Sem oxigênio, estado depende da ajuda de estados vizinhos; Mato Grosso anunciou que pode receber 120 pacientes de Manaus
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)
A medida foi tomada pelo governo de Wilson Lima (PSC) e divulgada ao longo do dia, com diferentes informações desencontradas. Havia a informação inicial, dada pelo governo do Piauí, um dos estados a receber os pacientes, de que a primeira transferência ocorreria às 13 horas (hora local). Já no fim da tarde, o governo do Amazonas informou que a transferência ainda iria ocorrer.
Inicialmente, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) do Amazonas, disse que os 235 pacientes com estado clínico considerado moderado seriam transferidos em aeronaves para hospitais de Maranhão, Goiás, Piauí, Distrito Federal e Rio Grande do Norte. Em nota divulgada posteriormente, o governo do Amazonas afirmou que, ainda nesta quinta, seriam transferidos 90 pacientes, mas apenas para os estados do Maranhão, Piauí e Distrito Federal.
No final da noite desta quinta-feira tudo mudou. Os voos marcados para ocorrer hoje foram adiados para esta sexta-feira (15).
Um dos destinos dos pacientes seria Teresina, capital do Piauí. Em nota, a Fundação Municipal de Saúde (FMS) disse que, por volta de 22h39 (hora da capital do Piauí), recebeu a informação do Ministério da Saúde de que o avião da Força Aérea Brasileira (FAB) não iria decolar hoje (14) de Manaus com pacientes com Covid-19 para ser internados em Teresina. Segundo a nota, “o avião não realizou voo por falta de oxigênio suficiente para a remoção dos pacientes com segurança”. Segundo a FSM, a previsão do Ministério da Saúde é de realizar a transferência dos pacientes na manhã desta sexta-feira.
Procurada, a assessoria de comunicação do governo do Amazonas confirmou o adiamento dos voos, mas não deu mais informações detalhadas, até o momento.
Antes do cancelamento, ainda na parte da tarde, a Secretaria de Saúde de Goiás informou que teve requisitado, pelo Ministério da Saúde, a disponibilização de 120 vagas em sua rede hospitalar. De acordo com a assessoria, os primeiros pacientes chegariam nesta sexta-feira, 15 de janeiro. Mas, segundo o governo de Goiás, ainda não haviam chegado informações adicionais. “O governo de Goiás segue à disposição e aguarda mais detalhes do MS e SES-AM sobre a lista de pacientes, estado clínico e horário da chegada”, diz a nota. A reportagem também procurou o Ministério da Saúde, mas não obteve respostas.
Embora não esteja citado, o Espírito Santo “está disponibilizando 30 vagas de UTI-COVID para atender pacientes do Amazonas”, anunciou o governador Renato Casagrande em seu Twitter. “Temos condições de recebê-los a partir desta madrugada. O momento exige solidariedade e união dos Estados em prol das vidas humanas.” O governo do Amazonas não confirmou se enviará pacientes para o Espírito Santo.
A transferência acontecerá em parceria entre os governos amazonense e federal, por meio do Ministério da Saúde. O transporte será feito em aeronaves da FAB.
Em nota enviada à Amazônia Real , a assessoria de imprensa da FAB disse que “a Força Aérea Brasileira tem previsão de iniciar, nesta sexta-feira (15), o transporte de pacientes, acompanhados de equipes de saúde, de Manaus (AM) para outros estados do País”.
“Duas aeronaves C-99 do Primeiro Esquadrão do Segundo Grupo de Transporte (1º/2º GT) – Esquadrão Condor, acionadas pelo Comando de Operações Aeroespaciais (COMAE), cumprem as missões que têm como objetivo minimizar os impactos no sistema de saúde da capital amazonense”, informa a nota.
Toque de recolher durante a noite e madrugada
Unidade Básica de Saúde Nilton Lins, na zona centro sul de Manaus
(Foto: Raphael Alves/Amazônia Real)
Em meio a uma crise humanitária sem precedentes em Manaus desde o início da pandemia, o governo do Amazonas adotou um “toque de recolher” por 10 dias nos 62 municípios entre 19 e 6 horas. “São medidas que para alguns podem parecer duras, mas necessárias visando acima de tudo a proteção da vida das pessoas”, disse Wilson Lima.
Em dezembro, Lima cedeu à pressão de empresários de Manaus que queriam reabrir o comércio da cidade, mesmo com avisos e alertas de especialistas para os riscos da crise da covid-19 se agravar. O governo também havia recusado a decretar o lockdown na primeira onda da pandemia. A medida só foi de fato adotada após decisão judicial de 2 de janeiro, que determinou a proibição de atividades não essenciais.
Desde o ano passado, autoridades sanitárias e epidemiológicas alertavam para o risco de Manaus enfrentar o atual colapso no sistema de saúde. A não adoção de medidas restritivas de distanciamento social por parte do governo é apontada como a principal causa. Grandes aglomerações foram registradas durante as festas de fim de ano.
Desta vez, só estará permitido o transporte de cargas essenciais (remédios e alimentos) e o trânsito de pessoas que integram os serviços públicos essenciais, como profissionais da saúde, segurança pública e jornalistas em serviço. As viagens intermunicipais – por via fluvial e terrestre – também estão proibidas.
A falta de insumos básicos é o que mais tem impactado no atendimento dos hospitais que sofrem com a superlotação. A falta de oxigênio é o maior fator de risco. Como um dos principais efeitos da Covid-19 é a dificuldade respiratória, muitos pacientes necessitam de ajuda “externa” para garantir o fluxo normal de oxigênio no organismo. Já aqueles que estão nas UTIs dependem exclusivamente da respiração artificial. Sem ela, a morte é certa. Segundo a Secretaria de Saúde, o consumo diário de oxigênio saiu de 30 mil metros cúbicos entre março e maio do ano passado, para 76 mil metros cúbicos neste início de 2021 – aumento de 160%.
“Os governos e as Forças Armadas começaram a trabalhar para o apoio logístico e a entrega de oxigênio. Mas, tivemos um pico e um aumento da demanda acima do esperado”, disse o secretário estadual de Saúde, Marcellus Campelo. Aviões da FAB transportaram, essa semana, cilindros de oxigênio de Belém para Manaus.
Além de colocar em risco a vida de pacientes já em tratamento, a falta de oxigênio impede a abertura de novos leitos clínicos na capital do Amazonas, o que poderia desafogar os hospitais em lotação máxima, permitindo que mais pessoas recebam tratamento adequado. Já há estruturas prontas para atender a população em unidades como o Hospital Universitário Getúlio Vargas e o Hospital Nilton Lins. A ausência do suprimento, todavia, impede o início das atividades. “Não conseguiram ativar leitos em virtude da contingência de oxigênio, que ocorre sem precedentes”, disse o secretário.
Em notificação extrajudicial, o governo do Amazonas requisitou oxigênio de 11 empresas do Distrito Industrial, entre elas a Yamaha e a Moto Honda. A notificação determina a “requisição administrativa de eventual estoque ou produção de oxigênio necessário à utilização nas estruturas da Rede Estadual de Saúde para o Enfrentamento e Combate à COVID -19”, diz o documento, assinado pelo secretário Campelo.
De acordo com dados da Fundação em Vigilância de Saúde (FVS), a taxa de ocupação das UTIs Covid do Amazonas estava, até a última quarta (13) em 91,2%. No estado, 93,7% dos leitos clínicos para Covid-19 encontram-se ocupados. Dos 62 municípios, apenas a capital Manaus dispõe de leitos UTI.
Diante da notícia da transferência dos pacientes para outros estados, o que se viu foi desinformação sobre a medida. “Ninguém sabe de nada, ninguém sabe quem vai ser transferido ou quem vai continuar. O que vejo é que tem muita gente emocionada”, relatou à Amazônia Real um familiar de paciente de Covid-19.
Na noite desta quinta-feira, um comboio de pelo menos 10 ambulâncias aguardava em frente do hospital para levar os pacientes até a aeronave para a transferência dos doentes. A angústia avançava, pois os horários inicialmente marcado para a viagem foram eram trocados. Por volta de 21h (hora local) , as ambulâncias ainda não haviam saído do hospital, o que acabou não acontecendo, já que a remoção foi adiada. “As pessoas não sabem se os doentes vão viajar sozinhos ou se os acompanhantes poderão ir”, disse uma pessoa que estava em frente ao hospital.
Ação coletiva pede medidas urgentes
Hospital e Pronto Socorro 28 de Agosto em 14/01/2021
(Foto: Márcio James/Amazônia Real)
Também nesta quinta-feira, o Ministério Público Federal (MPF), o Ministério Público do Estado do Amazonas (MP/AM), o Ministério Público do Trabalho (MPT), o Ministério Público de Contas (MPC), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) apresentaram pedido de tutela de urgência à Justiça Federal para que assegurar o fornecimento regular de oxigênio para hospitais e demais unidades de saúde do Amazonas e atendimento aos pacientes diante da pandemia de covid-19, com base em notícias da imprensa. O pedido foi acatado pela juíza Jaiza Fraxe, da 1a Vara da Justiça Federal.
“O crescente número de casos registrados e o aumento no número de óbitos – cerca de 200 mortes em um único dia, muitas delas decorrentes de covid-19 – são sinais do momento crítico por que passa o estado”, diz nota do MPF. O órgão também apontou dificuldades de gestão e de operacionalização por parte das autoridades públicas para solucionar a crise de saúde em Manaus.
“Em reuniões realizadas com o Poder Executivo e órgãos de fiscalização em Manaus, verificou-se que somente aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) teriam condições de realizar o transporte de oxigênio líquido de estoques disponíveis em outros estados, pois o material é inflamável e volátil, incompatível com a estrutura de aviões comerciais. Na manhã de hoje (14), os órgãos foram informados que a aeronave destinada ao transporte do oxigênio apresentou problemas que necessitam de reparo e houve paralisação no fluxo emergencial de fornecimento do insumo para o estado. Por outro lado, a empresa White Martins, responsável pela maior parte do fornecimento de oxigênio, informou que não possui logística suficiente para atender à demanda atual”, relata o MPF.
O MPF afirma que a União não apresentou solução para contornar a situação, seja com o reparo da aeronave ou com a disponibilização de outra equivalente. “O Estado do Amazonas tem solicitado apoio de outros estados para o fornecimento do oxigênio. Contudo, esbarra na necessidade da devida assunção da responsabilidade pelo transporte, cabível à União. Por outro lado, enquanto não resolvida a situação, devem os entes federativos proverem formas de resguardar a vida dos pacientes, caso necessário com transferência para outros estados”, afirmam os procuradores, na ação cautelar.
O pedido inclui ainda a identificação, por parte da União, de cilindros de oxigênio gasoso em outros estados que possam ser transportados por via aérea e requisite o suficiente para abastecer as unidades da capital e do interior. A requisição deve ser feita também para oxigênio líquido em outros estados e na indústria, para transporte para o Amazonas Leia a nota sobre a ação do MPF . (Colaborou Elaíze Farias )
Funcionário retira caixão para sepultamento em Manaus
(Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)