Carta Aberta ao Presidente Lula

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Por Graça Lago, jornalista

Antes de qualquer bom dia, boa tarde ou boa noite, digo logo: Não está fácil, querido companheiro.




Nos conhecemos lá nos idos de 1980 (Marcelo Auler sabe melhor), nosso partido em formação, dificuldades por todos os lados, ataques generalizados. Estávamos lá, eu de mera militante.

Nesses 40 anos, mudamos muito. Não vou falar de mim, mas de você. De líder sindical, passou a um dos principais líderes mundiais, o maior do país, sem dúvida. Passou por diversas eleições, foi Constituinte, presidente da República duas vezes, tirou o país do mapa da fome, incluiu pobres, negros, mulheres e todas as minorias na pauta e no orçamento brasileiros.

Sim, também cedeu ao capital, ao agronegócio, à banca. Era de se esperar, nunca tivemos maioria, nunca fomos um governo puro-sangue, nunca fizemos uma revolução. Desde o primeiro mandato, foi preciso construir frentes, fazer concessões. Mas havia um compromisso e poucos largaram as mãos.

Elegemos Dilma, e parece que foi a gota d’água. As forças reacionárias não suportaram e a trama cresceu e veio a se consolidar no segundo mandato da presidenta, que nem pode dar os primeiros passos. Veio a mentira da pedalada e a derrubou. Golpe.

Você, que já tinha enfrentado uma barra pra lá de pesada, passou a sofrer a maior e mais cruel perseguição político-judicial-midiática já vista (nunca antes na História do nosso país); perdeu mulher, neto, irmão e a liberdade. Foi achincalhado, xingado, tentaram humilhá-lo, isolá-lo.

Acompanhei de longe e, confesso, não sei se teria aguentado. Não sei se não teria jogado tudo pro alto, mandado tudo à merda. Mas você, já naquela altura com os cabelos brancos, você, em nenhum momento, abaixou a cabeça, em nenhum momento jogou baixo. Alguns largaram a sua mão, você continuou andando. E ainda encontrou uma brecha pra se apaixonar e refazer a vida.

8 de novembro de 2019, jamais vou esquecer o momento da sua libertação, uma explosão de força, alegria e ânimo, em meio ao pântano do bolsonarismo que inundava o país.

Voltou cheio de gás, mais uma vez disposto a juntar todas as pontas e soldar diferentes e inúmeras partes em um escudo-mosaico capaz de brecar o fascismo, que corroia e corrompia boa parte do país.

E você foi capaz de costurar essa aliança ampla o suficiente para derrotar o candidato fascista, com os seus bônus (a derrota do capetão) e ônus (as concessões). Só que a serpente do fascismo continuou lá – fez maioria em um dos Congressos mais hostis da História e se entranhou em várias frentes, incluindo órgãos de governo. Mais alianças para rebater os nefastos.

E você na batalha, articulando, negociando, equilibrando, jogando um xadrez muitas vezes improvável, escapando das inúmeras cascas de banana, escorregando em umas poucas, travando tenazes quedas-de-braço (embora, muitas vezes, sorridentes – as quedas), mergulhando, nadando e escapando dos “caldos”, incluindo um presidente de Banco Central descaradamente bolsonarista.

Hoje, meu camarada, fico muito indignada quando reclamam dessas mesmas alianças (que jamais foram secretas), quando fingem desconhecer os avanços conquistados a duras penas nesses dois anos do seu terceiro mandato – e vou me ater ao crescimento econômico, ao aumento real do salário-mínimo, ao fim da fome endêmica, à queda histórica no desemprego. Será que esquecem como estava o país em 2022, será que esquecem que não fizemos uma revolução?

Fico muito puta (se me permite) quando insinuam que você pode estar cansado por conta da idade; nenhum dos que apontam esses dedos lacaios têm um décimo do seu fôlego; queria ver se aguentavam a artilharia implacável que você enfrenta.

Sim, mudamos todos ao longo desses 40 anos – você, eu, o país e, principalmente, a senhora conjuntura; e faria bem que as análises olhassem com cuidado os cenários (detesto a palavra, mas não achei outra) antes de lançarem pérolas aos porcos, antes de alimentarem a sempre ávida extrema-direita.

Desculpe a longa missiva, presidente, mas eu precisava desabafar.

Mudamos, sim, mas continuamos aqui.

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