Caso Braskem em Maceió ilustra descaso das empresas com população

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Alice Maciel e Mariama Correia traçam um panorama do crime ambiental em Maceió até o momento

Por Andrea DiPClarissa LevyRicardo Terto, compartilhado de A Pública




No início da tarde de domingo, 10 de dezembro, a mina 18 da Braskem se rompeu na lagoa de Mundaú, no bairro de Mutange, em Maceió. Este, que já é considerado o maior crime ambiental ocorrido em solo urbano em curso no país, teve início com terremotos em 2018 e, hoje, atinge boa parte do território da cidade.

O problema não é novidade, contudo: desde a década de 1970, a Braskem tem sido alertada por especialistas do risco de rompimento da mina de sal-gema, conta a jornalista da Agência Pública Mariama Correia, no episódio 102 do podcast Pauta Pública. Mariama ainda destaca outros fatores que costumam ser ignorados e que podem ter agravado o colapso: como as chuvas, que devem aumentar neste ano devido ao El Niño.

A também jornalista da Pública Alice Maciel fala na entrevista sobre o descaso de empresas em crimes ambientais – como o de Brumadinho, em Minas Gerais – , que realizam suas negociações a portas fechadas para a população e sobre injustiças cometidas com moradores em processos de reparação. 

[Andrea Dip] No domingo [10 de dezembro] uma das minas da região rompeu. As consequências disso ainda não foram medidas. Mariama, você pode dar um panorama de como está a situação na região?

[Mariama Correia] Eu estive conversando esses dias com algumas pessoas em Maceió e com o pessoal que representa a Associação de Empreendedores e Vítimas da Mineração. As últimas notícias que chegaram é de que ainda há muitas perguntas em aberto sobre os impactos do rompimento da mina 18 para a lagoa Mundaú, que foi onde ela se rompeu, e também para a estabilidade do solo em outras regiões (inclusive, de outras minas).

Não se sabe ao certo ainda – pelo que eu entendi conversando com fontes da região – se as minas próximas da 18 foram afetadas pelo rompimento. Também não se sabe até que ponto a água que entrou nessa cavidade pode erodir o solo em outras áreas, e se a erosão pode causar outros impactos.

O que se sabe é que a mina 18 tem várias minas vizinhas e houve uma exploração desenfreada que ampliou muito essa cavidade, inclusive uma mina se uniu a outra. Tornou-se um grande buraco embaixo do solo. Esse problema já vinha sendo anunciado desde a década de 1970, quando a Braskem iniciou a extração de sal-gema em Maceió.

Desde 2018 ocorrem tremores, o afundamento do solo se tornou evidente e há rachaduras nas casas. Então, sabia-se desse risco, mas muitas pessoas não foram retiradas. Não houve um plano para retirar essas pessoas com segurança nem reduzir os impactos pelos quais passaram essas pessoas, já que eram casas, negócios, trabalhadores, que estavam ali naquela região.

Desde então, o cálculo é de mais de 60 mil vítimas de moradores, mas há também outro que acrescentaria mais de 12 mil empreendedores da região e 15 mil trabalhadores. 

E agora vemos o poder público (prefeitura de Maceió e Governo do estado), Braskem e a Defesa Civil se apressando em trazer uma narrativa de normalidade, porém isso ainda é temerário afirmar. Ainda estão sendo feitos estudos para a questão do solo, e também não sabemos ao certo a expansão desses danos, os impactos para os pescadores da região, os catadores de marisco sururu, para as pessoas que trabalhavam e tinham suas vidas naqueles bairros.

Houve uma reunião agora, e o governo apresentou uma proposta de criar um grande parque no local depois que a situação se consolidar. As pessoas questionam isso, porque o contrato do poder público com a Braskem prevê que a empresa se torne dona daqueles bairros que ela iria indenizar. As associações de moradores denunciam que a Braskem está fazendo uma compra massiva de bairros, ruas inteiras e imóveis a preço de banana, então ela vai se tornar dona disso tudo, e agora o governo vai recomprar para fazer a desapropriação da Braskem. Ou seja, a empresa está lucrando com o sal-gema, vai lucrar com a posse dos imóveis, e agora pode até lucrar de novo quando for indenizada pelo poder público.

[Clarissa Levy] Fazendo um paralelo, estamos falando do maior desastre ambiental em zona urbana. Mas, há pouco, houve o maior desastre ambiental que aconteceu em Mariana. Alice, os dois casos passaram por muitas autorizações ou falta de fiscalizações do poder público. Como você tem observado esses paralelos? Quais são as dimensões políticas que juntam os dois casos? 

[Alice Maciel] É impressionante como o modus operandi das grandes empresas é muito parecido, também como as negociações com o poder público vão se desenvolvendo de formas muito semelhantes. Para começar, todas as empresas não reagiram aos alertas anteriores dos especialistas de que poderia haver um desastre. Fazendo um paralelo, em todos os casos – em Mariana, Brumadinho e Maceió –, houve alertas de especialistas, estudiosos, às vezes até de trabalhadores das empresas, que disseram que existia um risco ali. E as empresas ignoraram. 

Posteriormente, vem a questão do processo de reparação. Os acordos são feitos sempre a portas fechadas com os poderes públicos. Os atingidos não foram ouvidos em nenhuma das situações que ocorreram, e as decisões são sempre injustas, em que as vítimas saem perdendo e têm que ficar o tempo inteiro provando que elas são vítimas. Em todos esses casos, nas regiões, quando ouvimos as pessoas, há os que moram na área, mas a empresa não os considera como vítimas, “porque a barragem não passou por cima da minha casa”. No caso da Braskem, tem muitas pessoas atingidas no entorno [da região].

[Clarissa Levy] Na semana passada, Mariama, você conversou com um pesquisador que tem buscado entender o que aconteceu em Maceió. Pode compartilhar o que você ouviu? 

[Mariama Correia] Anos atrás eu acompanhei um crime ambiental, até hoje inexplicado, o derramamento de óleo nas praias do Nordeste. Várias praias foram contaminadas e nunca se explicou de onde veio o óleo, nunca uma empresa foi responsabilizada, ou várias empresas responsabilizadas. Nessa época, eu fiz contato com o pessoal da Universidade Federal de Alagoas. Eles têm um laboratório com satélite que faz monitoramentos e ajudou muito a entender o movimento daquelas massas de petróleo que se moviam pelo oceano – e a gente não sabia para onde elas estavam indo, até que apareciam em alguma praia. E agora esse pessoal está analisando os impactos na lagoa onde a mina 18 explodiu, fazendo medições de água para entender quais são esses impactos, como isso vai alterar a salinidade da água, enfim, como isso atinge as culturas que tem lá, inclusive a pesca do sururu, que é muito tradicional em Alagoas. 

Então, eu me lembrei desse pessoal e fui conversar lá com os pesquisadores Humberto Barbosa e Emerson Soares. A gente conversou sobre outros fatores que estão sendo ignorados: o El Niño, os vórtices ciclônicos e o período de grandes chuvas na região Nordeste. Nós sabemos que costuma ter muita chuva agora, chuvas fortes, pontuais, mas fortes, entre dezembro e janeiro. E me explicaram como existe realmente a incidência do que ele chama de vórtice ciclônico nessa época do ano nos estados do Nordeste – isso pode trazer mais chuvas – e como as chuvas fortes podem contribuir para a erosão do solo. Esse solo que já está afetado pela exploração se tornará ainda mais imprevisível. Isso pode causar novos estremecimentos e novos afundamentos do solo. E existe uma previsão de chuvas para os próximos dias. A gente não sabe até agora qual é a situação, se está tudo controlado ou não, e que tipo de impacto pode haver ainda. 

Pelo que eu li, teve uma pequena chuva alguns dias antes do desabamento. Não dá para entender exatamente qual foi a interação, se isso teve impacto ou não, mas de fato existem vários fatores correlatos. O próprio El Niño traz mais secas para muitas regiões do Nordeste, mas para áreas litorâneas também pode contribuir para precipitações maiores. Então não sabemos quais desses fatores externos, além da própria exploração, podem contribuir e acabam gerando novos impactos.

Colaboração: Ana Alice de Lima

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