Só agora li este texto da amiga de Facebook Carla da Escóssia. Escreveu um pouco antes do Natal, mas vale muito ler sobre as angústias de pessoas, no caso ela e o filho, contaminadas pelo coronavírus.
Vida longa, Carla e Gabriel!!!!
O jardineiro fiel
Eu já me sentia melhor mas tinha um receio grande pela saúde dele. Sim, estávamos nós dois, eu e Gabriel, com testes positivos para a COVID.
Em mim, os sintomas duraram dois ou três dias. Algo muito ruim invadiu meu corpo: uma tristeza misturada ao mal estar e à moleza.
Seguiram-se noites insones, com calafrios e febre, em que eu me inquietava, emendando 48 horas sem dormir.
Quando recebi meu resultado, uma onda gelada ficou ali, no estômago, durante horas.
Dois dias depois veio o resultado positivo do Gabriel: nesse dia, foi o chão que me faltou.
Tive todos os cuidados, mesmo assim fui contaminada.
Fui atendida na emergência e o médico garantia que a ausculta do pulmão era boa.
Fizemos os testes dos marcadores inflamatórios pra saber os riscos que ambos corríamos.
É aí, então, que você começa a contar o tempo.
Todo dia, toda hora, cada minuto e cada segundo é uma benção. Sem falar nas medições da saturação do oxigênio.
Gabriel teve sintomas mais fortes, mas não teve falta de ar. Perdeu o paladar por uns dias, sentiu muitas dores no corpo e a tomografia revelou a pneumonia.
Minha irmã avisou que ela e a família não viriam mais para o Natal, temendo se colocar em risco, assim como aos meus pais.
As notícias do aumento dos casos corriam e agora eu me via como parte desse cenário de horror. Chorei uma noite inteira.
Tive muito medo, solidão, mas não podia fraquejar.
Não consegui ver noticiários e segurei a notícia da minha contaminação enquanto pude, para que não chegasse à casa dos meus pais. Estou sem vê-los há dias.
As cuidadoras contaram que ouviram do papai:”Carla nunca mais apareceu”! Fica um lado bom: você confirma que tem amigos, colegas de trabalho e irmãos maravilhosos que te diziam: “a qualquer hora me liga”! Ouvi de um sobrinho: “tia, de madrugada, de manhã e de noite, eu estou aqui”.
Um dia terei tempo de agradecer a todos.
Recebi uma caixa de doces e chorei de contentamento.
Muitas pessoas tornaram minha solidão suportável.
No décimo dia , acordei e vi Gabriel regando as plantas na varanda: “se eu não cuidar, elas morrem, né”?
Nesse mesmo dia, o paladar começou a retornar. Eram os sinais da melhora chegando.
Os exames foram dando bons e mais um médico entrou na parada para acompanhar sintomas, principalmente a tosse e a febre.
No 12º dia, um susto. Uma tosse seca e persistente levou-nos à emergência.
Ficamos numa sala de espera, com algumas outras pessoas que também tinham a doença.
Alguém tossia muito, bem perto de mim.
Eu tentava rezar o Salmo 90 mas, de vez em quando, Manuel Bandeira me vinha à mente:”tosse, tosse , tosse. Respire. Trinta e três. Diga trinta e três..”.
Gabriel foi medicado e teve uma melhora nos dias que se seguiram.
Só hoje, 17 dias depois, consegui falar sobre isso, tamanho foi o medo que senti.
Nessa manhã, recebi meu exame com o “não detectável”.
Os exames do Gabriel deram bons e o médico me disse: pode relaxar.
Estou com o coração cheio de alegria e esperança. Liguei as luzes coloridas na varanda, aquelas, do ano passado, só pra dizer que estamos aqui, passando um Natal inesquecível, sem presentes, sem o amigo secreto, sem a ceia em família.
Seremos eu e meu filho, curados, olhando o céu e celebrando “tudo que ele consentir”. E ele consentiu!
Feliz Natal, amigos! E não esqueçam de regar as flores do jardim.