Chacina de Pau D’Arco: juiz ignora morte e ameaças

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Do Blog do Marcelo Auler –  

Ao recusar prorrogar a prisão temporária dos 13 policiais – onze militares e dois civis – suspeitos de assassinarem dez agricultores (entre eles, uma mulher), em 24 de maio, na Fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, no sul do Pará, o juiz substituto na comarca, Jun Kubota, da Vara Criminal do município de Redenção (PA), ainda em estágio probatório, desprezou os riscos que a investigação e testemunhas correm com os suspeitos em liberdade. Não se preocupou, sequer, em estabelecer medidas cautelares como a proibição desses policiais circularem na região, onde moram ou trabalham testemunhas do caso, entre os quais alguns colegas de farda dos suspeitos.




Kubota, na decisão, alegou que o representante do Ministério Público, ao solicitarem a prorrogação da prisão temporária que inicialmente foi decretada 10 de julho, “não apresentou, até o presente momento, fato hábil que confira plausibilidade à extrema e comprovada necessidade da prorrogação da prisão temporária, motivo pelo qual seu deferimento violaria a expressa norma de regência. Ademais, não há elementos que apontem pela inexistência de outros meios disponíveis de investigação e de que os requeridos em liberdade comprometerão a colheita de informações e indícios, vez que todos os representados foram afastados da função pública“.

Ao que parece ele ignorou que três dias antes de o titular da Vara, juiz Haroldo Silva da Fonseca, decretar a prisão temporária dos 13 policiais, entre os quais o coronel Carlos Kened Gonçalves de Souza e o tenente Rômulo Neves de Azevedo, uma das testemunhas do caso, o agricultor Rosenilton Pereira de Almeida, foi assassinado. Morreu no município de Rio Maria, a 70 km ao norte de Redenção, com quatro tiros, disparados por dois homens em uma moto. Ou seja, características típicas de execução.

A vítima, segundo informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), liderava um grupo de camponeses que voltou a ocupar a fazenda Santa Lúcia, quinze dias antes de ser assassinado. Por isso, para o CPT e outras entidades envolvidas na questão, como a ONG Justiça Global, essa morte é tratada como a 11ª da Chacina de Pau D’Arco.

Juiz Jun Kubota

Além da execução de Rosenilton, no sul do Pará há outros relatos de tentativa de interferência nas investigações, daquela que é considerada a segunda maior chacina envolvendo conflitos agrários. Perde apenas para a de Eldorado do Carajás (19 mortos, em abril de 1996).

Até colegas de farda que estiveram na Fazenda Santa Lúcia, no dia da chacina, mas não participaram dos assassinatos, sofreram pressões. Foram visitados em suas casas por colegas suspeitos ou emissários dos mesmos na tentativa de que não depusessem. Como eles, familiares e amigos das vítimas, além de outras testemunhas, receiam, a partir de agora, por suas vidas. Na cidade, sabe-se da vigília feita na porta da Polícia Federal de Redenção para identificação dos que foram prestar depoimento na investigação.

A legislação vigente – Lei nº 7.960/1989 (que dispõe sobre prisões temporárias) e a Lei nº 8.072/1990 (de crimes hediondos) – autoriza a prorrogação das prisões temporárias para a conclusão das investigações e o possível pedido de prisão preventiva. Mas o juiz considerou que “não basta a prova da materialidade e autoria do crime, devendo ser demonstrada a necessidade da medida para fins de investigação. Da mesma forma, a gravidade dos crimes investigados também não é fundamento suficiente para a decretação da medida (de prisão)”. 

Decisão do juiz Jun Kubota libertando os policiais presos

Certamente surgirá a discussão se o Ministério Público deveria ter pedido prisão preventiva dos policiais no lugar da prorrogação da prisão temporária. Criminalistas entendem que seria mais adequado. Como se verifica na definição dos dois institutos no portal do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a prisão preventiva, “sem prazo pré-definido, pode ser decretada em qualquer fase da investigação policial ou da ação penal, quando houver indícios que liguem o suspeito ao delito”.

Ela em geral é pedida para proteger o inquérito ou processo, a ordem pública ou econômica ou a aplicação da lei. É vista como necessária para evitar que réu atrapalhe o andamento do processo, por meio de ameaças a testemunhas ou destruição de provas, e impossibilite sua fuga, o que garantirá que a pena imposta pela sentença seja cumprida.

Ao mesmo tempo, porém, ela encurtaria o prazo que do MP apresentar uma denúncia. Ou seja, obrigaria uma maior agilidade dos promotores e policiais na investigação.

Muito embora já tenham indícios que permitiram pedir a prisão dos envolvidos, os promotores do caso – Alfredo Amorim e Leonardo Cardoso – dependem de mais elementos para apresentarem uma denúncia, como explicou Cardoso. Por isso, entenderam que seria razoável pedir a prorrogação da prisão temporária, ganhando mais 30 dias nas investigações.

Enterro das vítimas, foto reprodução TV LiberalJá temos noção de quem participou, mas o trabalho maior é individualizar ao máximo a conduta de cada um. E também não limitar a investigação aos  executores. Precisamos identificar os mandantes. Sobre eles, temos indícios, mas é preciso aprofundar a investigação para não entrar com denúncia sem justa causa“, acrescentou Cardoso.

Os dois recorreram da decisão que libertou os suspeitos tanto ao próprio juiz, com um recurso extraordinário, como ao Tribunal de Justiça, em Belém, com um mandado de segurança. Esperam reverte-la para aprofundarem as investigações. Sem a modificação da decisão, Cardoso entende que será mais difícil contar com a colaboração das testemunhas, por conta do medo.

“Temos diversas testemunhas que apenas falaram após a prisão temporária. As investigações caminharam muito após isso. A soltura dos acusados certamente afetará o nosso trabalho”, concluiu.

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