Cartas da Guanabara: Rio – Berlim

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Por Daniel Cariello, Outras Palavras –

Louise perguntou o que havia acontecido ali. — Essa mulher acabou de marcar o oitavo gol da Alemanha. Você logo vai compreender

160728-Rio

Louise e eu aguardávamos para subir no ônibus e quase fomos atropelados por uma moça estabanada que chegou furando fila e dando ordem.

– Pé na tábua, motora. Arrancaê. Tô atrasadona.




Impassível, o condutor esperou todo mundo subir pra começar a acelerar lentamente. Passamos a roleta e nos dirigimos para o fundo do veículo. Sentamos perto da porta traseira, onde a apressada já se encontrava, em pé, e de lá mandava recados para a frente.

– Dá pra ir mais rápido, não? Essa carroça tá lenta pacas. É por causa de gente assim que esse país não avança.

Louise, minha filha, adora cavalos e carruagens e quis saber onde estava essa carroça da qual a sujeita falava. E se podíamos descer do ônibus e embarcar nela. Expliquei que não havia carroça alguma e muito menos cavalos, mas apenas uma burra mal educada.

– Aê, se eu perder o emprego vou colocar a culpa em tu, valeu?

O motorista nem aí. E quanto mais ele era indiferente, mais a moça se irritava.

– Pô, motora, tu é foda. Preciso chegar à Lapa em 2 minutos.

Ele a fitou pelo espelho interno e continuou calado. Foi o cobrador quem falou.

– Minha senhora, a Lapa é pro outro lado, valeu? Tu pegou o ônibus errado.

Ela ficou mais descontrolada ainda.

– Caraaaaca! Freia, motora. Engata a ré aí. Dá meia volta. Faz alguma coisa!

Nada.

– Então abre a porta. Preciso sair, tu tá me lascando toda. Aê, aproveita o sinal fechado. Abre aqui. Tenho que descer agora. Se não vai ajudar, não atrapalha. Tu é surdo, é?

A porta continuou fechada, mas a boca do condutor se abriu pela primeira e única vez na viagem.

– Só pode descer no ponto.

A coitada enlouqueceu.

– Pronto, agora tamo em Berlim. Viramos um país de primeiro mundo e eu não tava sabendo. A gente só para no ponto. Desce e sobe em fila, tudo organizadinho, uma beleza. O país que funciona. Nem corrupção tem mais. Que maravilha! Viva o Brasil, a nova Alemanha!

Quando o ônibus finalmente parou, a moça desceu na mesma velocidade com que soltava seus últimos impropérios.

– Valeu, motora berlinense. E viva o Brasil, primeiro mundo!

Louise perguntou o que havia acontecido ali.

– Essa mulher acabou de marcar o oitavo gol da Alemanha.

– O quê? Entendi nada.

– Não se preocupe, você logo vai compreender.

– Pai, vamos sair daqui e tomar um sorvete?

– Tá bom. Eu vou de chope e churute.

Redação – Lendo esta crônica, deu vontade de ouvir “Homenagem ao Malandro”, do Chico Buarque. Então, está aqui.

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