Chico Buarque datado e com prazo de validade: Sempre e Eterno

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Por João Tavares,  jornalista, especial para o Bem Blogado

O malandro está na praça outra vez. Chico Buarque entregou ao respeitável público um novo CD. Acrobata das palavras, escafandrista de dicionários, equilibrista de rimas, malabarista de sonhos, arquiteto de construções estilísticas inimagináveis e mágico de fazer aparecer coelhos e cartolas onde nem mesas existem, Chico, felizmente, foi aclamado, mas não teve a burra unanimidade. Óbvio, palhaços também existem aos magotes no circo Brasil, daqueles que preferem o ‘não ouvi, não gostei’.




São nove canções – duas recentes e sete recentíssimas. Com letras, músicas e arranjos variados, elas contam uma historinha “assim de viés’. Uma canção não existe sem a outra, uma puxa a outra e o CD tem uma unidade na diversidade de temas abordados. A propósito, em quase cinco centenas de canções criadas ao longo de profícua carreira, Chico consegue a proeza e vence o desafio de não se repetir. Jamais caiu na tentação de buscar o caminho mais fácil e nunca fez uma ‘Banda II’, uma segunda ‘Quem Te Viu e Quem Te Vê’, um novo ‘Apesar de Você’, uma repetição do ‘Vai Passar’ ou uma nova abordagem de ‘Sinhá’.

caravanas chicoO que não impede que ‘As Caravanas’ trace um paralelo com ‘Subúrbio’; que ‘Desaforos’remeta a recente ‘Injuriado’ ou a já distante ‘Jorge Maravilha’; que a ‘Moça do Sonho’ seja parente distante de ‘Essa Moça Tá Diferente’; que ‘Casualmente’ dialogue com a quase inédita‘Maravilha’ e que o ‘Blues para Bia’ liberte o tempo interditado para ‘Bárbara’ e realize enfim a utopia de ‘Mar e Lua’.

A armadilha do autor para pegar incautos tremeluz na fogueira das avaliações apressadas. Um exemplo clássico é deixar-se ludibriar com o ilusório título de ‘Jogo de Bola’ e crer ser esta apenas mais uma canção sobre o apaixonante esporte bretão. Com uma magistral ‘folha seca’, Chico ultrapassa a barreira dos sentidos e faz um golaço no ângulo ao falar da vida, nesse momento de individualismos exacerbados, de exibicionismos exagerados, de ‘leis de Gersons’ revistas e ampliadas.

Ao usar o linguajar do futebol, Chico vai além das quatro linhas e parte para cima dos adversários fazendo uma bem humorada reflexão aonde a velha filosofia de botequim (‘Salve o jogar bonito; O não ganhar no grito: A simpatia quase amor”) serve como mote para defender o fairplay  e ‘não perder a linha’ ‘mesmo quando o bicho pega’.

O lendário Puskas (o craque húngaro, ídolo dos dois polos da guerra fria e que virou botão, hoje concentrado em uma velha caixa de Catupiry guardada na imaginação de Chico) é citado em magistral trocadilho (“Outrora, quando em priscas eras; Um Puskas eras; A fera das feras da esfera”). O Barcelona também é lembrado pelo vistoso, mas enfadonho, ‘’tique-taque’ de Guardiola, mas que será sempre salvo pelo ‘lance de craque do centroavante’.

Chico fala do jogo da vida, através do futebol, no momento em que os juízes brasileiros procuram um protagonismo que deveria ser dos times e dos jogadores. Vivemos um tempo em que os juízes trocam os apitos por microfones, os cartões amarelo e vermelho por autógrafos e selfies e vazam previamente as súmulas para os programas de maior audiência.

E não há ranço, mágoa ou revolta, apenas constatação por parte de Chico. Seja da necessidade de assimilar as derrotas “mesmo quando a guria vai embora antes do apito final”. Mas a esperança (para o futebol e para a vida) “é ver rolar a bola nos pés de um moleque; É ver o próprio tempo num relance; E sorrir por dentro”. Uma recatada forma de apostar na esperança.

Aliás, ‘devia o tempo de criança ir se arrastando até escoar, pó a pó, num relógio de areia, o areal de ‘Massarandupió’, suplica Chico na canção com seu mais jovem parceiro, Chico Brown, seu neto. Em ‘Dueto’ Clara Buarque renova a canção, atualiza a letra e revigora o coração do vovô.

Por fim, por ser realmente menos importante, a polêmica em torno de ‘Tua Cantiga’ já nasceu superada. Confundir autor com obra é um erro mais primário que bater um pênalti com as mãos.

​Chamar Chico de machista é tão verdadeiro quanto esse gol ser validado. No mais, os que acreditam e chamam Chico de datado acertaram. Chico Buarque de Holanda, com estas nove novas canções provou novamente ser datado e ter prazo de validade: Seu dia é hoje, seu tempo é sempre, seu prazo é eterno.

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