Por Dario Pignotti, para o Página/12, direto de Brasília, publicado em Carta Maior –
Segundo o chefe da política externa brasileira durante boa parte dos governos petistas, uma proscrição de Lula nas próximas eleições presidenciais teria ‘graves consequências’ no Brasil e também no resto da América Latina
“Se Lula for impedido de ser candidato estaremos diante de um fato que terá graves consequências no Brasil, e que possivelmente terá repercussão além das nossas fronteiras- Seria uma forma de agressão à democracia na América Latina”. Para o ex-chanceler Celso Amorim, o próximo 24 de janeiro, quando um tribunal de segunda instância decidirá o destino de Luiz Inácio Lula da Silva, começará a se desenhar um novo panorama político de uma região que terá seis eleições presidenciais neste 2018, uma delas no próprio Brasil.
“No caso de que o Tribunal Regional Federal 4 (TRF-4) tire Lula da disputa, o Brasil estará enviando um sinal negativo, sendo um país com um peso indiscutível, que repercute, para o bem e para o mal, nos países vizinhos”, pondera Amorim, o iniciar esta entrevista telefônica com o Página/12 na que analisou as “coincidências” entre o comportamento de vários juízes brasileiros e os interesses dos Estados Unidos revelados em documentos de inteligência vazados há alguns anos por Edward Snowden.
O futuro do ex-mandatário está nas mãos dos três desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre, que deverão se pronunciar sobre a condenação de 9 anos e meio de prisão ditada pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro. “Não quero fazer generalizações simplistas mas considero que Moro e outros magistrados estão usando seus cargos para perseguir dirigentes progressistas, entendo que isso também acontece na Argentina”.
No caso de que o TRF-4 ratifique a sentença, algo bastante provável, Lula corre o risco de ficar de fora das eleições de outubro, para a qual as pesquisas o apontam como maior favorito, dobrando as intenções de votos dos seus principais adversários, incluindo o militar retirado Jair Bolsonaro, que aparece em segundo lugar.
“Batalha” foi uma das palavras mais usadas pelo ex-chefe da política externa de Lula ao se referir às disputas nos campos político e diplomático para restabelecer a democracia. Como parte desse combate, Amorim lançou, junto a um grupo de intelectuais, o manifesto “Eleição sem Lula é Fraude”.
Página/12 – Para a opinião pública internacional, Lula é culpado ou inocente?
Celso Amorim – Creio que muitas pessoas bem informadas de todo o mundo estão perplexas com o que acontece no Brasil, percebem que as acusações a Lula são muito frágeis. Que o promotor encarregado da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao não ter provas, acusou Lula baseado em “convicções”. Posteriormente, o juiz Moro elaborou uma condenação igualmente frágil do ponto de visto jurídico, já que admite carecer de provas que relacionem Lula com a compra do apartamento que seria produto de uma manobra dolosa. No resto do mundo, estão compreendendo que este processo está cheio de arbitrariedades, que foi instrumentado para impedir que o povo eleja livremente o seu presidente nas eleições de outubro. O que está em jogo é a democracia, no Brasil se substituiu o golpe militar clássico dos Anos 60 e 70 por um golpe judicial-midiático. Estamos vendo o julgamento de 24 de janeiro dentro de um contexto maior, no qual há uma espécie de rolo-compressor da mídia e da Justiça, que parece pretender acabar com a política, e especialmente com a política progressista.
Página/12 – É possível que a pressão internacional influa nos desembargadores de Porto Alegre?
Celso Amorim – Não poderia dar uma resposta sobre como se comportarão os desembargadores, isso seria especular demais. Creio que eles vêm tomando conhecimento do apoio que teve o manifesto “Eleição sem Lula é Fraude”. Quando lançamos, eu esperava reunir até 4 mil assinaturas, e de repente vejo que isso se transforma num sucesso, uma adesão impressionante que consegue assinaturas de até cem países. Já estamos próximos das 170 mil, incluindo a de ex-presidentes como Cristina Fernández, José Mujica, Rafael Correa e Ernesto Samper, além do prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, o linguista norte-americano Noam Chomsky, o italiano Massimo D´Alema que é um personagem emblemático da esquerda democrática, o ex-presidente chileno Ricardo Lagos não assinou mas apoiou Lula nas redes sociais. A batalha do momento é a batalha pela democracia, e isso foi visto também por outros potenciais candidatos presidenciais no Brasil, possíveis adversários de Lula, como Manuela D´Ávila (do PC do Ba) e Aldo Rebelo (do PSB) que assinaram a petição.
Fora do Brasil, o país que deu mais apoio foi a Argentina, que já nos deu quase 17 mil assinaturas, e esperamos que continuem chegando mais, é um manifesto aberto a todos os cidadãos.
Página/12 – Paralelamente a isso, existe a causa aberta por Lula na ONU.
Celso Amorim – A ONU é uma organização muito ampla. Esse processo está sendo avaliado pelo Conselho de Direitos Humanos, e é seguido pelo advogado Geoffrey Robertson, reconhecido internacionalmente e que está relacionado com a falta de respeito às garantias de Lula. Não estou trabalhando neste tema diretamente, então não posso dar detalhes, mas entendo que o nosso manifesto pode ter algum tipo de impacto na ONU, porque teve apoio de pessoas respeitadas, e não podemos esquecer que o julgamento na ONU é jurídico e político.
Página/12 – O ano político brasileiro se iniciará dentro de duas semanas, com a decisão do TRF-4, e terminará em outubro ou novembro, durante as eleições. Se Lula for mesmo candidato e vencer, que consequências isso traria para a região?
Celso Amorim – Seria uma mudança geopolítica de grandes consequências. Há muitas coincidências entre os acontecimentos vistos em vários países da região, onde parece haver uma sintonia entre o poder econômico, grupos de inteligência, alguns juízes e meios de comunicação. O contágio de uma nova onda progressista pode ser similar ao que ocorreu nos Anos 80, quando a Argentina recuperou a democracia e isso impactou na transição brasileira. Se Lula retorna, isso pode ser benéfico para a Argentina, e aproveito este momento para expressar minha solidariedade com a presidenta Cristina Fernández de Kirchner, que também é vítima de uma série de perseguições, e ao meu amigo e ex-chanceler Héctor Timerman. Se Lula vence em outubro, e o México elege Andrés Manuel López Obrador (em julho), estaríamos falando de dois líderes progressistas em países com muito peso, essa possível onda progressista pode estar preocupando muito eles neste momento.
Página/12 – “Eles” seriam os Estados Unidos?
Celso Amorim – Não quero aderir automaticamente a interpretações conspirativas, mas tampouco podemos descartá-las. Por exemplo, vemos muitas coincidências que estão amplamente demonstradas, pelos documentos da NSA revelados por Edward Snowden mostrando que o alvo dos ataques era a presidenta Dilma Rousseff e a Petrobras. Os grampos ilegais do juiz Moro às conversas telefônicas de Dilma e Lula (em março de 2016) ao parecer contaram com apoio tecnológico de fora. São muitas coincidências. O golpe contra Dilma também foi um golpe geopolítico e geoeconômico, e os grupos que estiveram por trás desse plano são os que agora não querem que Lula volte. Não querem a Unasul, nem o Conselho de Defesa da Unasul, a CELAC. Não aceitam uma política externa que defenda a soberania.
Página/12 – Como definir a política externa de Michel Temer?
Celso Amorim – Eu diria que “soberania” é uma palavra esquecida pelo governo brasileiro, este é um dos aspectos mais característicos.
Isso se vê, por exemplo, na política para a Amazônia, ou no início das negociações para a venta da Embraer à Boeing, na política para a Petrobras, que já não é uma empresa a serviço do desenvolvimento do Brasil, suas novas autoridades só se preocupam pelo balanço de suas contas. Estão desmontando o sistema elétrico, estão desmontando o BNDES.
Página/12 – Donald Trump ameaçou atacar a Venezuela. É uma hipótese plausível?
Celso Amorim – Foi a primeira vez, desde a crise dos mísseis em Cuba de 1962, que um presidente norte-americano ameaça usar a força contra um país latino-americano, e isso deveria ser móvito para uma reunião da CELAC, mas ninguém a convoca porque nossos países estão sendo mais dóceis em sua relação com os Estados Unidos. Sobre a sua pergunta, eu diria que duvido muito que Trump use a força, mas suas declarações foram um estímulo perigoso para que outros sigam a via violenta contra a Venezuela. O preocupante deste caso é que a política externa brasileira afirma abertamente que “tem que tomar partido” a favor da oposição venezuelana, em vez de atuar como agente facilitador do diálogo entre as partes. Voltando a Trump, a verdade é que o presidente norte-americano não tem nenhum projeto definido, é a primeira vez desde a II Guerra Mundial que os Estados Unidos não têm um projeto mundial. Sempre tiveram, e muitas vezes estiveram equivocados, como na Guerra do Vietnã, mas ao menos havia uma linha. A falta desse programa por parte dos Estados Unidos é o que desencadeia a explosão de forças de direita, o racismo, a hostilidade para com os latinos, e agora contra os imigrantes salvadorenhos, além da ideia da construção de um muro entre esse país e o México.