Carta para um amigo que está triste com o resultado da eleição

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Por Allan Zaarour. marido músico pai poeta escriba enamorado – 
Minha vida profissional aconteceu, em maior parte, pelo menos a mais formal dela, nos últimos 12 anos. Nesse tempo, acumulei experiências edificantes, aprendi ótimas técnicas e caminhos mais amplos para dar vazão à minha criatividade, engordei meu currículo e trabalhei em diversas empresas.
O início desse período também foi de aprendizado na faculdade particular, onde tive oportunidade de aprimorar justamente o conhecimento que facilitou todas as experiências acima. Nesse meio tempo cheguei a comprar carro, trocar de computador algumas vezes, de celular e outras bugigangas. Produzi textos, músicas, desenvolvi minha arte como nunca.
O mais importante, porém, que aconteceu nesse tempo, foi ter começado a construir uma família nova com o amor da minha vida, algo que, pouco tempo antes desse período, meus sonhos mais loucos não ousariam sonhar.
Você, amigo, tem uma idade muito próxima à minha. E não só deduzo que tenha tido experiências parecidas, mas SEI que teve. Nossos caminhos estão mais distantes agora, mas eu acompanho você. Nossa geração prosperou, e muito, nos últimos tempos. Você percebe?
E isso nos foi “dado”? Claro que não: nossos pais podem ter ajudado, sim, pois partilharam, às duras penas, boa parte dos frutos de seus próprios períodos também prósperos — para nos ver prosperar também. Mas o mérito é nosso! Fomos atrás, batalhamos, fizemos acontecer e aqui estamos, vendo nossos filhos crescerem, morando em nossas próprias casas, desfrutando de certa independência financeira, viajando…
Foi/está sendo fácil conseguir tudo isso? De jeito nenhum. Você sabe que não. Ninguém disse que seria. Não o é para ninguém. Mas o que vi acontecendo nesses últimos 12 anos foi mais gente prosperando, mais gente podendo se dar a alguns luxos que você e eu agora consideramos banais, mas que são luxos para quem não tinha nem um décimo disso — quem precisou começar tão de baixo que é um baixo que nem você nem eu conhecemos.
E essas pessoas que passaram a prosperar, amigo, começaram a consumir produtos que a empresa em que você trabalha produz. Que você produz. Começaram a ingressar em uma camada da população que pode ter um pouquinho mais de bens. Tenho certeza que, lá no seu trabalho, há alguns anos, rolaram umas reuniões em que seus chefes falaram assim: “E aí, gente, como vamos atingir essa fatia aí, a nova classe C? Vamos fazer um brainstorm?” — é, amigo, essa nova classe C, em quem seus chefes começaram a pensar, movimentam também a economia.
Isso foi “dado” a eles? A oportunidade, sim! E isso tem muito a ver com o resultado das urnas nos últimos 12 anos. Tem tudo a ver. São políticas assistenciais, sim, são programas de capacitação profissional, são muitos fatores que os ajudam (ajudam, não sustentam, não doam, não os torna ricos, tampouco os isenta de trabalhar). A partir dessa oportunidade, eles puderam prosperar, por mérito deles. Foi/está sendo fácil para eles? Não. Eles estão ralando tanto quanto ou mais que nós. Mas o impulsinho ajudou, sim.

E nos ajudou também, pois passamos a vender nossa produção para mais pessoas, aquilo que você faz no trabalho, e que pensou que era só para uns poucos. Às vezes nem a gente consegue comprar o que a gente produz… Mas agora o que a gente faz é para mais gente, que pode comprar mais. É o ideal para um país, um planeta todo? Não, né. Comprar mais não devia ser medida de nada. Mas conforme esse país engatinha rumo a se tornar uma comunidade, é um estágio pelo qual precisamos passar, esse da produção/consumo/riqueza. Não é o fim, é um meio.




Aí, amigo, eu te vejo aí cabisbaixo, até soltando umas postagens raivosas nas redes sociais, porque está frustrado com o resultado da eleição. Entendo que você poderia querer uma equipe diferente no governo, um representante diferente no comando dessa soberania que é nosso país, que quisesse, sei lá, ver mais marcas de iogurte nas prateleiras… Talvez o candidato em quem você votou, que não vingou, fosse facilitar isso. Faltou um certo vigor (risos, espero que entenda a piada). Bem pouquinho.

Você queria ver menos corrupção, e eu também! Isso é possível quando há vontade de qualquer político/partido/sociedade, já que a prática não foi inventada pelo atual governo, o reeleito, nem pela oposição a ele, mas a sociedade, bom… Você já viu corrupção acontecendo, né? Eu também. E a gente precisa combater isso. A gente, no dia a dia, pois a corrupção que ganhou as manchetes que tanto te assustam está, em grande parte, atrás das grades, não está? Tem corrupção de quem você nunca ouviu falar. Mas isso é uma questão de interesses sobre a informação. Te explico outra hora, quando você não estiver vendo TV.

Mas tem uma coisa que me intriga muito: você falar que vem por aí um período terrível, “Deus nos acuda”, “salve-se quem puder”. Amigo, olha pra mim. Olha aqui, nos meus olhos, e me fala, de verdade, com toda a sinceridade, que sua vida foi um horror nos últimos 12 anos. Que sofreu como nunca. Que ficou anos desempregado, que comeu o pão que o diabo amassou. Que precisou comer, Deus o livre, de apenas uma marca de iogurte! Não ouvi? Bom, então você não me falou isso. Que bom!

Porém eu tenho visto você alardear por aí que nosso país está em chamas e que agora queimará, definitivamente, até o fundo do inferno, onde só haverá cinzas, lá sobre aquele mármore. Puxa, que prognóstico terrível, mas… Me conta aí… Tá assim mesmo? Vai ser assim mesmo? Não me pareceu quando vi aquela sua foto no Insta, aquele cebolão bonito no restaurante da moda, ou os relatos da sua última viagem, que registrou no seu iPhone novinho.

Pois então, por que você acharia ruim que outras pessoas desfrutassem dessa mesma vida, amigo, dessas mesmas coisas legais que conseguimos para a gente? Que os filhos dessas pessoas, que não conhecemos, possam estudar numa escola particular bacana, até que, (vamos cobrar do governo, claro!) que a educação pública melhore, de fato? Por que não queremos isso para mais ninguém além de nós? Eu quero isso para todo mundo.

E é por tudo isso que votei como votei. Para que continue sendo permitido a mais pessoas ter um ponto de partida mais digno, para que possamos prosperar juntos, em vez de ver uns prosperarem demais e outros, nada. Eu não queria te ferir, machucar, deixá-lo chateado com o meu voto. Eu queria ver todo mundo do nosso país ficar melhor, você também, seus filhos também.

Mas espero que não continue triste por causa disso. Levante a cabeça! Você… “venceu na vida!” É verdade! Venceu bem vencido. Está vencendo. Mérito de quem? Seu. Crescemos juntos e eu vi o quanto você se esforçou, mas lembro que partimos de um lugar até que confortável. E se em alguns anos pudermos ter mais amigos, além dos que já temos, também partindo desse lugar mais tranquilo, vencendo, pelo mérito deles? Será incrível. E será mérito nosso também.

Um abraço!

P.S.: Aqui vai uma imagem para você sacar que o nosso país é muito mais composto de nuances de cores do que de azul e vermelho.

Tirado de:http://thomasconti.blog.br

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