A Ambev anunciou associação inédita com uma microcervejaria, revelando a estratégia da maior empresa de bebidas do País para entrar num segmento que cresce fazendo espuma (e sem ressaca).
O acordo com a Cervejaria Wäls, de Belo Horizonte, envolve a compra de uma participação acionária da Ambev na empresa e um casamento de competências complementares.
A Ambev vai agregar tecnologia, distribuição e acesso a ingredientes, e em troca vai contar com o conhecimento do mercado de cervejas artesanais, no qual a Wäls opera desde 1999.
Os empreendedores que controlam a Wäls continuarão à frente do negócio. Os irmãos José Felipe Carneiro e Tiago Carneiro, filhos do fundador da empresa, têm respectivamente 29 e 32 anos, e transformaram uma cervejaria de chopp tradicional (cujo maior cliente era uma rede de fast food) numa companhia inovadora e premiada internacionalmente.
A Wäls, que afirma em seu site produzir “obras de arte que também podem ser chamadas de cervejas especiais”, hoje produz 17 marcas da gelada — incluindo a Wäls 42, a Wäls Pilsen, Dubbel, Duke N Duke, a Saison de Caipira e a Stadt Jever — e tem uma distribuição predominantemente no Sudeste.
CARTA AOS QUERIDOS AMIGOS CERVEJEIROS DA WÄLS
Por Wilson Renato Pereira, jornalista lúpulomaníaco
Meus caros José Felipe, Tiago, Ustane e Miguel:
Confesso que ainda estou meio abalado com a notícia da associação da Wäls com a Ambev para a criação de uma nova cervejaria e preocupado com os seus desdobramentos. Isso, caso vocês não tenham real poder de decisão sobre a criação e gestão das suas “obras de arte” que, sei, tão caro custaram em anos e anos de pesquisa, trabalho, inteligência, emoção e fé.
Espero que as cervejas da nova empresa, resultante da associação, mantenham a consagrada internacionalmente qualidade Wäls. Sabe-se como atuam as gigantes multinacionais. Daí a preocupação, pois o normal é elas se apropriarem do valor, da cultura e dos talentos que absorvem para depois imporem seu padrão, em que o lucro a qualquer custo sempre fala mais alto. Não há ingenuidade nisso, apenas a constatação do modus operandi do “deus mercado”.
A Família Wäls, para mim, sempre foi muito mais do que cerveja. Tem toda uma questão afetiva envolvida, uma emoção que me toma toda vez que lembro da Ustane contando como ela rezava a São Judas Tadeu, sentada na praça de Liberdade, em BH, enquanto o Miguel negociava o galpão da rua Padre Martens onde foi instalada a primeira fábrica.
No capitalismo selvagem, bem representado pelo modelo Inbev/Ambev, não cabem coisas desse tipo. É o que lamento. Claro que continuarei admirando vocês, com a certeza de que farão o impossível para manter saudáveis as suas crias. Espero, sinceramente, que isso aconteça, mesmo com sérias dúvidas se será possível.
Que a ousadia, a criatividade e o compromisso com a qualidade sejam os mesmos dos tempos em que chegaram a jogar fora tanques inteiros de cerveja, por não atenderem minimamente aos seus rigorosos critérios. Espero que tenham liberdade para continuar usando os ingredientes adequados às suas primorosas receitas e não aqueles que o pessoal de finanças determinar, que não sejam obrigados a usar a “cevada da Granja Comary” para atender ao marketing de ocasião.
Mas, a adaptação darwiniana ao mercado é o caminho que escolheram e eu não poderia fazer outra coisa senão continuar torcendo para que a Família Wäls tenha sucesso, como sempre. E que vocês não percam a boa energia e o amor que colocam em tudo que fazem e os tornam pessoas ímpares, iluminadas, referências para o setor das cervejas artesanais em todo o mundo e motivo de admiração por todos os que os conhecem. Beijos e felicidades.