‘Chegaremos a 500 mil mortos em julho’, diz Arthur Chioro

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Por Camila ALvarenga, compartilhado de Ópera Mundi – 

Para ex-ministro da Saúde, gestão da covid-19 no Brasil é uma ‘incompetência’ que ‘tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro’; assista entrevista na íntegra

No programa 20Minutos desta segunda-feira (15/03), o fundador de Opera Mundi, Breno Altman, entrevistou o médico sanitarista e ex-ministro da Saúde Arthur Chioro, que lamentou a forma como o presidente Jair Bolsonaro está conduzindo a pandemia do novo coronavírus no Brasil.

“O Brasil, hoje, lidera as estatísticas em número de casos. Nos transformamos no epicentro da preocupação das entidades sanitárias pela situação de descontrole que vivemos”, afirmou.

Atualmente, são 278 mil mortos em decorrência da covid-19. Com cerca de 2,7% da população mundial, o país concentra 10,5% dos casos com óbitos. “Se não revertermos essa brutal taxa de crescimento, em julho, chegaremos à marca catastrófica de 500 mil mortos”, cravou o médico.

Ele explicou que para que haja uma proteção coletiva, conferida pela vacina, é necessária uma cobertura vacinal de pelo menos 70% do público alvo, o que exclui gestantes, lactantes e menores de 18 anos. “No ritmo atual, chegaremos a isso só no segundo semestre de 2022, o que nos deixa reféns ao surgimento de novas variantes”, disse.

Ainda não se sabe exatamente como as vacinas respondem às variantes, nem por quanto tempo elas protegem os vacinados, sendo necessárias doses de reforço. O cenário, ´porém, é otimista: “Elas não necessariamente protegem dos casos mais leves, mas esse nunca foi o forte das vacinas. Sempre foi a proteção contra casos graves e fatais que, ao parecer, continuam fazendo mesmo contra outras variantes”, reforçou Chioro.

O médico também ressaltou a importância da adoção de medidas não medicamentosas no combate ao vírus, como isolamento social, uso obrigatório de máscaras, trabalho à distância e a adoção de medidas de higiene. O ex-ministro citou como exemplo os Estados Unidos.

 

No dia 8 de janeiro de 2021, o país registrou o número mais alto de casos em 24 horas desde o início da pandemia: mais de 300 mil. Em 20 de janeiro, Joe Biden assumiu a Presidência. Como consequência, em 14 de março, o número de casos registrados em 24 horas já havia caído para 38 mil. “Essa queda não se explica só pela vacinação. É resultado da nova condução da política de saúde de Biden”, apontou.

Voltando para o Brasil, Chioro afirma que “se tivéssemos feito nossa lição de casa” desde o ano passado, “teríamos nos deparado com 44 mil mortos, segundo previsões. Um quadro já bastante desafiador. Se não fizéssemos, superaríamos um milhão de mortos. Estamos em 278 mil e caminhamos a passos largos para atingir 500 mil óbitos no meio do ano. É um quadro trágico e totalmente desnecessário”.

‘Condução incompetente da pandemia é deliberada, é uma pulsão pela morte’

Para Chioro, o culpado pela situação do Brasil é o presidente. “O governo é incompetente e incapaz, mas isso é deliberado. É uma ação deliberada de condução da pandemia. É uma pulsão pela morte e esse crime tem nome e sobrenome: Jair Bolsonaro”, afirmou.

Ele explicou que o Brasil teve oportunidades de evitar a crise sanitária que hoje enfrenta, mas as desperdiçou.

“Dinamitamos a nossa diplomacia na saúde global. O Brasil tinha prioridade na Covax [Fundo de Acesso para Vacinas covid-19 da OMS], podia ter pedido até 30% das vacinas do fundo. Pediu o mínimo, 10%, e sem prioridade. Esses 20% que deixamos de fora eram o suficiente para vacinar toda a população idosa do país, que é de cerca de 17%, e todo o pessoal da saúde, que é 3%”, argumentou.




Chioro também criticou a estratégia de apostar em apenas uma vacina, a da empresa britânica AstraZeneca, e a disputa que está sendo travada entre o presidente e os governos estaduais, cada qual com sua iniciativa de vacinação. “Além de que se o Brasil entrar agora na fila para comprar vacina de outras empresas, existem outros contratos de outros governos que estariam à frente do nosso”, disse.

Ele acredita ser muito difícil antecipar a chegada de 70% de taxa de vacinação. Se tudo for feito corretamente daqui em diante, o médico sanitarista afirmou que em março do ano que vem poderíamos atingir a meta, mas que se os mesmos erros continuarem a ser cometidos, pode demorar mais ainda do que o previsto para que isso aconteça.

Para ele, a única alternativa é conseguir as vacinas que vão sobrar dos EUA, do Canadá e da Espanha para acelerar o processo de vacinação. Esses três países, por exemplo, compraram muito mais vacinas do que o necessário, “porque naquele momento, quando não se sabia quem ia conseguir ultrapassar a fase três dos testes, de segurança e eficácia, o bom senso era estabelecer o maior número de contratos”, justificou. O excesso será provavelmente doado à Organização Mundial da Saúde, “e aí o Brasil precisa reatar a disposição de participar da OMS para consegui-las”. Ou o Brasil poderia entrar em negociação direta com esses países.

“O argumento é que nós somos o epicentro. Se o resto do mundo controlar a pandemia e nós não, seguiremos sendo um perigo para o mundo. Mas tudo isso dependeria de ter um governo competente”, disse.

‘Sem o SUS, estaríamos vivendo a barbárie’

Apesar do pessimismo, Chioro celebrou o Sistema Único de Saúde (SUS) e instituições públicas como a Fiocruz e o Instituto Butantã, principais responsáveis pela campanha de vacinação, sobretudo no Estado de São Paulo.

“A despeito de todas as dificuldades, o SUS mostrou o quanto é imprescindível para a vida. É um marco de proteção à vida. Sem o SUS, estaríamos vivendo a barbárie”, ressaltou.

Para ele, contudo, o sistema de saúde é mal aproveitado. Atualmente, faltam medicamentos para induzir intubações, falta oxigênio e equipamentos médicos hospitalares. “E o SUS tem um poder de compra fantástico, mas que está sendo mal aproveitado”, apontou Chioro.

Ele também pontuou que o complexo industrial da saúde vem sendo desmantelado desde o governo Temer, o que impede que a própria indústria brasileira abasteça hospitais e unidades básicas de saúde com os equipamentos necessários. “Uma máscara IMR95 está custando 440% a mais do que antes de começar a pandemia. Essa inflação acumulada se dá porque dependemos do mercado internacional”, afirmou.

Para o ex-ministro, a soberania nacional passa também pela autossuficiência de um sistema de saúde universal. Por isso, o SUS precisaria ser aperfeiçoado, contando com mais financiamento. O sanitarista defende que até 6% do PIB seja utilizado para a área da saúde, o que significaria dobrar o atual orçamento na área.

O investimento necessário se conseguiria, segundo Chioro, com a taxação de grandes fortunas, taxar produtos nocivos à saúde, como agrotóxicos e alimentos ultra processados; e recompor os royalties conseguidos pela exploração do petróleo. E, ao melhorar o sistema, reconstruindo a relação de subordinação dos planos privados ao sistema público, se atrairia a classe média.

“Não significa que precisamos acabar com o sistema privado. A essa altura, nem acho possível. Mas então o setor privado deve estar sob gestão do sistema público e todos devem contribuir com o SUS. Quem quiser ter um plano de saúde abdica do sistema público, porque aí forçamos todo o mundo a usar o SUS, e então ele vai ter qualidade. Não podemos deixar só os setores mais fragilizados da sociedade lutando por ele”, defendeu.

O ex-ministro fez questão de reforçar que o fato de existirem planos de saúde privados não significam que eles sejam melhores do que o SUS. Em muitos casos, são até piores, o que força a população a fazer um uso híbrido.

“Se a gente estivesse começando do zero, podia ser tudo público, mas como a gente tem uma rede privada, acho besteira desconsiderá-la e gastar com estatização. Existe a ideia de que investir em saúde é muito caro e não é. Dá para fazer um modelo de transição que não deixe ninguém de fora. A pandemia mostrou a importância da saúde e da ciência”, argumentou.

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