Sociedade não foi declarada à Receita nem ao TSE; prática pode configurar infração eleitoral, apontam especialistas
Por Diego Feijó de Abreu, compartilhado de A Pública
O candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) afirmou ser sócio de Nahuel Gomez Medina em diversos vídeos postados neste ano – informação que também consta no site de Medina que vende cursos de produção audiovisual. O problema: Marçal não declarou oficialmente essa sociedade. A participação de Marçal na empresa de Medina não consta nem no registro junto à Receita Federal nem na declaração de patrimônio na Justiça Eleitoral.
Segundo a regra eleitoral, ser sócio oculto em empresas pode configurar falsidade ideológica eleitoral.
De acordo com apuração da Agência Pública, a campanha de Marçal a prefeito pagou R$ 230 mil a Medina para produzir vídeos. Extratos da Justiça Eleitoral mostram que os pagamentos foram feitos neste mês para Medina Maker, nome fantasia da empresa. Medina é o único sócio que consta no registro da produtora cinematográfica, localizada em Confresa, cidade de 35 mil habitantes no nordeste do Mato Grosso.
Segundo o advogado Fernando Tozi, o caso merece um olhar especial da Justiça Eleitoral. “Se ele [Marçal] é sócio oculto da empresa [de Medina], temos uma séria dúvida se estamos tratando de contratação do próprio candidato para a campanha. Sendo sócio ou não, dependendo de como tudo isso for feito, principalmente de como esta pessoa jurídica apoia ele, podemos estar diante de uma proibição expressa: o financiamento de campanha por pessoa jurídica ou um abuso de poder econômico”, explica.
Para o especialista em direito público e privado Tauat Resende, a omissão de informações sobre a propriedade ou sociedade em empresas, especialmente por candidatos, pode ser interpretada como falsidade ideológica eleitoral, conforme o Código Eleitoral (Lei 4.737/65, no artigo 350). “Esta legislação exige que todos os candidatos declarem seus bens e participações empresariais para garantir transparência. Se for comprovado que Marçal é sócio oculto em uma empresa e não declarar isso à Justiça Eleitoral, ele poderá estar violando a legislação eleitoral, podendo ser investigado pelo Ministério Público Eleitoral e enfrentar sanções, como impugnação de candidatura ou do mandato, caso seja eleito”, afirma.
“Além de violar a proibição de doações empresariais, essa prática pode ser vista como fraude ou lavagem de dinheiro, resultando em sérias sanções eleitorais e penais se comprovada a intenção de burlar as regras de financiamento”, acrescenta.
A reportagem procurou a assessoria de Marçal e as empresas Medina Maker e Marshall Filmes, que não responderam até a publicação.
Por que isso importa?
- A empresa de Medina é hoje o segundo maior gasto da campanha de Marçal.
- Apesar de dizer em diversas ocasiões que é sócio de Medina, Marçal não consta no registro da produtora. É obrigatório que candidatos declarem participação em empresas.
“Nós viramos sócios, eu e esse cara”, diz Marçal
As relações entre Marçal e Medina estão evidentes no site da Marshall Filmes, que desde março vende um curso audiovisual para produtores de conteúdo. Logo na abertura da página há uma foto do candidato ao lado do empresário. Quem dá os cursos é Medina. São aulas que vão de operação de drones à criação de conteúdos com o celular. Vídeos mostram que Marçal aparecia ao final dos cursos para avaliar os materiais produzidos pelos alunos.
A página foi registrada no nome de Medina com um e-mail ligado à Medina Maker. No link que direciona para a “Marshall Films Experience”, uma experiência para passar o dia com o Marçal vendida por R$ 28 mil, há o CNPJ da empresa Medina Maker.
O site apresenta Medina como sócio de Marçal. “Hoje, Medina abandonou todos os seus empreendimentos para se tornar sócio de Pablo Marçal na Marshall Filmes, com o objetivo de atender clientes de alto nível, e criar um braço educacional, capacitado para formar uma nova leva de cineastas pelo Brasil”, diz o texto.
A página vende o curso por R$ 3.564 em 12 parcelas. A compra direciona para uma plataforma online de pagamentos que foi fundada pelo próprio Marçal, a XGROW (Marçal teve participação na XGROW até julho de 2022 através da sua empresa Marçal Participações Ltda.). O curso da Marshall, atualmente com as vendas encerradas, deixa a seguinte mensagem: “para dúvidas com sua compra fale com comercial@medinamaker.com.br”.
Em outro vídeo, postado no TikTok da Medina Maker em maio deste ano, Marçal afirma: “Nós viramos sócios, eu e esse cara [Medina]. Nós criamos uma empresa de filmes chamada Marshall Filmes. Ele que deu o nome, não fui eu que pediu isso. Ou seja, ele é um artista”, diz.
O relacionamento entre os dois fica ainda mais claro em um vídeo filmado dentro de um jatinho, postado também em maio, no qual eles fazem propaganda da empresa e, novamente, declaram ser sócios. Nesse vídeo, eles discutem a necessidade de contratar mais videomakers.
A produtora de Medina também postou vídeos de Marçal em um jet ski em meio às enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul neste ano. O político foi ao estado, segundo ele, várias vezes, para auxiliar as vítimas do desastre. No mesmo mês, a Advocacia-Geral da União (AGU) ingressou com ação judicial com pedido de direito de resposta em face de Marçal. A ação foi motivada por vídeos na qual o político afirmava que as Forças Armadas brasileiras estariam inertes diante da calamidade.
Há um vídeo de Marçal no TikToK, de março, no qual ele já fazia propaganda da Marshall Filmes. O vídeo não está mais disponível devido às restrições da Justiça Eleitoral. Em agosto, a Justiça suspendeu perfis de Marçal em redes sociais por abuso de poder econômico. A decisão entendeu que haveria pagamentos para editar e publicar cortes de vídeos do candidato. A Pública mostrou em agosto como cortes de vídeos de Marçal que violavam a lei eleitoral já haviam sido vistos mais de 825 milhões de vezes no YouTube e TikTok.
Em janeiro deste ano, o canal de YouTube da Medina Maker, com 2,2 mil pessoas inscritas, publicou um vídeo de Marçal. O “Chamado dos Generais” é uma gravação de uma palestra de Marçal no ginásio da Portuguesa, em São Paulo. O clipe é uma propaganda da assinatura “vitalícia” de conteúdos do guru. O candidato a prefeito tem um livro com esse nome.
Edição: Bruno Fonseca, Giovana Girardi