Carta de um marido temeroso e decorativo

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Maracangalha, 31 de fevereiro de 2000 e tanto.

Querida, já deveria ter escrito esta carta há muito tempo.




Mas agora, depois de 29 anos juntos, quero deixar claro aqui que sempre fui leal a você, mesmo quando não soube explicar aqueles dias que deveria estar no Belém do Pará e fui visto no Largo da Batata com uma moça, que você, exageradamente, chamou de sirigaita. Sei também de sua desconfiança quando me pegou trocando mensagens com uma moça no zap-zap e quando me pegou batendo papo erótico na Internet.

O primeiro caso, expliquei, era uma prima que você não conhecia, pela qual tenho enorme afeição familiar, e, no segundo caso, estava apenas pesquisando para saber que graça meus amigos viam naquelas mulheres nuas, gostosas, se insinuando, chamando para uma transa virtual ou real.

Mas o que me leva a escrever-lhe é porquê entendo que você não confia mais em mim, pelo que falam os vizinhos, meus amigos no trabalho, a sua cabeleireira, o meu barbeiro, o quitandeiro, o dono do boteco e o engraxate.

Em razão do que andam falando por aí, devo lhe dizer o seguinte:

1- Passei os 29 anos de casado como um marido decorativo, jamais fui chamado para limpar o bumbum das crianças, lavar louça ou o piso.  Perdi toda a moral  dentro desta casa, tendo que me reservar aos jogos de futebol pela televisão, à cerveja gelada e aos petiscos deliciosos que você me preparava. Ou seja, fui usado por você para que os outros falassem por aí que eu não tinha nenhum protagonismo em casa.  

2 – Jamais fui chamado para discutir a relação, pois era mero acessório, secundário, subsdiário.

3 – Você não convidou meus 12 irmãos para o jantar do aniversário de nosso cachorrinho. E você reclama de mim, quando não levanto a tampa do vaso sanitário. Seu irmão pode urinar onde quiser e da forma que quiser.

4 – Quando seu irmão chega em casa, vai direto à geladeira, onde sempre tem a cerveja de preferência dele. A minha, quando você compra, nem sempre está gelada ou é de uma marca com cereais não maltados.

5 – Meus irmãos, eu é que tenho que recebê-los, fazer sala, enquanto você os ignora, teimando em ficar na cozinha, fazendo comida ou lavando a louça.

6 – De qualquer forma, sou o vice dono desta casa e tenho o direito de ir onde eu quiser, sem lhe dar satisfação. O que faço sempre.

7 – Democrata que sou, converso, sim, com a vizinha que você teima em não gostar e que vota sempre contra as suas propostas na reunião de condomínio. Aliás, só deixo de ir às reuniões porque você faz questão de ser a síndica, me deixando num papel secundário.

8 – Recordo, ainda, que, no casamento, você conversou com os padrinhos o tempo todo, sendo que eu, o noivo, poderia ter sido convidado para aquela rodinha, pois sou muito amigo de todos. Logo de cara, portanto, você demonstrou absoluta falta de confiança.

9 – Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades desta casa) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa para os nossos vizinhos. Sei que falo muito alto, grito até às vezes, mas não foi eu quem divulgou nossa conversa a respeito da vizinhança baixo nível e das minhas desconfianças para com o filho do vizinho do lado, que vive de olho em nossa menina já adolescente.

10 – Até a minha proposta de reforma da casa, depois de 29 anos sem uma mão de tinta, foi vista por você com desconfiança. Como se eu não tivesse atitude de liderança e que pudesse empreender tal ação.

11 – Tenho ciência que sua família vive para tentar desmerecer minha relação com você. Mesmo eu tendo explicado batom na cueca, no colarinho, perfume diferente do que você usa….

Lamento, mas esta é a minha convicção. 

Respeitosamente, seu desconsiderado marido, temeroso.

Esta carta é pessoal e se chegar ao conhecimento de outros foi devido ao vento que entrou pela janela, que você, relapsamente, deixou aberta, levando cópias que caíram justamente nas mãos dos vizinhos, dos meus amigos do trabalho, da sua cabeleireira, do meu barbeiro, do quitandeiro, do dono do boteco e do engraxate.

Obs. Esta é uma obra de ficção, que chegou a este blog pelo vento, sendo que qualquer semelhança é mera inspiração das atitudes de um certo vice-presidente da República.

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