Por Willy Delvalle, publicado em DCM –

Apoiar Lula é uma missão das forças democráticas francesas, na visão de Pierre Laurent, senador e secretário nacional do Partido Comunista Francês. 61 anos, economista de formação pela Universidade Panthéon-Sorbonne, iniciou a carreira de jornalista em 1985, no jornal de esquerda L’Humanité, de onde saiu em 2009, como diretor.
Filiado ao PCF desde os anos 1970, acompanhou as principais transformações do partido. Naquela época, o fervor da França pós-maio de 1968. Oscar Niemeyer era um exilado no país e desenhou a sede do partido, um prédio suntuoso que dá a sensação de estar em Brasília.
O PCF dominava as prefeituras da periferia parisiense, numa época industrial em que havia uma forte unidade entre os trabalhadores, moradores dessas cidades. Era o chamado cinturão comunista. Com a desindustrialização, a gentrificação e um presidencialismo reforçado pelo general Charles de Gaulle, forças políticas como o PCF foram marginalizadas, diz Laurent.
Um processo que se intensificou até as últimas eleições presidenciais, nas quais a esquerda não conseguiu levar
um candidato ao segundo turno, disputado entre Emmanuel Macron, com o discurso “nem de esquerda, nem de direita”, e Marine Le Pen, da extrema direita.
No comando do partido desde 2010, o senador quer uma renovação; ser mais do que um partido de “proximidade”, referência às prefeituras de aproximadamente 140 cidades, sobretudo as mais pobres do país, onde a taxa de pobreza supera os 40% da população. Para isso, acredita que os desafios a enfrentar são parecidos com os que os brasileiros têm pela frente, desafios na verdade mundiais.
Nesta entrevista exclusiva para o DCM, ele me recebe em seu escritório na sede do PCF. Sem glamour, ele, morador de um bairro popular da zona leste de Paris, conta quais estratégias o partido mobilizará e alerta para os riscos da prisão do ex-presidente brasileiro.
Por que o Partido Comunista Francês está num momento de renovação?
Com as eleições presidenciais do ano passado, entramos num novo período da vida política francesa. A eleição de Emmanuel Macron se deu num momento de convulsão política, em que a polarização explodiu, como em diversos países europeus. Era necessário repensar esse novo momento político. Foi o fim de uma experiência política que nós havíamos construído com uma frente de esquerda. Essa frente se dividiu. Ela havia sido construída justamente para permitir uma alternativa de esquerda na França. Nós sabemos que se não formos capazes de
responder a esse duplo desafio político, uma nova situação política e a necessidade de reconstruir uma alternativa de esquerda, corremos o risco de ver alternativas populistas de extrema direita se aliarem a forças de direita radicalizadas como vemos na Itália. Não estamos na mesma situação porque há uma esquerda social e política que permanece forte e ativa na França. As mobilizações da primavera mostraram isso. Mas há um déficit de
construção política da esquerda. O Partido Comunista quer atacar essa condição e repensar seu papel enquanto partido comunista, suas formas de engajamento político, repensar sua utilidade concreta nessa situação. Teremos um congresso no final desse ano, em que esperamos relançar o partido numa perspectiva de esquerda na França.
Por que essa esquerda se dividiu e não conseguiu combater a extrema direita no
segundo turno da última eleição?
Sim, nós conseguimos barrá-la, mas em condições não satisfatórias. Não conseguimos fazer com que um candidato de esquerda chegasse ao segundo turno da eleição presidencial. Acredito que há diversas razões, não apenas um fator. A primeira razão é que as forças que precisavam se unir, ficaram divididas. Houve dois candidatos, Jean-Luc Mélenchon e Benoit Hamon à presidência. Essas forças eram suscetíveis de convergir e não o fizeram porque cada um queria garantir sua liderança perante a esquerda antes de construir maioria. Essa é uma razão, mas há uma outra mais profunda. As políticas conduzidas pelo capital na França levam à divisão do mundo salariado, à precarização e empobrecimento de grande parte da população. E essas classes populares vêm cada vez mais se abstendo das eleições. E os fracassos políticos vêm alimentando esse sentimento de impotência política. Precisamos, primeiro, reconstruir a unidade política do assalariado. E precisamos reconstruir a confiança
na atuação política e coletiva. Uma das marcas de Macron é que, assim como outras forças populistas na França e na Europa, ele adota um discurso que visa desmoralizar a democracia, os partidos, a vida política tradicional para poder instalar um poder cada vez mais próximo do meio financeiro. Nunca tivemos na França um presidente tão próximo do mercado financeiro até porque ele é sua criatura direta. E para isso ser possível, foi necessário um discurso para desmoralizar a política e nós fomos atingidos. Então é preciso reconstruir a capacidade de ação política da classe popular. É isso que ainda faltou em 2017. Vemos, apesar de tudo, uma reação popular e ações fortes persistindo, o que mostra que as forças sociais continuam e que a situação não está completamente bloqueada. Mas estamos num momento de enfrentamento muito difícil no qual as forças do mercado vão agir sob risco de derivas autoritárias ou o progressismo vai se fazer valer. O quinquênio de Macron será um
momento de enfrentamento extremamente forte na França.
O que explica um prédio concebido por Niemeyer e esse apagamento do Partido Comunista na França?
Há uma situação na França que é paradoxal desse ponto de vista. Esse prédio foi imaginado em 1969 pelo Partido Comunista e por Oscar Niemeyer, que foi recebido pela França durante a ditadura e que queria, de algum modo, retribuir a solidariedade que lhe fora prestada pela França, sobretudo aos comunistas. Ele ofereceu desenhar o prédio, que foi financiado pelos populares membros do partido nos anos 1970, um momento que, depois de 1968, foi de forte crescimento de ideias comunistas e de esquerda. Essa década foi uma década de desenvolvimento. Foi quando esse prédio foi construído. Hoje é um momento em que o Partido Comunista viu sua influência eleitoral se enfraquecer, permanecendo ainda forte na esquerda, sobretudo no âmbito das ideias, no âmbito cultural, na sua militância. Somos um partido que manteve sua forte militância territorial, com muitos eleitos locais. Então, ficamos como um partido muito presente na relação de proximidade. E, ao mesmo tempo, que viu sua influência eleitoral nacional decrescer em meio à presidencialização reforçada de eleição em eleição, tornando-se caricatural e construída para destruir e marginalizar forças como o Partido Comunista. Há um enfraquecimento da nossa visibilidade nacional e, no entanto, uma grande presença no país e permanecemos uma força com a qual será necessário contar para reconstruir a esquerda. É o paradoxo de hoje, é o desafio que queremos superar, porque não nos contentamos em ser uma força enraizada socialmente, de proximidade. Queremos que ela seja uma força política nova na vida nacional, que mantivemos com nosso grupo parlamentar, mas que não é suficiente para o que almejamos.
Por que o século XXI precisa do comunismo?
Porque sentimos que o século XXI é aquele em que a mundialização capitalista será cada vez mais incapaz de responder aos desafios mundiais. Vemos isso com o desafio ecológico e a necessidade de inventar um outro tipo de desenvolvimento. Vemos com a imigração e o mundo capitalista que quer a circulação desenfreada do capital, que é incapaz de gerir a circulação humana no planeta. Vemos isso com a explosão das desigualdades. Vemos isso com a democracia, que se torna cada vez mais insuportável nesse mundo da mundialização econômico-financeira e de regimes autoritários. As tendências autoritárias se desenvolvem em todos os grandes países do mundo capitalista. O poder de Macron, no seu exercício, é cada vez mais autoritário. Então, há muitos grandes desafios da humanidade no século XXI aos quais será necessário responder com a cooperação mundial, que se torna insuportável para o capitalismo. Eu acredito que o século XXI é o século em que vai se colocar a questão de um outro modelo de desenvolvimento. Eu creio que o comunismo, que foi a antecipação dessa ultrapassagem na sua origem, com Marx, é uma ideia que mantém uma profunda modernidade, à condição de pensar o comunismo do século XXI, voltado à democracia, a um novo modelo de desenvolvimento econômico e às liberdades individuais, que fracassaram na experiência do século XX.
Por que você diz que o presidencialismo leva ao desaparecimento do Partido Comunista
e não do Partido Socialista, por exemplo?
O Partido Socialista está hoje vivendo as consequências. Porque, primeiramente, a presidencialização foi introduzida por De Gaulle (presidente da França entre 1959 e 1969), em 1958 (data da eleição), para obter um poder pessoal. Esse poder pessoal se apoiava sobre a personalidade de De Gaulle, adquirida no combate da resistência. Mas ele mesmo manteve um equilíbrio entre a eleição presidencial e um regime parlamentar. Na época de De Gaulle, a eleição presidencial e a eleição parlamentar eram em dois momentos políticos distintos e a legitimidade dos dois coexistia. Progressivamente, nossas instituições evoluíram para um regime ultra-presidencialista, que marginaliza as eleições legislativas. As duas eleições foram quase fundidas em uma só, dando primazia à eleição presidencial. De modo que a eleição presidencial é a única em que os franceses votam massivamente, enquanto a taxa de participação nas eleições legislativas caiu 30% em 15 anos. E na eleição presidencial, o ênfase é dado para alguns candidatos, representantes das forças mais dominantes. Então é uma eleição que pouco a pouco foi eliminando grande parte do pluralismo político nacional. Os comunistas, não somos a única força política nesse caso. De fato, sofremos particularmente nessa eleição e da escolha de não apresentar um candidato, mas apoiar um outro por uma questão de unidade. No longo prazo, essa presidencialização cada vez mais forte contribuiu para apagar o Partido Comunista, ainda que nos mantenhamos uma força sempre presente no parlamento.
Enquanto jornalista, tendo passado pelo jornal L’Humanité , percebe a relação entre a mídia francesa e a esquerda?
A paisagem midiática francesa hoje é mais do que dominada pelos grupos financeiros. A quase totalidade dos grupos midiáticos é propriedade do mercado financeiro e o espaço do serviço público diminuiu. E essa comunicação pública copiou em muito o modelo privado e fornece hoje uma informação que, infelizmente, se distingue muito pouco da informação fornecida pela grande mídia privada. Felizmente a presença de forças de esquerda numerosas e uma esquerda social e política ativa faz com que uma parte importante da profissão – eu não falo dos proprietários, mas dos jornalistas – sejam marcados pelas ideias da esquerda. Podemos dizer que há uma presença das ideias de esquerda na mídia e uma dominação esmagadora da palavra dos grandes interesses financeiros. Então há um déficit de pluralismo no nível das ideias, sobretudo em relação aos grandes temas econômicos e sociais, que é gritante na França, contra o qual poucos veículos conseguem rivalizar. Há o L’Humanité, que continua exercendo na vida política, cultural e intelectual francesa. E depois, há a mídia alternativa que começou a se construir na internet, mas tudo isso é irrisório à dominação dos interesses privados no mundo midiático. De acordo com seu discurso, entendo que não seja coincidência que no Brasil o cenário seja muito parecido em relação a um parlamento que é muito conservador e não representativo da pluralidade da população, e uma mídia completamente dominada por uma concepção de direita. Eu acredito que é uma tendência mundial. Na mundialização capitalista, o poder financeiro tratou de controlar o poder midiático, de concentrá-lo. Ele trata de reduzir muito os espaços plurais democráticos, de enfraquecer as instituições democráticas. E essa tendência que conduz ao final a poderes cada vez mais autoritários. E as democracias cada vez mais distorcidas. E a Europa que sempre foi apresentada como refúgio da paz, dos direitos humanos, da democracia, já não parece em nada com isso. Há um número preocupante de países europeus que são hoje controlados por forças ultrarreacionárias, governos de extrema direita. Do ponto de vista da liberdade e da democracia, a Europa de hoje tem a mesma situação preocupante que conhecemos em outros continentes. Eu penso que a mundialização capitalista criou um mundo ultra-desigual. E uma concentração de riquezas em pouquíssimas mãos. Não é à toa que se fale em 1% que controla tudo e 99% que vive para sustentar esse poder. E para isso, é preciso limitar o poder de intervenção democrática da imensa maioria da população. Não é à toa que, no Brasil, a ofensiva contra as forças democráticas, as forças de esquerda, visem impedir sua livre expressão e inclusive sua possibilidade de disputar eleições. O veredito democrático amedronta o poder oligárquico no mundo. A batalha democrática se tornou uma grande batalha mundial. E há grupos de informação econômica de grande influência, notadamente os GAFA (Google, Apple, Facebook, Amazon), que têm um projeto de sociedade pós-democrática, de um mundo gerido pelo poder tecnológica à serviço de grandes proprietários. Vemos como a batalha pela liberdade na internet, o controle de dados, é uma batalha mundial.
Como você avalia o projeto contra a pobreza anunciado por Emmanuel Macron?
Ele ainda não existe. Ele anunciou diversas vezes. Mas ele nunca apresenta detalhes. Novamente, ele veio anunciar, mas para dizer que apresentará o projeto no outono. De um lado, porque Emmanuel Macron não quer mexer na distribuição da riqueza. E ele quer estimular os mais ricos, sob o argumento de que a proteção aos mais ricos vai atrair o desenvolvimento econômico do país. Não acreditamos nisso de forma alguma. A segunda questão, mais preocupante, é que ele quer colocar em xeque o sistema de proteção social, os serviços públicos, que protegem os mais frágeis. Então haverá um risco crescente de desestabilização. O governo fala em revisar as aposentadorias às mulheres cujos maridos morreram. Isso atingiria milhões de mulheres. A necessidade de luta contra a pobreza no nosso país é imensa porque ela se desenvolveu muito rapidamente nos últimos 20, 30 anos.
Estima-se que há em torno de 10 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza na França. Então é preciso um plano massivo. As medidas anunciadas por Macron são ridículas se considerada a amplitude do problema.
Por que você escreveu uma carta em apoio a Lula?
Porque nós vemos que a situação de Lula é um sequestro político para impedi-lo de ser presidente da República. A engrenagem que foi montada num primeiro tempo com o golpe de Estado institucional contra Dilma Rousseff visava, no longo prazo, a impedir Lula de se candidatar de novo às eleições presidenciais. Havia a vontade de desmoralizar uma alternativa de esquerda no Brasil. Acreditamos que isso é insuportável, do ponto de vista da
democracia, porque os que substituíram Dilma mostraram a falência de seu poder, o estado de corrupção no qual de novo vão afundar o país. Se Lula for impedido de disputar, poderemos ver a extrema direita assumir o poder. Nossa solidariedade foi imediata e tínhamos uma responsabilidade particular na França. A mídia francesa acompanhou a campanha de descrédito contra Dilma sem nenhum distanciamento dos argumentos que eram usados por Temer e os seus. Depois, Temer revelou o que é. Hoje, na França, há um silêncio estarrecedor
em torno da situação escandalosa de Lula.
Por quê?
Porque os meios dirigentes franceses estão bastante constrangidos por essa situação. Eles não querem questionar o meio econômico brasileiro; é preciso não questionar os interesses americanos nessa imensa batalha. Vemos a grande descrição, para ser eufemista, da mídia francesa, que era bastante falante no momento da campanha contra Dilma. Há muitos dirigentes de primeiro escalão que trabalharam com Lula, que não apenas não podem
acusá-lo, como também sabem o que devem a ele em momentos importantes para o mundo, como quando foi necessário resistir à tentação dos Estados Unidos de fazer guerra, quando precisou-se sobre o problema do desenvolvimento da pobreza, quando precisou-se impulsionar a questão do trabalho e do meio ambiente. Mas eles não têm coragem de reivindicar sua liberdade. Por isso é preciso que as forças democráticas francesas ajam, assumam sua responsabilidade. Por isso estamos tão engajados na campanha de apoio a Lula.
O ex-presidente François Hollande também assinou uma carta de apoio ao
ex-presidente Lula. Por outro lado, ele esteve no Brasil durante o impeachment de
Dilma Rousseff e os Jogos Olímpicos no Rio e nada disse sobre o processo que estava em
curso. Por quê, na sua visão?
Muito típico da hipocrisia da qual são capazes os dirigentes franceses. Vemos isso infelizmente em relação ao Brasil, hoje na relação mais que ambígua com a Turquia, com um poder que não denuncia jamais os atentados graves à democracia na Turquia para preservar outros interesses, econômicos, geopolíticos. Vemos também a relação ambígua entre Macron e Trump na qual o presidente francês, lamentando algumas de suas posições, tenta se mostrar amigo de Donald Trump, como se fosse possível brincar na cena internacional com uma política perigosa para a paz mundial. Eu creio que os meios econômico e político franceses são muito prisioneiros das alianças internacionais, da OTAN, dos acordos pro-Atlântico. A França tem dificuldades de ter uma palavra forte e independente. Na situação perigosa do mundo atual, a França precisa de uma palavra forte e independente para denunciar o que acontece com Lula.
As forças políticas francesas estão fazendo essa denúncia de modo suficiente?
Não. Eu espero que encontremos em setembro uma forma de impulsionar essa campanha. Da nossa parte, utilizaremos a Festa da Humanidade como uma tribuna para fazer esse combate. Em relação à gravidade da situação e do escândalo de manter em detenção Lula, de todos os episódios judiciários contraditórios que mostram o vazio do processo que o acusa…
Como o último episódio do Habeas Corpus?
O julgamento contraditório dos tribunais mostra o clima deletério que reina no sistema judiciário brasileiro. Precisamos ampliar essa campanha, com força à medida que se aproximam as eleições brasileiras.
Quais são as estratégias utilizadas para o Partido Comunista Francês se renovar?
Só uma coisa pra completar a questão anterior. Para nós, é muito importante fazer esse combate porque a batalha que se faz no Brasil continua de um modo geral na América Latina. A onda de vitórias de governos de esquerda na América Latina provocou também uma onda de esperança na Europa. Eu me lembro muito bem como as forças de esquerda latino-americanas, durante uma das minhas viagens à América Latina, que nos levaram a querer que a onda de esperança se transformasse em força política na Europa, sentiam vir a contra-ofensiva. Hoje, vemos bem como a batalha é dura e contraditória; a vitória no México da esquerda, os esforços para impedir o progresso da esquerda na Colômbia, no Brasil. O que é certo é que a esquerda latino-americana e a europeia estão ligadas no que tange o combate para encontrar uma via suficientemente forte. Que outras estratégias aplicamos? Mais força ao combate internacionalista. Precisamos encontrar uma nova via internacionalista de progresso no mundo. A situação da democracia nos diferentes países, a situação dos migrantes na Europa completamente indigna, as preocupações ambientais no planeta, a preocupação crescente do retorno da guerra como arma de gestão da crise pelas forças capitalistas, como vemos com Trump. Tudo isso deve dar mais importância ao combate internacionalista. Eu penso que essa dimensão do nosso combate é necessária para devolver a esperança aos trabalhadores dos nossos países. Em seguida, precisamos conduzir esse
trabalho na Europa, para não abandonar a Europa à onda xenófoba e nacionalista e é um perigo novamente muito grande. E é preciso reencontrar a proximidade com o trabalhador porque a crise da mundialização capitalista arruina o trabalho, divide as pessoas, as precariza. Nós temos um trabalho de unidade no mundo trabalhador a reconstruir. Vivemos demais os frutos adquiridos pelas batalhas dos nossos antepassados. Hoje é preciso retomar o trabalho na defesa dos direitos dos trabalhadores, tanto dos mais pobres quanto dos mais qualificados e tecer muito mais solidariedade no quotidiano de luta.
Inclusive com a classe média?
Sim, claro. Porque todos os assalariados, desde o mais pobre até os setores médios e intelectualizados, mais qualificados, são hoje atingidos pela precarização do trabalho. Vemos na França como os salários despencaram em pouquíssimo tempo para nivelar todo mundo por baixo, rumo à desqualificação. A desqualificação massiva (incluindo os trabalhadores qualificados) é uma arma de dumpingsocial. Então, é preciso reconstruir a unidade em todos os níveis, um desafio importante para o Partido Comunista. Porque é preciso reconstruir a
base política desse unidade.
Pode haver novos ventos para a esquerda com o resultado de Obrador no México e da
esquerda na Costa Rica, que venceu com um discurso pró-LGBT?
Eu espero. O que me preocupa é a contra-ofensiva organizada pelas forças de direita e pelos americanos no continente inteiro para conter o progresso da esquerda política. Ela não conseguiu parar a onda de vitórias possíveis. A vitória no México mostra que, no fundo, a onda que permitiu a esquerda no poder durante duas décadas não parou. Ela é contrariada de maneira muito dura e violenta pelas forças contrárias, mas ela está sempre aí, poderosa, no que acontece no México, na Costa Rica, na Colômbia, mesmo se a esquerda não ganhou. Ela atingiu um nível ao qual ela jamais chegou. Há também o perigo, a desestabilização, a situação na Nicarágua, a situação difícil no Brasil, situação complicada no Equador. Estamos num momento de afrontamento muito forte. E eu penso que é tão importante que as forças democráticas europeias sejam solidárias. Não podemos nos solidarizar apenas quando há vitórias; é preciso também saber estar junto no momento difícil.
Falando em vitória, é uma contradição que Macron, que recusou receber o navio
Aquarius, que apresentou um projeto de lei de imigração mais restritiva, esteja
beijando uma equipe com tantos jogadores de origem estrangeira?
Trata-se de uma clara contradição. Essa seleção e a que ganhou em 1998, como o futebol na França em geral, é o símbolo da pluralidade, das forças que existem nos bairros mais populares, porque todos esses jogadores vêm de bairros populares. Mas mais do que chorar ou reclamar da recuperação política que alguns tentam, as pessoas não são bobas. Precisa-se olhar o que acontece na França, ao redor dessa vitória. Reivindicar, reforçar a fraternidade como um princípio reivindicado e assumido da República Francesa. Acaba de haver um julgamento inédito sobre os imigrantes, um julgamento inesperado da Corte Constitucional, que consagrou de maneira jurídica o princípio da fraternidade, que faz parte dos princípios da República Francesa mas que jamais teve de fato aplicação jurídica relevante. Pela primeira vez, para denunciar a tentativa do governo de criminalizar a solidariedade – o que chamamos de “crime de solidariedade” – a escolha de um cidadão de ajudar um imigrante em dificuldade. O Conselho Constitucional deu valor jurídico e constitucional a esse princípio. Ao menos que a vitória da equipe da França sirva para reconfortar o princípio da fraternidade na República Francesa.
Você acredita que essa vitória pode ir além do esporte?
Sempre é difícil supervalorizar as coisas assim. Eu acho que o momento de união que nós conhecemos no momento dessa vitória consolida valores que são fortes na sociedade francesa, que são contrabalançados pela política governamental, como a gente viu com a lei asilo e imigração, que é uma lei restritiva bastante escandalosa, mas esses valores permanecem fortes entre a população francesa. Eu acho que essa vitória pode reforçar isso. Ela reforçara certamente as exigências de igualdade nos bairros populares mais esquecidos da
República. Macron não pode um dia exaltar essa seleção da França e no dia seguinte fazer como se os bairros de onde eles vêm não existissem. Então, será necessário relembrar constantemente o dever da fraternidade e da igualdade, mas isso continuará sendo uma batalha.