Cartão de Natal numa caixa de sapatos e um Papai Noel inusitado

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Nosso Natal chegou cedo. Ganhamos de presente este belo texto da coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista. Abra o pacote e veja as recordações sobre cartões de Natal do passado e leia também sobre um Papai Noel diferente no presente.

Obs.: Este enxerido editor (Washington) pesquisou e traz, depois do belo texto de Cícero César, a história do cartão de Natal.




Ainda peguei o tempo em que as pessoas mandavam cartões de Natal para amigos e parentes distantes. Puxando um pouco pelas lembranças, talvez até fantasiando um pouco, recordo-me dos cartões da Unicef, que eram bons, bonitos e baratos. Cheguei a comprar alguns, mas provavelmente não fui aos Correios para enviá-los. Devo ter feito as entregas em mãos, bancando o carteiro, para as meninas por quem fui apaixonado, para os amigos do peito, vá saber. Em todo caso, os que foram entregues manifestavam um carinho que vinha do fundo do meu coração e me aquecia.
Era um gesto com pretensões, ainda que modestas, à eternidade.


Cada geração deve procurar suas formas de recordar, não quero dizer que no meu tempo é que era bom, ainda mais porque meu tempo é hoje. Contudo, para mim, um cartão de Natal guardado em uma caixa de sapatos tem um poder maior de evocar reminiscências do que um Tera de fotos acumuladas nos arquivos de um celular.

A caligrafia, o conteúdo, o remetente e o destinatário, a ilustração, a qualidade do papel, se há rebarbas nas bordas do cartão, enfim, diversos fatores influenciam a recepção da mensagem: não se trata apenas de “Feliz Natal e Próspero Ano Novo”. Isso sem contar que caixas de sapatos, de tão esquecidas em fundos de armário, dificilmente se perdem em nuvens.

O Natal, para mim, contém esta oportunidade de virem a lume certas emoções que estavam há algum tempo escondidas nas caixas de sapatos da alma da gente. É certo que o Salvador é capaz de atravessar agulhas estreitas para nos dar o ar de sua Graça todos os dias; só que no Natal as portas parecem estar ainda mais abertas para tais milagres.

É tempo de comprar presentes, o que agora pode ser feito pela Internet, sem as disputas palmo a palmo nas lojas, com direito a troca de empurrões e insultos que nos fazem lembrar das concorridas promoções dos Supermercados Guanabara.

É tempo de montar o pinheirinho de Natal, e de decorá-lo com aquelas luzinhas que piscam que nem lâmpada com defeito. É tempo de encontrar pães de Rabanada nas padarias e até mesmo de comprá-las prontas, por que não?

É tempo de frutas secas, castanhas do Pará, nozes, amêndoas, de vinho rascante, de cerveja, de guaraná, de peru, de chester, de tender, de bolinhos de bacalhau, de bacalhau, só para ficar com meus preferidos. É tempo, na medida do possível, de roupa nova, e de ouvir samba e outros gêneros musicais.


E ainda continua a ser o tempo de se estar em família e de se mandar mensagens para amigos distantes tão somente para desejar “Um feliz Natal para você e para todos os seus!”; só que, em vez de cartões, a gente o faz pelos aplicativos de troca de mensagens dos celulares mesmo.


O Natal é uma data especialíssima. O Papai Noel, quando desce pela chaminé, não queima os fundilhos, e a chama da esperança não se apaga facilmente nesta época. Pelo contrário, ela se renova para aquecer os corações gelados, ainda que estejamos em pleno verão.


Segue uma história de Natal:
As crianças não deixaram de reparar que aquele Papai Noel era um tanto mais comprido e magricelo que os dos comerciais de tevê. Para compensar, suas risadas eram muito mais engraçadas e nervosas. Tampouco estranharam o quanto o senhor Natal solicitava, enquanto distribuía seus mimos, cálices de vinho do Porto, rabanadas e, pasmem, bolinhos de bacalhau.


Os mais criativos argumentaram que o bom velhinho estava se preparando, com aquela dieta altamente calórica, para a maratona de entrega de presentes. O que parecia certo, para alguns, para outros não passava de historinha para boi dormir.

Afinal de contas, como é que ele poderia levar presentes para a crianças do mundo inteiro em um fusca azul, que, eles sabiam, tem um bagageiro minúsculo na parte da frente? Faltava a carretilha, é claro! As crianças engoliam tudo, de bolinhos de bacalhau a pilhas palito (quem é pai, sabe!), até riam de histórias e de histórias, mas essa de Papai Noel sem trenó, sem rena, sem ajudantes, e de Fusca, não condizia com o que eles viram nos filmes de Natal.


Também nunca tinham visto coturnos camuflados em vez de botas de pelica. Mas tudo bem, tudo bem. Cada criança vibrou com o presente que recebeu. E mal se deram conta que, quando o Vô Alfredo retornou, fiapos de algodão ainda estavam presos a seus bigodes grisalhos. Ou se realmente se deram conta, não contaram a ninguém. Foram brincar no quintal. Que céu azul.


Foi quando um rojão atravessou os céus, deixando um rastro de vermelho, dourado e verde, que eles, espantados, guardaram como uma imagem que mais à frente lhes serviria de revelação: Papai Noel existia mesmo; quem não existia, de tão engraçado, era o vovô Alfredo.

Imagem do post: o primeiro cartão de Natal

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