Alguém já pode ter falado do novo livro do Chico Buarque, mas como nós do blog não vimos, consideramos esta como a primeira resenha da mais nova obra do grande músico e escritor. João Tavares é jornalista, amigo do Chico e tem uma grande alma.
E andando assim de viés Chico vai alternando livro, CD, show e DVD sem perder a qualidade, a autenticidade e a atualidade de sua prolífica obra. Acima de tudo Chico alia prazer com dever. Vive do seu trabalho (sim, prezados coxinhas, compor e escrever é um trabalho). Faz o que gosta, na hora que quer, com rigor profissional e sempre faz bem.
Como já foi amplamente informado “O Irmão Alemão” remete a história do filho que o historiador Sérgio Buarque de Hollanda teve na Alemanha quando de sua passagem por lá no final dos anos 20, cerca de oito anos antes do casamento dele com Maria Amélia Buarque de Hollanda – mãe de Chico e de seus seis irmãos brasileiros. Em raras e curtas entrevistas, ao longo dos últimos anos, Chico já havia se referido a este meio-irmão alemão. Sabe-se também que ele ouviu falar do assunto pela primeira vez em uma conversa informal com Vinícius de Morais e Manuel Bandeira, amigos de longa data de seu pai.
Mas Chico vai driblar muito leitor desavisado e muito crítico literário acomodado com seu novo livro. “O Irmão Alemão” é uma obra de ficção baseada em memórias – e não em fatos – reais. E já que os poetas/escritores como os cegos podem ver na escuridão, Chico abre o baú de suas lembranças e entre as vividas, as distorcidas e as inventadas cria uma deliciosa armadilha para surpreender, capturar e seduzir quem quer que se aventure pelas 200 páginas do seu novo livro.
Tudo no livro é ficção, com exceção aos fatos que virão embaralhados pela prosa do grande escritor. E tudo no livro é real se mergulharmos nele como num passeio por um fragmento de história pessoal que serve apenas como belo pretexto para lançar luzes sobre o século XX. Um século que ainda não terminou (perdão, Hobsbawm), a medida que ele faz parte da vida e da lembrança de muitos que viveram ou se lembram dele como um tempo de delicadezas ou de tenebrosas transações.
Chico escreve um romance sobre ‘a busca da verdade e dos afetos’, resume laconicamente a editora antes do lançamento. ‘O Irmão Alemão’ é bem mais que isso. Escrito com requintes estéticos que agradarão a dilmistas e aecistas (menos os iletrados, claro) o livro não é uma obra datada, panfletária ou paroquial. Sua temática por trás dos fatos narrados é universal. Em um mundo envolto em alta tecnologia e já com uma geração nascida em 3D e 4G Chico destila poesia em uma prosa onde ainda existem valores que não são mensurados em Wall Street ou negociados na Bolsa de Valores.
A busca por descobrir a verdade, o rumo e o fim de uma história a partir de fragmentos de um fio da meada leva Chico – e o leitor – a uma viagem num tempo da delicadeza. O compromisso de contar essa história, interferindo em destinos então pré-definidos, faz da obra uma extensão da vida. E ao brincar com a vida, mudando o seu curso e o seu percurso, Chico prova que Deus escreve certo por linhas tortas através das mãos e das ações de cada um. Um gol de placa desse Messi/Maradona/Pelé que faz da palavra sua bola e do papel o campo para suas jogadas insuperáveis.