Carta em nome do pai para o filho

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O que o pai calou aparece na boca do filho, e muitas vezes descobri que o filho era o segredo revelado do pai (Friedrich Nietzsche)

E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos leva aos céus. Uma crônica de pai para filho, na qual César, o rebento, fechou os olhos e a figura paterna falou por ele e para ele. Pai de César que completa 85 anos. Sim, completa, pois, para César e família, o pai é eterno. Vamos à carta celestial.




De ciceroromeiro@heavenscomp.com para cicerocesar@bemblogado.com

Daqui, 16 de maio de 2024.

Querido filho, sei que já se passaram sete anos desde que me tornei eterno. Para o tempo de vocês, isto é, o dos vivos, é tempo à beça. Para mim, no entanto, é uma piscadela. Ou seria o contrário do que disse? O tempo que passou rápido para vocês para mim ainda nem começou direito. Ser eterno é passar a perna no tempo?


Confesso ter ficado um pouco mais aliviado com a vitória do Lula. Se o * (toc-toc-toc: evita-se falar o nome dele neste plano: não queremos maus fluídos na repartição da Heavens) tivesse vencido a eleição, ou se o golpe que ele armou tivesse ido adiante, nem os mortos estariam a salvo.


Sabe como é que é, a gente é feito de história, sabe um pouco como age esse pessoal disposto a mover céus e terras para alcançar seus objetivos.


“A qualquer momento há a possibilidade da chegada do Messias”, é o que a esperança nos dita. Porém, o olhar irônico não pode ser descartado. Por isso, quando o * chegou, todo salivoso e disforme, a gente disse: “Esse nãããão!”. Deus é um cara gozador…


Daqui de cima a gente vê as coisas como elas são. Entre outras coisas, o que se julgava ter a princípio uma perspectiva emancipadora veio a se consolidar como uma prisão a mais, para nosso desalento.


O caso da tecnologia, por exemplo, ilustra bem o que estou tentando dizer. É e não é uma prisão. É engraçado porque por aqui a gente ainda usa chave daquelas grossas e a senha da triagem é de papelão daqueles marrons. Na eternidade a gente não está nem aí para essa tecnologia de ponta. Se eles têm A.I., a gente tem o A, o E, o I, o O e o U.


Não, não nos livramos da burocracia nem dela nos livraremos jamais; fazemos as atividades à moda antiga. Caso contrário, perderíamos o nosso cabide de empregos.


O que vou lhe dizer pode ser interpretado como um exemplo de bater com as línguas nos dentes: é sabido que não devemos interferir em assuntos mundanos, mas o fato é que estamos cercados de perigos, não podemos ficar de asas abanando como se o céu fosse de brigadeiro. Há uma catástrofe de proporções bíblicas no horizonte, é preciso por as barbas de molho.


O que fazer? Precisamos urgentemente de gente viva para passar a história adiante, mesmo que sob o risco da mensagem ser deturpada como ocorre na brincadeira do telefone sem fio.


Pondo as coisas em pratos limpos: cada geração tem sua missão. Eu tive a minha. Você conhece flashes da minha história. Sabe que catei milho quando criança; que quando me alistei, catando milho na máquina de escrever, ajudei a preencher a ficha dos conscritos; que fui o primeiro da minha família a ter curso superior; que trabalhei na Petrobrás até a aposentadoria; que levei o fubá pra muita gente.

Eu deveria ter sido um pouco mais imodesto na carreira, mas fazer o quê, há coisas que só vêm à mente em retrospectiva.


O que fazer para garantir a vida na Terra para meus netos, bisnetos e tataranetos? Um presidente que não seja negacionista já é um passo decisivo. Entretanto, ainda há muito o que fazer. A gente cochicha entre a gente um bocado desses assuntos, mesmo sabendo que quem cochicha o rabo espicha.

Chegamos à conclusão de que o pessoal de esquerda anda um bocado tímido, reticente, borocoxô, dividido. É certo que a conjuntura mundial não nos favorece, que a gente pactuou com alguns ricos pobres-diabos para triunfar, sabendo que o preço é alto e que a conta sempre vem.


A despeito disso tudo dito acima, são nesses momentos que temos que colocar a cachola para funcionar, a fim de realizar de uma vez por todas a utopia de um mundo mais fraterno e justo para todos.
Tá mais que na hora de sairmos debaixo das asas do Criador. A gente consegue.

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