Por Roberto Tardelli, Justificando –
Uma onda de prisões varre o Brasil, prisões de prefeitos, ex-governadores, vereadores, tantas que as televisões se encontram em enorme dificuldade para cobrir e para separar os nomes exóticos que se atribuem às operações, que junta Polícia Federal e Ministério Público, seja federal, seja estadual. Dando um bico pra torcida e mandando a bola no refletor, um Ministro do Supremo, em uma decisão helicoidal, afasta o Presidente do Senado, que, como a gente diz em Ribeirão Preto, trucou, resistiu e não se deu por afastado.
O Governador de Minas anuncia a calamidade e o Rio de Janeiro se transforma em uma praça de guerra tão atônita que igrejas foram invadidas pela polícia militar para atirar contra funcionários públicos, seus colegas, reduzidos à miséria pela incúria de governadores. As cenas chocaram pelo hiper-realismo, que deixou evidenciado um fosso enorme entre o Governo e o povo.
Um pacote previdenciário empurrou a conta para pensionistas e reduziu valores e esticou ao limite o tempo para uma aposentadoria famélica. Tecnocratas de óculos e paletós culpam o povo por existir e desse pacote de horrores excluem-se os barões de sempre e os fardados de sempre. A culpa é do povão. Os gastos públicos ficarão congelados por vinte anos. De novo, o povão. Entre tantos dissabores, claro, um momento de relax: o padrinho dos punitivistas, o deus vivo dos haters, o ídolo dos procuradores/promotores, o Super-Juiz, aquele um que recebe o prêmio de uma revista que quer ser mais fascista que sua concorrente semanal, sorri entre os seus amigos, um potentado do varejo nacional, composto pelo círculo duro do PSDB, o grande articulista do impeachment e alguns outros mais.
A Folha de São Paulo trouxe a foto. Ninguém mais sabe quem é réu, quem é juiz, quem é acusador. No banquete plutocrata, a ordem das cadeiras não altera a opressão.
Os que atearam fogo no circo, esqueceram-se que os palhaços dependem das funções interrompidas. Ao respeitável público, as pipocas. Mas, o que fazer com a gestão das cidades, nessa hora em que todos estão contra a parede? Por que prender prefeitos e secretários, que manejam a folha de pagamentos, por exemplo? Como responder aos milhares de servidores de Ribeirão Preto ou do estado do Rio de Janeiro que eles são as vítimas civis da Guerra Contra A Corrupção?
A destruição do Estado Democrático de Direito teve enorme avanço no impeachment. Foi uma oportunidade de ouro para que se percebesse que somos frágeis e quebradiços, que não temos História e que e que nossas leis navegam ao sabor das conveniências de momento. Descobriu-se que descumprir a Constituição poderia ser mais simples do que se imaginava. Pretexto por pretexto, se um valeu para varrer da presidência o voto popular, qualquer outro agora se permite e se abre. Quem deveria lutar para preservar a democracia, vestiu a camisa da CBF e saiu gritando nas ruas brancas.
No interior do Rio, uma herdeira das sesmarias proporciona, em sua fazenda colonial, uma vivência aos brancos de boa safra: os turistas, alegremente, revivem a escravidão. Poderia ser isolado, mas não é, nos ódios retroalimentados, nenhum cresceu tanto quanto o ódio racial.
Ser ordenador de despesas tornou-se uma atividade pública que torna certa a prisão ou a indisponibilidade dos bens de quem a exerce porque basta um juízo moral negativo feito pelo MP, para que anos de sofrimento tenham início. Ter o nome mencionado em uma delação é o quanto basta para excluir quem quer que seja do mundo econômico-cultural. Os promotores voam feito aves de rapina sobre a cabeça dos administradores e a prisão há de ser em grande estilo bélico. Vazamentos seletivos de notícia moem todas as reputações.
Enquanto isso, amedrontados, os vices-de-qualquer-coisa não querem fechar a barraca da feira e as cidades navegam à deriva. O Senado Federal navega à deriva, ninguém mais quer ser o quê. Quem for, salgará a terra onde pisar.
Por menos que rejeite, há uma conta ideológica a ser debitada ao Ministério Público que, na cruzada contra a Impunidade e contra a corrupção, quiseram, sim, dar um golpe ditatorial, um verdadeiro AI-6, acenderam de novo a chama do ressentimento. Repita-se: as 10 medidas propostas pelo Ministério Público Federal era o AI-6. Foram passados para trás por canalhas e agora os protofascistas se dizem vítimas. Não são vítimas de coisa alguma, são apenas profissionalmente dignos de asco.
O povão, esse um que seria trancado em levas na cadeia, caso houvesse prosperado o AI-6, não se deu conta das sutilezas desse caldeirão de maldades e elegeria mais um desses baluartes da moral. Na desintegração das instituições, o campo está aberto para toda sorte de aventureiros proféticos, verdadeiros abutres sedentos por beliscar um naco desse pernil do poder.
No caos institucional aprofundado no pós-impeachment, qualquer coisa vale, qualquer lunático é líder, qualquer farsante é um pensador.
Roberto Tardelli é Advogado Sócio da Banca Tardelli, Giacon e Conway. Procurador de Justiça do MPSP Aposentado.