Deputados garantem emendas derrubadas pelo Senado que flexibilizam regras e favorecem o desmatamento no bioma
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Projeção em São Paulo defende Mata Atlântica: Câmara aprova medida que facilita desmatamento no bioma (Foto: Fundação SOS Mata Atlântica)
Às vésperas da celebração do Dia Nacional da Mata Atlântica (27/05), a Câmara dos Deputados rejeitou as mudanças aprovadas pelo Senado na Medida Provisória editada para mudar o prazo fixado para a adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) e aprovou, na noite desta quarta-feira (24/05) as emendas que flexibilizam a Lei da Mata Atlântica.
O texto aprovado altera a Lei da Mata Atlântica (Lei 11.428/06) para permitir o desmatamento quando da implantação de linhas de transmissão de energia elétrica, de gasoduto ou de sistemas de abastecimento público de água sem necessidade de estudo prévio de impacto ambiental (EIA) ou compensação de qualquer natureza. Será dispensada ainda a captura, coleta e transporte de animais silvestres, garantida apenas sua afugentação.
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Os deputados também acabaram com a necessidade de parecer técnico de órgão ambiental estadual para desmatamento de vegetação no estágio médio de regeneração em área urbana, previsto na Lei da Mata Atlântica, permitindo que a a supressão da vegetação será feita “exclusivamente” por decisão do órgão municipal, e acabaram com a exigência de medidas compensatórias para a supressão de vegetação fora das áreas de preservação permanente, em caso de construção de empreendimentos
A Fundação SOS Mata Atlântica reagiu através de sua conta no Twitter. “A Câmara dos Deputados desconsiderou a votação do Senado que impugnou matérias alheias e inconstitucionais à MP 1150 que alteram a Lei da Mata Atlântica. Os chamados jabutis foram recolocados no texto pelos deputados, colocando novamente nossas florestas, nossa água, nossas vidas em risco”, afirmou a entidade, apelando ao presidente Lula para que vete as mudanças. “#VetaLula, não permita que rasguem a Lei da Mata Atlântica que você sancionou!”.
Em nota, o Observatório do Clima, rede que reúne diversas organizações da sociedade civil, também afirma que o texto enfraquece a proteção à Mata Atlântica, “como sonhara Ricardo Salles”, ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro. “Os jabutis, retirados no Senado, voltaram à medida provisória. Só resta a Lula vetá-los”, afirma a entidade. Ainda na noite desta quarta, ambientalistas protestaram contra a medida aprovada com projeções em edifícios de São Paulo.
Desmatamento diminui mas continua alto
Entre os meses de outubro de 2021 e de 2022, a Fundação SOS Mata Atlântica e o INPE observaram o desflorestamento de 20.075 hectares (ha) do bioma, o correspondente a mais de 20 mil campos de futebol de futebol em um ano ou um Parque Ibirapuera (SP) desmatados a cada três dias. De acordo com o Atlas da Mata Atlântica, estudo realizado desde 1989 pela Fundação SOS Mata Atlântica em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e apoio técnico da Arcplan, o desmatamento teve como resultado o lançamento de 9,6 milhões de toneladas de CO2 equivalente na atmosfera.
Embora esse número represente uma redução de 7% em relação ao detectado em 2020-2021 (21.642 hectares), a área desmatada é a segunda maior dos últimos 6 anos e está 76% acima do valor mais baixo já registrado na série histórica – de 11.399 hectares, entre 2017 e 2018. “Temos um quadro de desmatamento estável, porém inaceitável para um bioma fortemente ameaçado e fundamental para garantir serviços ecossistêmicos, entre eles a conservação da água, e evitar grandes tragédias, como a que tivemos recentemente no litoral norte de São Paulo”, destaca Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica e coordenador do Atlas, em comunicado. O bioma é lar de quase 70% da população e responde por cerca de 80% da economia do Brasil, além de produzir 50% dos alimentos consumidos no país. “Se por um momento pareceu que havíamos virado o jogo, agora o desmatamento está novamente vencendo. E o mundo inteiro sai perdendo”, acrescenta.
A situação vai na contramão de estudos internacionais que, tendo em vista sua contribuição para a conservação da biodiversidade e a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, apontam a Mata Atlântica como um dos biomas mais importantes para o futuro do planeta. “A esta altura o desmatamento já precisava ter sido abolido e as ações de reflorestamento deveriam ser uma prioridade em todos os estados. A realidade, infelizmente, é muito diferente”, lamenta o diretor.
Os dados de desmatamento inventariados e publicados são essenciais para que os municípios, inseridos nos limites da Lei da Mata Atlântica, possam organizar estratégias para conscientizar a população e políticas para o monitoramento da vegetação natural. “Ainda que menos intenso que no período anterior, o desmatamento persiste na Mata Atlântica. Esperamos que a sociedade utilize as informações apresentadas no mapeamento para valorizar as áreas de vegetação natural de seus municípios, e ao mesmo tempo, solicitar medidas para eliminar o desmatamento”, enfatiza Silvana Amaral, pesquisadora e coordenadora técnica pelo INPE.