‘Chega de forjados’: protesto cobra justiça para prisões sem provas de jovens negros em SP

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Por Jeniffer Mendonça, compartilhado de Ponto Jornalismo – 

Organizado pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, ato pede absolvições de Joel Junior, condenado com base em reconhecimento irregular, e Leandro Pires, acusado de tráfico de drogas com base apenas na palavra de PMs

Lucineide Nascimento, 53, é mãe de Joel Junior, 21, preso há cinco meses | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Domingo tem sido o pior dia da semana para a auxiliar de limpeza Lucinea dos Santos Nascimento, 53 anos. “A gente fazia questão de esperar todo mundo chegar em casa para almoçar junto, agradecer a Deus pela vida e pela refeição. Mas como fazer isso quando você recebe a carta de um filho que diz que está com fome?”, pergunta.




Há cinco meses, o filho de Lucinea está preso. Joel Rodrigues do Nascimento Junior, 21, foi condenado, há dez dias, a cinco anos e quatro meses de prisão, acusado de ter roubado uma moto que estava estacionada na rua onde mora. Ele foi reconhecido de forma irregular pelas vítimas do roubo, em junho de 2019. Enfrentando o desemprego, a família sofre com a falta de recursos para enviar comida a Joel — alegando riscos por causa da pandemia de coronavírus, o governo João Doria proibiu a entrega presencial de alimentos e permite apenas a entrega pelos correios, que pesa muito no bolso das famílias —, que nas cartas à família reclama de passar fome na prisão.

Ainda sem acreditar que o filho foi condenado, Lucinea, familiares e moradores da região de Vila Clara, na periferia da zona sul de São Paulo, realizaram neste domingo (29/11) um protesto no local onde Joel foi preso.

Organizado pela Rede de Proteção e Resistência Contra o Genocídio, o ato fechou o cruzamento das ruas Baldomero Fernandez e Rolindo Curti com faixas e gritos pedindo “justiça”, “paz” e “chega de forjados”. Por pelo menos duas horas, das 15h às 17h, os manifestantes bloquearam a via, mesmo embaixo de chuva.

A irmã de Joel, Kauiny Pereira Nascimento, 23, conta que estava com ele no dia em que foi preso, em junho de 2019. “A gente viu dois caras descendo com uma moto e estacionou ela na porta da casa do vizinho. Estava tocando um alarme bem alto de ‘seu veículo está sendo roubado’”, lembra.

Lucineide mostra foto com o filho Joel | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

Como o veículo roubado estava na frente da garagem da residência, ela afirma que o irmão foi ajudar o vizinho, que é motoboy, que estava chegando de moto com a companheira para entrar dentro de casa. Kauiny enfatiza que o irmão nem chegou a encostar na motocicleta roubada. “A gente viu uma viatura passando e até tentou chamar os policiais e eles não vieram. Depois, veio uma viatura e abordou meu irmão, falando para sair de perto, me chamando de ‘favelada’, ‘zé povinho’, ‘sai de perto desse bandido’”, prossegue.

Joel foi levado para o 26º DP (Sacomã), onde foi reconhecido pelo casal que teve o veículo roubado. Segundo a família, ele foi colocado sozinho na sala e no boletim de ocorrência não há detalhes de como foi feito esse reconhecimento. “Não fizeram aquela regra de colocar várias pessoas”, critica Kauiny, referindo-se a uma norma presente no artigo 226 do Código de Processo Penal.

Manifestantes fecharam o cruzamento das ruas Baldomero Fernandez e Rolindo Curti com faixas e gritos pedindo “justiça”, “paz” e “chega de forjados” | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

A mãe de Joel, Lucinea, emocionada, declarou que os casos não podem ficar impunes e ser aceitos como normal. “A gente tá sendo condenado pela cor da nossa pele. São cinco meses sem ver meu filho, todo domingo para mim é uma tortura. Só uma mãe negra da periferia sabe o desafio que é criar uma família sozinha”, desabafa. “Eu vou lutar até o fim, até ver meu filho de novo dentro dessa casa”.

‘Foi difícil contar a meu filho que fui preso’

Um dos presentes, o feirante Leandro Martin Pires, 22, também é um dos casos lembrados pelo protesto. Ele também mora no mesmo bairro de Joel e afirma que casos como as prisões deles são frequentes na região. “A gente pede justiça por todos. Eu passei um dia preso inocente e não desejo isso para pior pessoa no mundo”, aponta.

Leandro Pires foi preso em setembro sob alegação de tráfico de drogas com base apenas na palavra de PMs | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

O feirante conta que, em 25 de setembro, estava saindo para comprar tomates para fazer vinagrete quando foi abordado pelos policiais. “Eu deixei as sacolas na casa da minha sogra, porque a gente ia fazer a festa de aniversário do meu filho, e quando eu estava retornando para casa, vi a viatura e parei. Eles [os PMs] me abordaram dizendo que estavam fazendo uma operação e que estavam procurando um cara parecido comigo”, conta.

Com base apenas na palavra dos policiais, Leandro ficou um dia preso. Na audiência de custódia, a juíza considerou que, por não tem antecedentes criminais e morar em residência fixa, poderia responder ao processo em liberdade. Os policiais alegaram que o feirante seria dono de uma pochete azul com 44 invólucros de cocaína, 98 invólucros de crack e 118 invólucros de maconha, encontrada atrás de uma roseira.

“É muita injustiça. Foi muito difícil contar para o meu filho de quatro anos que eu fui preso. Eu estava com todas as notas das compras que eu fiz no bolso, do salão que a gente alugou e não acreditaram”, desabafa.

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