Che Guevara em São João da Boa Vista

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Por Luís Nassif em Jornal GGN –

 Quando Che apareceu, minhas tias Martha e Rosita vibraram:

– Olha lá, é filho do dr. Guevara.




Dr. Guevara, no caso, era um arquiteto de Rosário, vizinho e amigo do vô Luiz Nassif, que não conheci e de quem herdei o nome. Aliás, o nome ocidental porque no Líbano era Slaib.

Creio que Che nasceu depois que vô Luiz já tinha se mudado de Rosário. Vó Carmen, linda, 20 ou 30 anos mais moça, pegou tuberculose e a família se mudou para Quilmes, estância climática na Grande Buenos Aires, enquanto os negócios se instalaram na rua Dois Sargentos, perto do recém-inaugurado Porto Madero.

Naquele início de Revolução Cubana, os feitos de Fidel e sua turma eram enaltecidos inclusive pela imprensa ocidental. Quando mudou o regime, mudou o julgamento.

Che morreu em plena Semana do Clássico do Instituto Coronel Cristiano Osório de Oliveira, de São João da Boa Vista, organizada pela professora de filosofia, Ana Olga, doce figura.

E aqui um pequeno parêntesis para contar minha história com São João.

Quando passei para o 2o Ano Científico, no Colégio Marista de Poços de Caldas, os padres definiram que, caso não houvesse até 15 alunos matriculados, não abririam a turma.

Em janeiro, a pedido do meu pai, o Monsenhor Trajano Barroco me admitiu como estagiário no Diário de Poços de Caldas, o único diário da cidade, no período de férias. Substituí o amigo José Roberto da Silva que tinha se mudado para São Paulo.

Na verdade, era o estagiário e único redator do jornal. Na linotipo havia o Milton, grande poeta. E na reportagem policial o Moleque César, que gostava de inventar grandes criminosos, seguindo o exemplo da imprensa de São Paulo e Rio.

Irmão Gonçalves Xavier é o do meioQuando fui me matricular no Marista, recebi o aviso. Publiquei no jornal, tentando apressar as novas matrículas. Não se completou a quantidade mínima e ficamos sem o 2o Científico.

No primeiro dia de aula, o novo reitor, irmão Gonçalves Xavier, um dos Maristas mais ilustres do país, foi de sala em sala dizendo que a culpa pelo fim do 2o científico fora de um aluno que divulgara boatos espantando as novas matrículas.

Fui aos dois programas de rádio da União Municipal dos Estudantes (UME), desanquei o reitor e, na semana seguinte, os dois programas foram encerrados pelas rádios Cultura e Difusora.

Nos anos 90, o irmão Gonçalves marcou um encontro com ex-alunos em Poços e me convidou. Mandou perguntar se me lembrava da briga com ele. Claro, a primeira briga jornalística a gente nunca esquece. Infelizmente, fiquei doente e não pude ir ao encontro.

Aí meu pai entrou em cena, foi até São João e pediu para sua amiga, dona Adélia, arrumar vagas para os poços caldenses órfãos, já que o único segundo grau alternativo era no curso de química da Maçonaria.

Lá fomos nós, vinte poços caldenses viajando diariamente de ônibus para estudar em São João. A bem da verdade, o colégio estadual era de melhor nível que o dos Maristas.

Com pouco tempo de escola, morreu a diretora e cargo passou a ser disputado por dona Adélia e dona Lurdinha, esposa do respeitado advogado Wolgran Teixeira, do PDC, de Ágias da Prata, e pai do brilhante deputado Paulo Teixeira.

CREATOR: gd-jpeg v1.0 (using IJG JPEG v62), default qualityNão sei porque, cargas d’água, entrei na disputa e acabei ajudando a organizar uma greve de apoio a dona Adélia. Ela acabou escolhida e, por algum tempo, me senti o rei da cocada preta. Um dia ela me flagrou na sua sala, comendo o lanche do recreio e deixando migalhas da sua mesa. Ela implicou comigo pelo resto do curso. A bem da verdade, com razão. E a implicância ganhou conotação politica após o 2o Festival de Música de São João.

Parei o curso de clássico no primeiro semestre e retornei no ano seguinte para o 2o científico. Aproveitei o período de férias forçadas para começar a compor. Fiz paródias para o bispo, para a professora de inglês, de francês, de história e ganhei algum espaço nas rodas musicais da cidade.

Depois, veio o 2o Festival de Música de São João. O primeiro tinha sido vencido pelo Sérgio Assad. Coloquei várias músicas no 2o, classifiquei cinco para a final.

Minha preferida era uma música ao estilo Geraldo Vandré, a “Serpentina”, denunciando o controle de natalidade das missões americanas no nordeste, usando para tal o DIU (Dispositivo Intra Uterino) mais conhecido por serpentina.

“Mãe, proteja o filho / que se aproxima o inimigo/ Mãe, lá vem o perigo / não se renda desarmada / use a foice e a enxada / Parabelum, carabina / que quem mata, além da fome / tem mais nome: é serpentina”.

“Serpentina” tirou o 4o lugar. Não me conformei, embora tivesse tirado o 1o, com “Penúltima” e o 2o com “Retirada”, também sobre severinos. E desanquei o júri, em um atrevimento típico de um adolescente imaturo. A bem da verdade, o júri estava certo, mas naqueles tempos de ebulição, a emoção falou mais alto.

Ali, aumentou a implicância da dona Adélia comigo.

Pois estávamos naquela situação, quando Che morre. Ora, uma das tarefas da Semana do Clássico era montar um mural com notícias da semana. E a notícia que dominou todos os jornais foi a morte do Che.

Para incrementar o mural, resolvemos inovar e colocar na parede cartões postais da Rússia! Isso, da Rússia!

E aqui se faz mais um parêntesis para contar a história do inesquecível Cido.

Cido era irmão mais novo dos donos do cartório de São João, família ligada ao PC e do cartório de onde saíram várias certidões de nascimento falsas, que ajudaram a mudar a identidade e a salvar a vida de muitos militantes. Ou muito me engano, ou até Dilma Roussef – que tinha uma tia em Aguaí – andou se beneficiando da solidariedade do cartório.

Com o golpe, o PC de São João perdeu contato com a União Soviética. Os irmãos decidiram, então, enviar Cido para lá.

Cido era homossexual assumido, ferino, divertidíssimo, que criava lendas sobre todos e até sobre minha ida a São João, especialmente depois que as paródias me tornaram mais conhecido.

Meu pai tinha muitos parentes em São João, das famílias Cesar, Marun, Salomão, Constantino e Gebara. Juro que um dia ainda vou entender o entrelaçamento de todas elas. Um dos primos, o Ademir era emérito jogador de basquete e grande agitador político, pelo que me disseram na época. Não o conhecia pessoalmente. A família toda era ligada ao Partidão.

Os Gebara se mudaram de São João pouco antes de eu chegar por lá. Ademir foi estudar História e, depois, Educação Física na PUC. O boateiro do Cido espalhou que o Partidão tinha me enviado a São João para substituir o primo Ademir, que até então só conhecia dos Jogos Abertos de Poços, jogando pelo time de São João. E, politicamente, o máximo a que me aventurara, até então, era militar na JEC (Juventude Estudantil Católica).

Imagine a minha emoção quando Zé Lopes, farmacêutico e partidão, me chamou na sua farmácia, me levou até a sala de injeção e me deu um pacote misterioso e a recomendação:

– Abra só na casa da sua sogra.

Fui na maior emoção, abri, e eram revistas de turismo promovendo a Rússia.

Aliás, nos 50 anos da Revolução Russa, encontrei um Zé Lopes arrasado:

– Cheguei para minha esposa e lhe perguntei: o que você prefere? Assistir ao vivo as comemorações dos 50 anos da Revolução Comunista, em Moscou, ou um Fusca Zero? E ela preferiu o Fusca Zero.

Bom, o Cido fez um périplo para chegar na Rússia. Veio a São Paulo e foi submetido a uma avaliação por Gian Francisco Guarnieri, o teatrólogo. Depois, viajou até o Uruguai para, de lá, ir para a Rússia. Tudo no maior segredo.

Chegando lá, não esqueceu os amigos são-joanenses. Enviou cartões postais para todos, comprometendo meia São João. E voltou correndo porque esqueceu de levar agasalho e o frio o derrubou com uma pneumonia das brabas.

Eram justamente seus cartões postais que colocamos no mural sobre a morte do Che.

O pau comeu solto. Imediatamente dona Adélia ordenou o fechamento da Sala, falou em subversão e coisas do gênero, deixando Ana Olga desesperada. Afinal, estávamos nas vésperas do AI5, com o clima político, o patrulhamento e a intolerância lembrando em muito os tempos atuais.

Foi curioso ver a reação da sociedade são-joanense. De repente, de queridinhos dos festivais e das rodadas, dos encontros de jovens, viramos os proscritos. Amigos atravessavam a rua para não cruzar com os nossos.

No final do ano veio o castigo. Dona Adélia conseguiu dar bomba a todos do grupo. Repeti por meio ponto em inglês, o João Kleber em latim, o Paulo de Aguaí, que meramente nos acompanhava nas partidas de pebolim, em alguma outra matéria.

Mas resistimos bravamente por mais dois anos. Mas aí é outra história.

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