Por Gustavo Gollo, publicado em Jornal GGN –
Recordemos também que a identificação do suspeito foi propiciada pelo vídeo em que o matador aparece praticando tiro ao alvo, entregue à polícia por um informante.
Recapitulemos. Logo no primeiro momento após o crime, ao chegar no local, tendo reconhecido a assinatura inequívoca dos assassinos, os policiais trataram de dispensar as testemunhas que, em vista de tal omissão, só voltaram a ser encontradas posteriormente.
A farsa na internet começou a ocorrer logo em seguida, quando a notícia da execução tomou a rede, chegando a tornar-se a busca mais procurada no google mundial, disparando o lançamento de sucessivas cortinas de fumaça sobre o caso, que agora resultam em um imbróglio considerável.
A primeira cortina de fumaça consistiu no protagonismo das fake news, transformadas, de imediato, na questão central do caso, de acordo com a Globo e demais meios de comunicação. Por mais de um mês, enquanto o mundo inteiro desejava com avidez informações sobre o assassinato, os meios de comunicação comerciais centravam a profusão de notícias sobre o assunto em considerações em torno das fake news, promovendo dessa maneira o abafamento do caso, enquanto nenhuma novidade sobre o andamento das investigações era anunciada.
Surgiu, então, a revelação de que a arma do crime, ao contrário do divulgado anteriormente, havia sido uma submetralhadora do tipo utilizado usualmente por policiais do BOPE e raramente por outros.
Em resposta à suspeita óbvia lançada sobre policiais, a Globo tratou de espargir nova cortina de fumaça, inventando uma suposta testemunha. Analisada com atenção, a “testemunha chave”, como passou logo a ser chamada, não havia testemunhado nada, o que não impediu que a Globo desse enorme destaque a sua história sem pé nem cabeça.
Se o leitor procurar referências jornalísticas a tal testemunha, encontrará inúmeras, mas dificilmente encontrará seu nome, ou mesmo sua caracterização, o que pode parecer aceitável dada a necessidade de proteção de testemunhas. Tratava-se, no entanto, de um policial/miliciano cujo depoimento embora levantasse meramente umas suspeitas etéreas sobre os acusados – tratava-se de conversa ouvida quase um ano antes do crime –, consistia em uma confissão explícita de participação em uma milícia. Segundo o depoimento, o miliciano teria ouvido em um restaurante, de seus chefes milicianos, enquanto a serviço para eles, uns vitupérios supostamente dirigidos Marielle e apenas isso.
A denúncia do miliciano tinha por alvos seus antigos chefes, Orlando de Curicica e Marcello Siciliano que, em decorrência de tal denúncia, ocuparam as manchetes como supostos mandantes do crime, por vários meses.
Em setembro do ano passado, antes das eleições presidenciais, teve início uma forte pressão para que o inquérito saísse da alçada da polícia do RJ para se tornar responsabilidade da Polícia Federal. Decorridos, então, mais de 6 meses do crime, a federalização do caso parecia constituir uma tentativa de abafamento definitivo do caso, provavelmente era. Reiniciando uma investigação que já não havia dado em nada, após tão longo tempo, pareceria desculpável que novos investigadores não conseguissem solucionar o caso, repartindo uma responsabilidade que, de fato, não era deles. Ao mesmo tempo, os policiais que investigavam o caso no RJ garantiam estar fazendo avanços, obtendo resultados e exigindo a manutenção do sigilo das investigações para não atrapalhá-las.
Essa farsa policial durou até quase um ano depois do assassinato, quando foi apresentada uma suposta solução do crime. Em março desse ano, os policiais prenderam 2 acusados pelo crime, descobertos com base em uma denúncia efetuada em agosto.
A “solução” reduzia o número de criminosos a 2, embora tenham sido mostrados exaustivamente, anteriormente, 2 carros de tocaia e em perseguição ao de Marielle, antes do crime.
Na ocasião os policiais e procuradores do MP mostraram a imagem incriminatória do carro suspeito nas imediações da casa do suposto assassino afirmando-a em horário condizente com o crime, embora a imagem que confirmasse o fato apresentasse uma mancha a ocultar o horário da cena. Surpreendentemente, nenhum dos repórteres perguntou a razão da eliminação do horário incriminatório. Curiosamente, o vídeo da reportagem apresentada pela Globo mostrando esse fato foi retirado do site G1, sendo posto em seu lugar um outro vídeo que omite a burla policial.
Ao final de 2018, quando ainda não era claro o papel dos investigadores do RJ (isso é completamente absurdo, parece inacreditável, mas quase toda a polícia do RJ está mancomunada com as milícias, a facção criminosa que domina o estado) reiniciaram-se novas tentativas de federalização do caso. Nessa época, ainda se podia esperar que a longevidade das investigações fosse justificada por uma ampla investigação do crime organizado no estado que resultaria em dezenas, talvez centenas de prisões.
Milicianos sob investigação policial podem ser identificados pela nobilíssima deferência com que são tratados pelos meios de comunicação, fato constatado de imediato ao se comparar o tratamento dado pelos meios de comunicação ao ex-presidente Lula com o atribuído aos 2 acusados pelo assassinato de Marielle, cujo passado criminoso é sempre omitido. A mesma apreciação pode revelar os meios de comunicação conluiados à facção criminosa que se apossou do aparelho do estado, passando a utilizar polícia, judiciário e meios de comunicação como braços de seu poder.
O imbróglio
Auxiliados pela Globo e conscientes da força que isso representava, uns farsantes com pendões humorísticos resolveram chutar o pau da barraca e utilizar-se da Procuradoria Geral da República como picadeiro para uma fanfarronada com a qual levariam o inquérito para a alçada federal. A bufoneria foi iniciada com o soar de tambores anunciando a existência de fortíssimas denúncias sobre os investigadores e revelações sobre o assassinato.
As gravíssimas denúncias e revelações consistiam, de fato, na reapresentação do Escritório do Crime, notícia bombástica apresentada pela Globo coisa de um mês antes, e em seguida esquecida, transformada em tabu e silenciada por todos os meios de comunicação do país (episódio bizarro merecedor de longa análise).
A denúncia efetuada originalmente pelo Globo e logo esquecida, ganhava corpo, então, na voz do principal acusado do crime, preso havia um ano, cumprindo pena de detenção em Mossoró.
Como para coroar a comédia – que, caso bem sucedida resultaria em uma extraordinária demonstração de poder –, os pícaros resolveram apimentar a bufoneria, adicionando à denúncia do detento, a antiga denúncia de Ferreirinha, a “testemunha chave” que havia ligado o outro denunciante ao caso, transformando-o em suspeito. A informação de que se tratava de Ferreirinha foi longamente omitida, sendo mantido segredo sobre sua identidade, única precaução para encobrir a farsa.
O achincalhe foi defraudado pomposamente quando a Procuradoria Geral da República descobriu as gravíssimas denúncias descritas acima – a do denunciante e a do detento denunciado – para com elas iniciar uma investigação das investigações e pressionar a federalização do caso, exercendo papel absolutamente ridículo ao dar ouvidos à denúncia de um detento fora de ação havia muitos meses, tendo menosprezado a denúncia original quando apresentada pelo maior meio de comunicação do país, e apresentando tal denúncia junto à do acusador do denunciante.
Pode-se imaginar que a revelação da burla enfureceu a PGR, justificando a transformação da “testemunha chave” em acusado de atrapalhar as investigações, resultando na vingança perpetrada pela procuradora contra a trupe em seu último ato no cargo.
E foi assim que a investigação das investigações resultou na prisão dos próprios articuladores da investigação das investigações, transformando agora o suposto articulador da burla, o miliciano conselheiro de tribunal, em suposto mandante do crime. Tóin.
O imbróglio, no entanto é muito maior.
Lembremos que o denunciante do Escritório do Crime apresentou detalhes muito íntimos da operação, adicionando à informação do preço cobrado pelo assassinato, R$ 200 mil, um adendo sobre a cobrança posterior de um ágio decorrente da repercussão inusitada do crime.
Recordemos também que a identificação do suspeito foi propiciada pelo vídeo em que o matador aparece praticando tiro ao alvo, entregue à polícia por um informante.
Dada a naturalidade com que as milícias exercem suas atividades no estado do RJ – em conluio com polícia, judiciário e meios de comunicação que lhes dão amplo apoio permitindo que suas atividades sejam efetuadas publicamente e mantendo a discrição apenas em ocasiões especiais, como no caso de Marielle, em virtude da repercussão internacional sem precedentes alcançada pelo fato –, não seria espantoso que o denunciante do Escritório do Crime e outros informantes tenham revelado, de fato, e sem maiores pudores, os detalhes de um crime que em circunstâncias normais já teria sido profundamente enterrado pelas autoridades do estado e do país, simpatizantes confessos da facção das milícias.
Em vista de fortes suspeitas de que, se não o fizeram desde o início, as milícias tenham acabado por assumir o controle das investigações, dada a escassez e fragilidade dos resultados mostrados após um ano de investigações, e do inusitado período de sigilo que parece ter como propósito o acobertamento dos criminosos, é imprescindível a publicação imediata das conclusões do inquérito policial e de todo o resultado obtido em tão longo tempo.
Quanto à Globo, indicada a prêmio jornalístico por reportagem sobre o tema, que durante a maior parte do tempo pareceu empenhada em esfumaçar os fatos e encobrir os criminosos, resta-lhe a defesa de que tenha sido ela a apresentar as duas mais significativas denúncias relativas ao caso: a Franquia do Crime e o Escritório do Crime.
Leia também:
https://jornalggn.com.br/justica/conspiracao-1-o-escritorio-do-crime/
https://jornalggn.com.br/noticia/conspiracao-2-a-franquia-do-crime/