Pessimista no passado com relação ao futuro do planeta, cientista foca em soluções para a Amazônia para combater o ecocídio
Por Liana Melo, compartilhado de Projeto Colabora
na foto: O brasileiro Carlos Nobre, com o empresário Richard Branson e o cientista sueco Johan Rockstrom, é o mais novo Guardião Planetário (Foto: Divulgação)
Reconhecido internacionalmente por sua liderança como pesquisador da Floresta Amazônica e o impacto sobre a biodiversidade e o clima, o cientista Carlos Afonso Nobre cansou de se debruçar sobre os problemas que rondam o bioma. Por mais de três décadas, mostrou que a Amazônia vem se aproximando do ponto de não-retorno, o que significa que um dos ecossistemas mais importantes da Terra corre o sério risco de não ser mais capaz de se retroalimentar de chuvas, caso o desmatamento não seja contido.
Desde 2018, no entanto, o climatologista mudou o foco do seu olhar. Passou a pesquisar a sociobioeconomia da floresta e pé – ao acrescentar a variável social nos seus estudos, o cientista vem enfatizando a importância do trabalho das comunidades tradicionais na preservação e na biodiversidade da floresta.
Criou ainda o projeto Amazônia 4.0, no Instituto de Economia Agrícola (IEA, da USP). A primeira capacitação ocorrerá no segundo semestre, na comunidade indígena Paiter-Suruí, em Rondônia. O objetivo é demonstrar que o potencial econômico da floresta em pé é maior do que o retorno financeiro do agronegócio, que desmata para criar gado e plantar soja, entre outras culturas.
Além de mostrar que os riscos à floresta são iminentes, nós, como cientistas, precisamos urgentemente focar na busca de soluções e não só estudar os problemas.
Carlos Nobre
Cientista
“Além de mostrar que os riscos à floresta são iminentes, nós, como cientistas, precisamos urgentemente focar na busca de soluções e não só estudar os problemas”, defende Nobre, que acaba de ganhar, aos 73 anos, o título de Planetary Guardians, ou Guardião Planetário, na tradução para o português.
No último dia 24 de maio, Nobre passou a ser o primeiro brasileiro a fazer parte do coletivo global, criado pelo bilionário britânico Richard Branson, que fez fortuna no mundo da música, quando, na gravadora Virgin, trabalhou com bandas icônicas como Rolling Stones e Sex Pistols. Pesos pesados como a primatologista Jane Goodall, o empresário Paul Polman, o cineasta Robert Redford, e políticos como a ex-presidente da Irlanda Mary Robinson, da Colômbia, Juan Manuel Santos, e do México, Ernesto Zedillo, já faziam parte do grupo.
Investir nas comunidades indígenas e garantir que elas possam proteger a Floresta Amazônica é um dos melhores investimentos que podemos fazer.
“Investir nas comunidades indígenas e garantir que elas possam proteger a Floresta Amazônica é um dos melhores investimentos que podemos fazer”, defendeu Nobre na cerimônia do Guardião Planetário, quando teve o prazer de entregar o prêmio “Cientista Indígena do Brasil” para quatro lideranças indígenas brasileiras, três delas mulheres e um homem: Braulina Baniwa, sineia Bezerra do Vale, Cristiane Gomes Julião e Francisco Apurinã.
A projeção internacional de Nobre vem de longa data e não apenas por assinar como autor e co-autor de mais de uma centena de livros, capítulos e artigos científicos. Como membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), foi um dos autores do relatório (o 4º estudo) que, em 2007, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Desde 2022, integra a Royal Society, tendo sido o segundo brasileiro a ingressar na academia científica mais antiga do mundo – o primeiro foi o imperador, Dom Pedro II, em 1871, indicado, à época, não como cientista, mas como membro da realeza. Logo, Nobre foi o primeiro cientista brasileiro a ser aceito na instituição.
Um cientista visionário
Ao virar Guardião Planetário, o cientista confirmou ser, como defende a geógrafa Ane Alencar, uma das maiores especialistas brasileiras em fogo na Amazônia e no Cerrado, um “visionário” ao traçar um cenário desanimador para a região. Ao levantar a hipótese do não-retorno da Amazônia, no começo dos anos 1990, o Brasil sequer tinha modelos matemáticos disponíveis para fazer aquele tipo de projeção. Nobre lançou mão do modelo matemático da Nasa, à época considerado um dos mais avançados.
Queira ou não queira, ele trouxe o tema para a discussão.
Ane Alencar
Geógrafa e membro do Ipam e do Observatório do Clima
O alerta feito por Nobre causou “alvoroço” na comunidade científica, lembra Ane, comentando que houve, inclusive, uma certa “controvérsia”. E acrescenta: “Queira ou não queira, ele trouxe o tema para a discussão”, o que levou cientistas do mundo todo a se debruçarem sobre o tema. Os dois chegaram a trabalhar juntos no Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), onde, atualmente, é diretora de Ciência, além de estar na coordenação do Observatório do Clima. Chegou a trabalhar com Nobre no Painel Científico para a Amazônia (SPA).
O debate científico em torno da hipótese do não-retorno (tiping point, na tradução para o inglês e termo usado largamente nas conferências do clima) não durou por muito tempo. Muito pelo contrário. Rapidamente a realidade se impôs, assim como as mudanças climáticas. E o que era uma projeção de futuro, virou realidade no presente, com suas previsões virando uma infeliz profecia para a Amazônia.
A estação seca na região sul da Amazônia, do Oceano Atlântico até a Bolívia, está ficando uma semana mais longa a cada década. “Isso é gravíssimo”, pontua Nobre, comentando que se o período seco se estender por seis semanas, vai corresponder exatamente ao que fora previsto no seu primeiro estudo: “Veremos a savanização da floresta”. Mesmo que o desmatamento venha a ser zerado, o que está longe de ocorrer, se o aquecimento global atingir 2,5 graus em 2050, a “Amazônia passará do ponto de não-retorno”.
Ele foi também o primeiro cientista no mundo a usar a expressão “savanização” da Amazônia. Se, num primeiro momento, o termo foi rapidamente assimilado; com o passar do tempo, aquele enunciado foi adquirindo um viés pejorativo. “A savana é uma vegetação rica”, explica Ane, que assim como outros ecólogos preferem não usar mais a expressão para se referir ao empobrecimento da Amazônia.
Vivendo com a mulher Ana Amélia em um condomínio em São José dos Campos, a 97 quilômetros da capital paulista, Nobre tem dois enteados e dois netos. Vive rodeado de oito cachorros e nove gatos, quando está em casa e não viajando mundo afora. Prefere não dar detalhes da sua privada, mas jamais se recusa a falar sobre Amazônia, aquecimento global, ciência… É considerado entre seus pares como um comunicador de mão cheia — comunica a ciência como poucos e de uma forma muito simples.
Xó pessimismo
Depois da publicação de seis relatórios do IPCC, de 28 conferências do clima e de todos os alertas feitos pela ciência, Nobre não se considera mais uma pessoa pessimista com o futuro do planeta – ainda que já tenha estado nessa situação. “Existem vários estudos científicos que mostram que depois que passamos dos 65 anos, deixamos de ser pessimistas”. É o seu caso. “Não estou otimista, mas, depois de 30 anos sendo muito pessimista, quero dedicar o resto da minha vida a encontrar soluções para os problemas”.
Junto ao BNDES, aprovou a ideia no conselho de administração da criação do Arco da Restauração Florestal em resposta ao Arco do Desmatamento. A proposta é restaurar 24 milhões de hectares da Amazônia brasileira, sobretudo na parte do sul do bioma, considerada uma parte crítica da região. Mesmo não se envolvendo em política, Nobre nunca mais esqueceu uma palestra que ouviu, há 15 anos, em Cingapura. Na ocasião, um dos palestrantes defendeu a necessidade de os cientistas serem “advogados responsáveis”. Desde então, assumiu esse papel. Deixou florescer sua habilidade de traduzir a ciência para leigos e, após o Rio Grande do Sul ser a mais recente vítima da emergência climática no país, tem sido claro ao defender seu ponto de vista: “Não podemos mais eleger políticos negacionistas, que alimentam o ecocídio planetário”.