainda que houve um aumento das horas de trabalho perdidas devido ao calor extremo na América Latina; no Brasil, foram mais de 4 bilhões de horas perdidas em 2019 – as perdas médias nos últimos quatro anos são 36% maiores do que no início da década de 90.
O estudo também aponta para uma redução no rendimento das colheitas: “Esperam-se consequências graves para as populações com insegurança alimentar”, aponta o relatório. Um dos indicadores mais claros é a diminuição do tempo de crescimento das lavouras. “Isso significa que as safras amadurecem muito rápido, o que leva a rendimentos menores”, explicam os pesquisadores.
Eles listam exemplos de impactos na saúde relacionados ao clima que já são evidentes em todos os continentes. Os pesquisadores citam o vírus da dengue se espalhando pelo Brasil e toda a América do Sul, problemas cardíacos e pulmonares de ondas de calor e incêndios florestais recordes na Austrália, América do Norte e Europa Ocidental, e problemas de nutrição e saúde mental causados por enchentes e secas na China, Bangladesh, Etiópia e África do Sul.
O Lancet Countdown alerta que os desastres causados pela mudança climática aumentaram as pressões sobre as pessoas e os sistemas de saúde já estressados pela pandemia de covid-19. “Nenhum país está imune aos impactos das mudanças climáticas. Nenhum país está imune à pandemia do coronavírus”, alertam os pesquisadores, destacando, entretanto, que “tanto a mudança climática quanto a covid-19 exacerbam as desigualdades existentes dentro dos países e entre os países”.
Os autores do estudo também destacam que, caso sejam tomadas medidas urgentes para enfrentar a mudança climática, com ações para cumprir os compromissos de limitar os aumentos de temperatura global a bem abaixo de 2ºC, será possível minimizar esses choques e obter benefícios econômicos e de saúde. Ao mesmo tempo, estas iniciativas poderiam reduzir o risco de futuras pandemias, porque as mudanças climáticas também fazem crescer o risco de novas pandemias zoonóticas (doenças infecciosas causadas por microorganismos que saltam de animais para humanos).
Os pesquisadores defendem a necessidade de garantir uma recuperação verde da covid-19, o que levaria a um ar mais limpo, dietas mais saudáveis e cidades mais habitáveis. O documento cita que, na Europa, passos ainda modestos para promover setores de energia e transporte mais limpos fizeram as mortes por poluição atmosférica cair de 62 por 100 mil em 2015 para 59 por 100 mil em 2018.
Como a produção de alimentos é a responsável por um quarto das emissões mundiais de gases de efeito estufa, o relatório sugere que existe oportunidade semelhante para tratar parte das 9 milhões de mortes anuais ligadas à má alimentação. Como a pecuária intensiva tem participação significativa nas emissões, o Lancet Countdown também examinou as mortes causadas pelo excesso de consumo de carne vermelha e constatou que a mortalidade aumentou 70% nos últimos 30 anos. Os pesquisadores concluem que uma dieta com menos carne bovina traria benefícios diretos à população e também indiretos, pela diminuição das emissões.
Na foto: Idosos enfrentam calor nas ruas da cidade indiana de Siliguri no verão de 2020: 300 mil mortes causadas pelas altas temperaturas em 2018 (Foto: Diptendu Dutta/AFP)