Apenas 167 mil (12,59%) vivem em territórios quilombolas oficialmente delimitados; Região Nordeste tem a maior população quilombola
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Na foto: Recenseador do IBGE entrevista moradora de comunidade quilombola no estado do Rio: população quilombola do Brasil passa de 1,3 milhão de pessoas (Foto: Márcio Costa/Agência IBGE Notícias)
Grande novidade do Censo Demográfico 2022, a população quilombola residente no Brasil, contada pela primeira vez, é de 1.327.802 pessoas, correspondendo a 0,65% da população. A Região Nordeste concentra a maior quantidade de pessoas quilombolas com 905.415 quilombolas, correspondendo a 68,19% do total da população quilombola no país. Em seguida, vem a Região Sudeste, com 182.305 pessoas, e a Região Norte, 166.069 pessoas, juntas elas respondem 26,24% da população quilombola. As regiões Centro-Oeste e Sul têm 44.957 e 29.056 pessoas, respectivamente – somadas responsáveis por 5,57% da população quilombola.
Apesar de o Brasil ter realizado seu primeiro Censo em 1872, só no levantamento do ano passado, a população quilombola foi recenseada pela primeira vez. Os agentes do IBGE visitaram todas as localidades e comunidades do país: mapeamento prévio identificou 5.972 localidades quilombolas e 2.308 agrupamentos quilombolas – aqueles em que há 15 ou mais pessoas residindo em um ou mais domicílios próximos. Entretanto, há apenas 494 territórios quilombolas com alguma delimitação formal no país: nestes territórios, moram 167.202 pessoas quilombolas – 12,59% da população quilombola. Mais de 1 milhão de pessoas quilombolas – 1.160.600 (87,41%) – vivem fora de áreas formalmente delimitadas e reconhecidas.
O Censo Demográfico 2022, para abordar as características dessa população, inseriu nos questionários as perguntas ‘Você se considera quilombola?’ e ‘Qual o nome da sua comunidade?’ A investigação dessa temática contou com o apoio das lideranças comunitárias quilombolas de todo o país, que atuaram no apoio ao mapeamento das comunidades e como guias para os recenseadores.
A publicação ‘Brasil Quilombola: Quantos somos, onde estamos?’ foi lançada, nesta quinta-feira (27/07), na sede do IBGE, no Rio. “Além de fornecer um panorama inédito da distribuição da população quilombola no território brasileiro, o IBGE, com o lançamento desta publicação, apresenta um conjunto de informações básicas até então desconhecidas sobre os totais de pessoas desse grupo étnico residentes no País, em diferentes níveis geográficos e recortes territoriais”, escreveu o presidente substituto do IBGE, Cimar Azeredo Pereira, na apresentação da publicação.
Bahia é o estado com mais quilombolas
A distribuição da população quilombola pelas Unidades da Federação aponta que, em valores absolutos, a Bahia é o estado com maior população quilombola – 397.059 pessoas, 29,90% da população quilombola recenseada no Brasil. Em seguida, vem o Maranhão com 269.074 pessoas quilombolas, o que corresponde a 20,26% da população quilombola recenseada. Os dois estados concentram 50,17% da população quilombola do país. Completam a lista das cinco unidades federativas com maior população quilombola Minas Gerais (135.310), Pará (135.033) e Pernambuco (78.827). Nsses cinco estados, vivem 76,46% das pessoas quilombolas identificadas pelo Censo. Não houve registro de quilombolas em apenas dois estados (Acre e Roraima).
Os estados do Maranhão (3,97%), Bahia (2,81%), Amapá (1,71%), Pará (1,66%), Sergipe (1,27%), Alagoas (1,21%), Piauí (0,97%), Pernambuco (0,87%), Tocantins (0,85%), Rio Grande do Norte (0,68%) e Minas Gerais (0,66%) apresentam proporções de pessoas quilombolas no total de população residente superior ao percentual nacional (0,65%).
O Censo Demográfico 2022 registrou a presença de população quilombola em 1.696 municípios de todo o país. A publicação do IBGE destaca que 55 municípios brasileiros têm mais de cinco mil pessoas quilombolas residentes; em 277 municípios, residem entre mil e até cinco mil pessoas quilombolas. Senhor do Bonfim, no sertão da Bahia, destaca-se por ser o município com a maior quantidade absoluta de pessoas quilombolas recenseadas (15.999), seguido por Salvador (15.897), Alcântara, no litoral maranhense (15.616), e Januária, no norte de Minas (15 mil). Na análise pela proporção de pessoas quilombolas, Alcântara é o município que se destaca com 84,57% de sua população declarada quilombola. Os municípios de Berilo (MG), Cavalcante (GO), Serrano do Maranhão (MA) e Bonito (BA) têm mais de 50% de população quilombola.
O IBGE também fez o recorte por domicílio: do universo de 72,4 milhões domicílios particulares permanentes ocupados recenseados no Brasil, 473.970 têm pelo menos um morador quilombola, correspondendo a 0,65% dos domicílios – mesmo percentual de total de pessoas quilombolas na população residente no Brasil. Ao analisar a média de moradores em domicílios particulares ocupados onde reside pelo menos uma pessoa quilombola, que é de 3,17 para Brasil, os pesquisadores do instituto verificaram que ela está acima da média de moradores em domicílios particulares ocupados no país, que é de 2,79 pessoas. “Ao mesmo tempo, são quilombolas 88,15% dos moradores em domicílios particulares ocupados onde reside pelo menos uma pessoa quilombola, denotando que a população quilombola reside em domicílios com menos heterogeneidade étnica entre os moradores”, destaca a publicação do IBGE.
Poucos territórios oficialmente delimitados
Os primeiros resultados do Censo 2022 também permitem conhecer o quantitativo de população residente nos Territórios Quilombolas oficialmente delimitados, como também a distribuição de população quilombola nesses territórios. No universo das pessoas quilombolas residentes no país, as pessoas localizadas em Territórios Quilombolas oficialmente delimitados representam 12,59% da população quilombola – de modo que 1.160.600 (87,41%) pessoas quilombolas encontram-se fora de áreas formalmente delimitadas e reconhecidas.
O IBGE identificou – até o ano passado quando o Censo foi realizado – 494 territórios quilombolas com alguma delimitação: 147 com titulação (documentação expedida pelo Incra), 82 com decreto de desapropriação por interesse social, 72 com portaria de reconhecimento de seus limites, 137 com Relatório Técnico de Delimitação e Identificação e (RTDI), primeiro passo formal para a titulação, 40 com estudo técnico de limites feito por órgãos estaduais, e 16 com delimitação formal oficial mas sem providências adicionais no processo.
O Conaq – Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – vem organizando uma mobilização nacional para destravar os processos parados no governo federal. A entidade acompanhou e ajudou no censo dos quilombolas e cobra mais celeridade do Governo Lula, apesar de admitir que alguns processos de titulação estão avançando. “Com Bolsonaro, passamos por uma restrição de direitos muito grande, havia uma determinação clara de não demarcar território quilombola. Esperamos que, com Lula, essas condições mudem”, disse Biko Rodrigues, diretor da Conaq, em entrevista à agência Amazônia Real em junho.
A publicação ‘Brasil Quilombola: Quantos somos, onde estamos?’ destaca que os Territórios Quilombolas oficialmente delimitados abrigam a população residente de 203.518 pessoas: 167.202 quilombolas (82,16%) e 36 316 (17,84%) não quilombolas. A maior participação da população quilombola residente nos territórios em relação ao total da população quilombola residente em Territórios oficialmente delimitados no país é da Região Nordeste, onde estão 89.350 pessoas (53,44%) quilombolas nessa situação, seguida da Região Norte, com 52.012 (31,11%) e da Região Sudeste, com 14.796 (8,85%)
Os maiores percentuais de população quilombola residente em territórios oficialmente delimitados do total de pessoas quilombolas são encontrados na Região Norte, onde 31,32% (52.012) residem nessas áreas, seguida da Região Centro-Oeste com 16,03% (7.208) e da Região Sul, com 13,20% (3.836).
Entre as Unidades da Federação, as maiores concentrações de pessoas quilombolas fora de Territórios Quilombolas oficialmente delimitados estão na Bahia (376.306 pessoas), no Maranhão (240.030), e em Minas Gerais (130.734). A publicação aponta que” a soma dos quantitativos de pessoas quilombolas fora de territórios quilombolas na Bahia e no Maranhão (616.336) é superior à soma das pessoas quilombolas nessa mesma situação em todas as demais Unidades da Federação (544.264)”.
A análise proporcional indica que os estados com quantitativos percentuais mais elevados de população quilombola em territórios delimitados são Amazonas (45,43%), Sergipe (45,24%) e Mato Grosso do Sul (44,97%). Os percentuais mais baixos de população quilombola em territórios quilombolas estão em Alagoas, com 1,83% (691), em Minas Gerais, com 3,38 (4.576) e na Bahia, com 5,23% (20.753).
A publicação do IBGE destaca ainda que “a análise da população residente nos Territórios Quilombolas indica grande disparidade em relação à presença de não quilombolas nos territórios segundo as Unidades da Federação”. Os estados com maior presença de não quilombolas nos territórios oficialmente delimitados são a Paraíba, com 51,58% (3.108), o Espírito Santo, com 45,09% (2.288) e o Rio Grande do Sul com 41,99% (1.888). Os menores percentuais são encontrados no Piauí, com 3,50% (305), em Rondônia, com 4,33% (10) e o Rio Grande do Norte com 5,17% (188).
Os resultados do Censo Demográfico 2022 permitem ainda avaliar a população residente e a população quilombola em cada Território Quilombola oficialmente delimitado. Essa análise revela que os mais populosos são o território de Alcântara (MA), com 9.855 pessoas, o território de Alto Itacuruçá, Baixo Itacuruçá, Bom Remédio (PA), com 5.718, e o território Igarapé Preto, Baixinha, Panpelônia, Teófilo (PA), com 5.342 pessoas. Aqueles com maiores populações quilombolas são o território de Alcântara, no Maranhão, com 9.344 pessoas, seguido pelo território Alto Itacuruçá, Baixo Itacuruçá, Bom Remédio, no Pará, com 5.638, e o território Lagoas, no Piauí, com 5.042 quilombolas
Em 326 municípios, foram recenseadas pessoas quilombolas residentes nos territórios oficialmente delimitados – o maior número foi encontrado em Alcântara/MA (9.868 pessoas), em Abaetetuba/PA (7.528) e em Oriximiná/PA (4.830). População quilombola residente fora de Territórios Quilombolas oficialmente delimitadas está presente em 1.655 Municípios, com maiores concentrações em Januária/MG (15 mil pessoas), Salvador/BA (14.727) e Senhor do Bonfim (13.652).
Quando o Censo considera apenas os Territórios Quilombolas oficialmente delimitados com status fundiário de titulado (147 em 2022), o mais avançado do processo de regularização fundiária, tem-se o quantitativo de 62 859 pessoas residentes, sendo 57 442 (91,38%) quilombolas e 5 417 não quilombolas (8,61%). “Verificou-se que 1.270.360 (95,67%) das pessoas quilombolas estão localizadas fora de Territórios Quilombolas titulados, o que significa que o quantitativo de pessoas que obtiveram os títulos definitivos de suas terras no âmbito do processo formal de regularização fundiária é de 4,33% do tota”l.