Por Antônio Oswaldo (Tunin), amigo de Paquetá
O Chico nasceu um intransigente parnasiano do samba, um artesão de versos formalmente acadêmicos, de métrica e rimas rigorosíssimas, a despeito do conteúdo arraigadamente popular e da forte influência temática de Noel e da turma da Bossa Nova. E nunca deixou de sê-lo por completo, embora forma e fundo de seus versos evoluíssem vertiginosamente para uma verdadeira revolução.
Assim, em A BANDA, a passagem vibrante de uma fanfarra na cidadezinha, inunda de uma alegria ilusória e fugaz o cotidiano triste de cada habitante, tornando jovem o velho e bela a moça feia, até que finalmente se restaura a dor de cada um. E eu, então com treze anos de idade, a partir daí corri atrás da banda e de todas as canções do Chico.
Em QUEM TE VIU QUEM TE VÊ, versos de sonoridade bilaquiana narram o amor barrado pela súbita ascensão social da sambista amada.
Em CONSTRUÇÃO, Chico revoluciona e atinge uma perfeição formal e uma universalidade temática que transcendem, ainda que se utilizando da nossa peculiaríssima tragédia cotidiana.
A saga do homem marcado para morrer é esculpida em primorosos versos alexandrinos – dodecassílabos de pausa na sexta sílaba – não rimicamente esdrúxulos, mas tonicamente esdrúxulos, já que todos terminam invariavelmente em palavras proparoxítonas.
Estas palavras finais de cada verso, porém, não se manterão fixas. Em um dado momento, saltam do final de um verso para o final de um outro verso, num rodízio vertiginoso que nos mostra o corpo do operário através de um caótico caleidoscópio urbano: ora atrapalhando o público, ora atrapalhando o tráfego, ora atrapalhando o sábado. Uma concepção de gênio, um efeito magistral, uma obra-prima!
Na época, tinha-se a impressão de que o Chico atingira o auge e indagava-se o que mais ainda poderia criar. Era apenas 1971. Eu completara dezoito anos e extasiado tentava imaginar “O QUE SERÁ” que ainda viria…
E Chico nem fechara a primeira metade de seu cancioneiro, à época cento e poucas canções de um total que hoje ultrapassa quatrocentos títulos. Tinha ele apenas vinte e oito anos, pouco mais de um terço de seus atuais e fecundos 77 anos de vida.
Enfim, alguém deve ter notado que até aqui eu escrevi singelamente “CHICO”. E por quê? Porque ninguém iria achar que se trata do Chico Viola (apelido do grande intérprete dos anos 1930, Francisco Alves) ou do Chico Science ou do Chico Serra. Quando se fala de música popular Chico significa Chico. Os outros têm que ter sobrenome.
ANTÔNIO OSWALDO.
P.S. Texto postado anteriormente, minha homenagem perene ao nosso maior compositor.