Publicado no Jornal GGN –
Hoje foi cometido mais um crime na primeira página da Folha: uma nota com base em uma delação premiada sigilosa acusando o Senador Fernando Collor de ter recebido propinas.
No Senado, Collor presidia uma comissão diretamente ligada em infraestrutura. A denúncia é até verossímil, embora não tenha sido acompanhada de provas.
Mas o crime anunciado é outro. Por envolver cidadão com foro privilegiado, essa delação tinha que ser protegida contra vazamentos muito mais do que as demais – que transitavam apenas na justiça comum. É um crime, que mais uma vez será ignorado pelo Procurador Geral da República. O que fará o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo? Nada. Como nada fez em relação aos demais vazamentos.
O Ministro é um cidadão que teme. Teme ruídos de folhas, notas internas de jornais, teme encarar suas responsabilidades, teme agir, teme falatórios.
O mais rumoroso episódio de vazamento – a tal capa da revista Veja – quase decide as eleições de 2014. Motivou uma reação inédita da presidente Dilma Rousseff contra o abuso perpetrado. Por envolver a própria presidente, tornou-se uma questão de Estado. O que fez o Ministro, chefe maior da Polícia Federal. Solicitou a abertura de um inquérito que ficou ao relento. Limitou-se a ouvir três ou quatro jornalistas que alegaram seu direito de preservar a fonte. E ficou por isso mesmo.
Aí, advogados das empreiteiras solicitam uma audiência ao Ministro. Não se trata de convescote ou missão de paz. Trata-se de exigir dele o cumprimento da lei e de suas obrigações em relação aos vazamentos.
O que faz o Ministro? Esconde a audiência em sua agenda pública, expondo os advogados que cumpriram com todos os procedimentos formais.
O risco sistêmico
Não apenas isso.
Há um risco sistêmico de paralisação de grande parte das obras do país por inviabilização das empreiteiras envolvidas com a Lava Jato. A dinâmica de uma obra é a seguinte:
1. A empreiteira é contratada.
2. De posse do contrato, toma um financiamento bancário para iniciar as obras.
3. À medida que as obras são entregues, recebe o pagamento e quita o financiamento.
A Lava Jato inviabilizou a tomada de financiamento e a contratação pelo poder público.
É evidente que precisa terminar o ciclo de abusos das empreiteiras e, nesse sentido, a Lava Jato cumpre um papel histórico.
Tome a Camargo Correia. Esteve envolvida em negociações obscuras com o governo de São Paulo, para impedir o indiciamento de seus executivos no acidente do Metrô. Depois, foi apanhada em cheio pela Operação Castelo de Areia e se livrou graças a manobras nebulosas. Nem isso aplacou sua falta de limites. É evidente que o peso da Justiça precisa se abater sobre seus controladores.
O mesmo aconteceu com a Mendes Junior que, antes da atual fase de obras, assim como a CR Almeida, tinha se transformado em uma empresa especializada em entrar na Justiça com ações espúrias contra o poder público.
Tem-se, portanto, uma engenharia complexa: dar um fim ao poder político da atual geração de empreiteiras, punir executivos e acionistas, varrendo-os do mapa empresarial brasileiro, abrir espaço para as empreiteiras médias (prejudicadas pela atuação do cartel) e, ao mesmo tempo, preservar as empresas para evitar soluções de continuidade em projetos de extrema importância para a economia.
Talvez tenha sido injusto nas críticas ao Ministério Público, exigindo dele uma visão sistêmica da questão da infraestrutura. Essa responsabilidade deveria ter sido delegada pela presidente da República ao Ministro da Justiça.
Caberia ao Ministro como articulador político e jurídico do governo reunir-se com o Procurador Geral, com o Tribunal de Contas da União e com a Controladoria Geral da República para encontrar as saídas adequadas. Mas o Ministro treme. Os encontros poderiam ser mal interpretados. Então ele se esconde. Esse papel articulador acaba sendo assumido pelo Advogado Geral da União Luiz Adams
Nesse ponto, ele e Dilma são iguais. A oposição está quase tirando Dilma da presidência. E sua preocupação maior é com sua reputação, com o que as pessoas estão dizendo dela.
No futuro, ninguém ousará duvidar de sua idoneidade. Mas que Dilma não pergunte ao oráculo o que a história falará de seu despreparo, sua ingenuidade, sua incapacidade de se compreender representante de um projeto de país de se entender personagem político, não uma mera pessoa física.. E registrará, divertida, que no auge da maior crise política dos últimos 25 anos, o Ministro da Justiça arrumava tempo para dar aulas em cursos jurídicos à distância.
Pobre República!