ONG Pará Solidário, que atende 1300 pessoas em estado com 80% da população em insegurança alimentar, sofre com queda nas doações
Por João Paulo Guimarães. compartilhado de Projeto Colabora
Na fotro: Crianças e idosos na fila para receber quentinhas em Belém: campanha de apadrinhamento da ONG Pará Solidário atende 260 meninos e meninas (Foto: João Paulo Guimarães)
No fim de 2019, uma criança desmaiou de fome na fila de distribuição de comida da ONG Pará Solidário no Aurá, bairro vizinho a Belém, mas já no território de Ananindeua, cidade da Região Metropolitana da capital paraense. Atendida, a criança contou estar se alimentando basicamente de salsichas encontradas no lixo. Idosos e crianças já eram prioridade no “sopão do Aurá”, iniciativa inicial da organização no ano anterior, mas o impacto do caso fez com o Pará Solidário criasse uma campanha de apadrinhamento para cuidar de meninas e meninos em situação de vulnerabilidade.
Pouco mais de três anos e uma pandemia depois, são 260 as crianças da Região Metropolitana de Belém atendidas pelo projeto Apadrinhamento Solidário, em que voluntários doam cestas básicas mensais – de R$ 100 a R$ 300. “No começo, eram apenas nove madrinhas. Agora são quase 300 pessoas que contribuem e garantem essas cestas básicas”, lembra a presidente da ONG, Sofia Paz, explicando que as equipes de voluntários do Pará Solidário cuidam da distribuição dos alimentos e também acompanham as famílias para saber se as crianças estão frequentando a escola e com carteira de vacinação em dia.
Desempregado há muito anos e fazendo apenas pequenos serviços, Cláudio Martins conta que são as cestas do Apadrinhamento Solidário que garantem a alimentação de suas três filhas. “Eu tive que deixar de ser pai pra aprender a ser mãe”, conta o desempregado que mora numa quitinete no bairro (?) na periferia de Belém, que tem como móveis apenas mesa, cadeiras, um ventilador e uma velha geladeira.
As meninas Michelle, de 7 anos, Mônica, de 10, e Débora, de 12, dormem no colchão; o pai fica com o colchonete no chão. “Pode faltar tudo para mim, mas, para elas, não”, afirma Cláudio. Mas a garantia de alimento diário só veio com o projeto Apadrinhamento Solidário, que aliviou a rotina da família. “A mãe me deu a guarda delas. Terminamos de forma amigável e hoje ela tem outra família. Eu fico triste por elas porque elas gostam da mãe, mas não recebem o mesmo carinho de volta. Se falam muito pouco por telefone. A mãe delas também passa por dificuldades”, conta o desempregado.
Dificuldades ainda maiores enfrenta Renata Oliveira, de 39 anos, que mora no bairro Jurunas, com oito de seus 10 filhos em um espaço de 4 metros por três e meio. “A gente vive aqui das doações do Pará Solidário que ajuda com cestas básicas, quentinhas, roupas e material escolar pra eles”, conta. No espaço apertado, há apenas duas camas para todos. O andar de baixo é a entrada do cubículo e serve como banheiro também. Não há cômodos ou cozinha.
Ela conta que perdeu um filho, quando ele tinha seis anos. O garoto morreu afogado enquanto o pai bebia e se drogava na beira do rio. Diz que nunca mais conseguiu um emprego: seu maior medo é ficar longe dos filhos. “Eu nunca deixo faltar comida pra eles. Pode faltar pra mim”, garante Renata.
A gente precisa da ajuda do Pará Solidário numa hora dessas que falta tudo. Uma cesta dessas dura umas duas semanas. É o tempo para a gente ver como vai fazer pra comer quando acabar
Marina MouraCatadora
De acordo com o II Inquérito de Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 (II VIGISAN), realizado entre janeiro e abril de 2022, pela Rede Pensann, quase 80% da população do Pará sofre com algum tipo de insegurança alimentar; 30% vive com fome (ou segurança alimentar grave): são 2,6 milhões de pessoas no estado. E 22,4% dos moradores do Pará enfrentam insegurança alimentar moderada – definida por redução quantitativa de alimentos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante de falta de alimentos. E 25,8% sofrem de insegurança alimentar leve – quando há reocupação ou incerteza em relação ao acesso aos alimentos no futuro ou qualidade inadequada dos alimentos.
Foi essa situação de fome e miséria que levou o Pará Solidário a começar o “Sopão do Aurá”, na verdade, a distribuição de quentinhas para os pobres da região. Em 2020, a ONG abriu outra frente de entrega de quentinhas, no bairro de Jurunas, um dos mais populosos (e carentes) de Belém. “A gente vem aqui todos os dias”, conta a aposentada Raimunda Craveiro, 87 anos.
Dona Raimunda já cuidou de seus filhos, cuidou dos filhos dos filhos, perdeu uma filha para o HIV e hoje cuida dos seus bisnetos. A idosa e as crianças frequentam a fila do “Almoço de Jurunas”, como é chamada a distribuição de quentinhas do Pará Solidário, em Belém. Todos os dias, de segunda a sexta, a ONG distribui 80 quentinhas em cada um dos postos: os insumos são financiados por padrinhos e as refeições preparadas por um restaurante parceiro.
Além da entregar regular das refeições e da comida distribuída às famílias do Apadrinhamento Solidário, a organização também realiza campanhas para arrecadação de cestas básicas em situações de emergência. Foi assim em janeiro quando um incêndio atingiu o Lixão do Aurá – fonte de renda de dezenas de catadores de recicláveis que, na maioria, moram naquela região de Ananindeua. Pelo menos duas mil pessoas ficaram desamparada e sem poder trabalhar quando a fumaça tóxica invadiu as casas nas áreas mais pobres do bairro e próximas do lixão.
Enquanto o poder pública seguia inerte, o Pará Solidário conseguiu mobilizar parte da população de Belém e Ananindeua para ajudar os catadores durante as semanas em que foi impossível chegar perto do lixão. “A gente precisa da ajuda do Pará Solidário numa hora dessas que falta tudo. Uma cesta dessas dura umas duas semanas. É o tempo para a gente ver como vai fazer pra comer quando acabar”, contou, na ocasião, a catadora Marina Moura, de 58 anos. A ONG distribuiu cestas básicas e também máscaras, roupas e remédios, além de mobilizar profissionais da saúde que atenderam trabalhadores com problemas respiratórios.
Doações em baixa
Hoje, entretanto, são muitos os problemas que cercam a ONG iniciada com uma simples entrega de sopa para famintos e hoje tem projetos nas áreas de saúde, de educação e até de moradia para famílias em situação de rua. “Em 2022, tivemos um déficit de doações por cinco meses. Felizmente, algumas campanhas arrecadaram mais que suas metas e acabavam servindo para pagar os projetos que estavam em risco de serem extintos”, conta a presidente do Pará Solidário, Sofia Paz.
Nos postos da ONG em Jurunas e Aurá, também há atendimento médico, através de parcerias com profissionais de oftalmologia, pediatria, ginecologia, dermatologia e clínica geral. Havia também um serviço odontológico para extrair, restaurar e limpar os dentes, que acabou extinto por falta de verbas. “O projeto de atendimento odontológico acabou por falta de recursos; não havia expectativa de receber alguma sobra de outros projetos porque todos também sofreram com diminuição de apoio”, lamenta a dirigente da ONG.
O Pará Solidário, entretanto, conseguiu manter seu projeto Educacional, considerado um marco na história da ONG. As crianças das famílias atendidas no entorno do Lixão do Aurá tinham muitas dificuldade na escola: foram criadas turmas de reforço para ajudar no aprendizado que, já em 2021, atenderam 22 crianças. “Em 2022, colocamos 10 crianças na escola particular, com apoio de padrinhos, 30 crianças na escolinha de reforço e 10 adultos na escola para iniciação de letramento. Ao final de 2022 formamos 100% de crianças. Dois adultos, após a formação, iniciaram o EJA (Educação de Jovens e Adultos)”, conta Sofia Paz, calculando que a ONG atenda cerca de 1.300 famílias no total.
Outro projeto do Pará Solidário é o da construção de casas próprias. Impulsionado por parcerias com empresas de engenharia, a ONG já construiu com seus padrinhos mais de 35 casas de alvenaria na periferia. Agora em 2023 a meta é construir 3 casas por mês. “Para manter os projetos, precisamos de parcerias e da mobilização da sociedade”, afirma a presidente do Pará Solidário.