Certezas

Compartilhe:

Por Claudio Lovato, jornalista e escritor

Eu me lembro quando ele me disse pela primeira vez:




“Você não vai ser um zagueiro que só sabe dar chutão”.

Eu me lembro como se fosse hoje. Eu tinha chegado havia pouco tempo da minha cidade, para jogar na base do clube.

“Eu vou te ensinar como cercar os caras, por trás. Só cercar, sem fazer falta, e roubar a bola na hora certa, ou fazer o cara jogar a bola pela lateral”.

Eu tinha dezesseis anos quando o conheci.

“Eu vou te mostrar como é que se faz para ir reduzindo a distância do atacante quando ele estiver vindo com a bola para cima de você e você estiver correndo de costas. Vou te mostrar como é que se faz para dar o bote na hora certa”.

E ele me ensinou mesmo. Ele me ensinou isso e mais um monte de coisas que me ajudaram a chegar onde cheguei.

Ele me adotou. Foi meu pai no futebol e não só no futebol.

Quando subi para os profissionais, ele era o técnico, já tinha deixado as categorias de base fazia algum tempo. No meu primeiro dia com os profissionais, ele me disse:

“Eu não falei que você conseguia?”

Eu tinha dezoito anos.

Ele me exigiu aquilo que eu achava que não conseguiria fazer. Cheguei um dia a achar que ele estava de sacanagem comigo, que na verdade não gostava de mim, quase brigamos, brigamos. Mas passamos por isso, e o tempo passou, fiquei no clube mais três anos, depois fui jogar na Itália, na Inglaterra e na Alemanha, onde fiquei por doze anos, até encerrar a minha carreira.

Eu me lembro de tudo, e agora, olhando para ele dentro desse caixão, me lembro de tudo com uma nitidez ainda maior, nunca esteve tão claro para mim o quanto ele foi importante na minha vida, o quando devo a ele.

Ele me dizia:

“Você não vai dar porrada. Você vai ser zagueiro de tirar a bola na boa e sair jogando”.

E dizia:

“Eu não tive ajuda. Mas você vai ter. A minha”.

E eu ouvia tudo o que ele me dizia, tentava absorver ao máximo as palavras dele. Acho que ele não se decepcionou comigo, espero que não.

Muita coisa que ele me disse eu tento transmitir hoje para o meu garoto. Ele está na base do clube. Quer ser zagueiro. Mas eu não sei se ele ouve. Não sei se ele acha que precisa ouvir. Ele sempre tem uma respotsa do tipo:

“Isso eu já sei”.

Ele acha que sabe tudo. Eu espero que meu filho se dê bem. Mas não tenho certeza. Aquela certeza que o cara que foi meu pai no futebol e em muito mais que isso, e que agora está dento deste caixão, tinha em relação a mim.

A certeza que ele tinha ou que me fez acreditar que tinha.

O Bem Blogado precisa de você para melhor informar você

Há sete anos, diariamente, levamos até você as mais importantes notícias e análises sobre os principais acontecimentos.

Recentemente, reestruturamos nosso layout a fim de facilitar a leitura e o entendimento dos textos apresentados.
Para dar continuidade e manter o site no ar, com qualidade e independência, dependemos do suporte financeiro de você, leitor, uma vez que os anúncios automáticos não cobrem nossos custos.
Para colaborar faça um PIX no valor que julgar justo.

Chave do Pix: bemblogado@gmail.com

Tags

Compartilhe:

Posts Populares
Categorias