O centro morreu de morte matada
Por Willian Novaes, compartilhado da Revista Fórum
O centro não respira mais. O centro de São Paulo parece a população brasileira no início da pandemia da covid-19. Morre a cada dia, sem esperança, sem planos, sem foco e sem vontade de cuidar de quem é pago para fazer esse papel. O centro está morto, e parece que está em decomposição. As ruas cinzas, abandonadas e sujas.
As praças e calçadas se transformaram em acampamentos de pessoas doentes e que são alvos de todos. Espancadas diariamente, apanham pela ganância, pelo cinismo, pelo caos; e agora também são maltratadas pelos comerciantes raivosos que pensam no seu lucro, no seu bolso, no seu negócio, muitas vezes sem recolher impostos ou taxas de importação; e por um passe de mágica sobrevivem aos olhos de quem não enxerga a lei.
O centro não vive mais, os turistas sumiram, o comércio local perdeu o encanto, os pontos famosos estão fechando a cada dia, as pessoas e os trabalhadores andam com as mãos nas suas carteiras, nas bolsas com os olhos frustrados, com medo do ataque, do roubo, do furto e de tudo de ruim que acontece sem o policiamento de quem deveria proteger e resguardar. O centro morreu de morte matada, mesmo nos últimos 30 anos. Aquele fim cruel, trágico, forte, chegou. Nas ruas encontramos lápides e mais recados de um tempo que não volta mais. Lápides óbvias da especulação, do liberalismo, do descartado, ALUGA-SE ou VENDE-SE. Será que vendem o velho centro?
Claro que não! Vendem a alma, mas a morte do centro foi encomendada por quem quer um lugar lindo e maravilhoso morto e sepultado, não por vontade, tipo o João matou o José por isso e aquilo.
O centro foi aniquilado por inanição. Não deram comida social, proteção pública, dignidade única; não deram nada, apenas o descaso e o descompromisso. As ruas, que parecem aterros sanitários em cruzamentos que já foram utópicos, famosos, centrais de uma nação que acreditava no seu futuro, na sua ascensão, no seu prestígio.
O centro é a parte obscura do capitalismo, da crueldade financeira, do descarte de quem não se encaixa na máquina de moer gente do liberalismo mundial. O centro, que tanto ocupa espaço na minha vida, parece um ente querido sepultado sem cerimônia. Lembra os mortos da minha infância que morriam seis vezes, ao serem esquecidos sob um sol de rachar e fazer os seus cheiros empestearem o quarteirão.https://f1e06f256193c59650a6c6b254f6265d.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html?n=0
O centro tem esse cheiro da morte, do enxofre, da crueldade e do desprezo. O centro parece aquele refluxo que corta a sua garganta e faz você sentir o gosto da sua podridão. O centro, em julho de 2022, está morto, e quem cuida ainda não quer enterrar, precisa expor as vísceras para servir de exemplo para o resto de uma cidade que morre toda hora, principalmente a parte negra, jovem e periférica dos cantos e guetos de São Paulo.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum