Karol Cariola estava no hospital quando MP realizou busca e apreensão em sua casa; dirigentes do PC veem lawfare contra o partido
Por Victor Farinelli, compartilhado de Ópera Mundi
Matéria atualizada às 18h18, em 8 de março de 2025
O mundo político chileno foi sacudido nesta semana por uma ação do Ministério Público, que realizou uma diligência de busca e apreensão na residência da presidente da Câmara dos Deputados, Karol Cariola, representante do Partido Comunista, no mesmo momento em que estava em trabalho de parto, dando à luz ao seu primeiro filho Borjita, fruto de relação com o também deputado Tomás de Rementería Venegas.
A operação foi coordenada pelo promotor Patricio Cooper, que ordenou que a Polícia Investigativa fizesse uma busca no apartamento da parlamentar na última segunda-feira (03/03). Os promotores responsáveis pelo caso justificaram a medida de forma contraditória. Primeiro, disseram que se tratava de uma investigação sobre um suposto caso de tráfico de influências no processo de compra da falida clínica Sierra Bella, no Centro de Santiago, por parte da Prefeitura de Santiago, para a incorporação dessa estrutura à rede de saúde pública municipal.
Apesar de a busca e apreensão ter sido realizada naquela data, os eventos investigados teriam acontecido em novembro de 2022, quando a prefeita da capital chilena era Irací Hassler, também do Partido Comunista. O pedido da promotoria para realizar a diligência surgiu em função do recente vazamento de uma conversa por whatsapp ocorrida também em 2022, entre Cariola e Hassler.
Porém, o processo de aquisição da clínica Sierra Bella nunca foi concretizado e o edifício jamais foi comprado pela administração municipal.
Diante da repercussão do caso, o Ministério Público mudou sua versão e afirmou que se trataria de um caso de tráfico de influência para que uma pessoa ligada a Cariola pudesse receber um suposto alvará para venda de álcool em um estabelecimento comercial do Centro de Santiago, supostamente próximo à clínica.
Horas depois da diligência, o Partido Comunista publicou um comunicado exigindo que as investigações do caso sejam feitas “com transparência e sem instrumentalização política, garantindo o devido processo e o respeito aos direitos fundamentais”.
Porém, alguns analistas consideram este como mais um caso de lawfare contra a sigla, similar ao sofrido pelo ex-prefeito da comuna de Recoleta, Daniel Jadue, que passou três meses em prisão preventiva, em meados de 2024, e que ainda está sob prisão domiciliar, apesar de o processo contra ele não ter uma sentença definitiva.
Pedido de investigação da PDI e anulação da ação policial
O advogado de Cariola, Juan Carlos Manríquez, entrou com uma ação contra três agentes da Polícia Investigativa (PDI) que realizaram a operação de busca e apreensão. A ação policial ocorreu ao mesmo tempo em que a presidente da Câmara, que passou por mais de 20 horas de trabalho de parto no Hospital José Joaquín Aguirre, deu à luz seu filho. Borjita nasceu com 3 quilos e 639 gramas e 50 centímetros de altura.
No texto, Manríquez apresentou uma cronologia dos fatos, detalhando que “enquanto a avó paterna do filho recém-nascido, junto com seus outros netos, se preparavam para ir ao hospital, encontraram membros da PDI na porta da casa do meu cliente, que pediram para entrar no apartamento”. Segundo a defesa da parlamentar, na execução da ação policial, foram violados “protocolos, normas legais e supralegais que obrigam o Estado a executar essas medidas com especial cuidado no caso de sujeitos vulneráveis”.
“A avó paterna, uma mulher idosa, implorou que esperassem, pois a Sra. Karol Cariola estava no hospital saindo de um trabalho de parto extenso, hospitalizada com seu filho recém-nascido. A resposta para tudo foi um retumbante ‘não’, e até mesmo o PDI o informou que eles tinham um veículo fora do Hospital pronto para realizar a diligência”, acrescentou.
De acordo com Manríquez, foi nesse mesmo momento em que o deputado Tomás de Rementería, pai do recém-nascido, “ainda em traje cirúrgico, com uma hora de sono, entre as 20 horas de trabalho de parto” deixou o centro médico para averiguar o que estava acontecendo.
Desta forma, a defesa de Cariola pediu que a PDI realizasse uma investigação sumária sobre o trabalho policial. Somado a isso, apresentou uma petição perante o 7º Tribunal de Garantias, exigindo a nulidade da ação ocorrida naquele dia.
Manríquez argumenta que se tratam de ações judiciais “defeituosas” pois “têm como fundamento e antecedente um pedido de medidas intrusivas que contém informações errôneas e omissões graves, e que levam o Ministério Público a solicitar uma diligência inadequada e desnecessária”, além de descumprir com “os padrões mínimos exigidos pelo nosso sistema jurídico”.
“Venho promover um incidente de nulidade em relação à resolução emitida por S.S., que autorizou a entrada, busca e apreensão de espécies na casa de minha cliente, particularmente seu telefone e computador, tudo sem audiência ou notificação prévia e, como consequência, também em relação à ação de apreensão real realizada pela Polícia de Investigação”, diz o texto.
O caso contra Cariola
O mandado de busca e apreensão foi solicitado em virtude do vazamento de conversas por whatsapp entre Cariola e Hassler, nas quais as duas militantes comunistas efetivamente conversam a possível compra da Clínica Sierra Bella por parte da Prefeitura de Santiago.
Nos diálogos, a deputada Cariola apresenta a Hassler uma proposta para que, no caso de a clínica ser adquirida pela Prefeitura de Santiago, esta pudesse contar com um departamento dedicado especialmente para mulheres de baixa renda.
O sociólogo Alexis Cortés, acadêmico da Universidade Alberto Hurtado e militante do Partido Comunista, afirma que “este processo foi iniciado já há alguns meses, mas antes o objetivo era atingir Irací Hassler, e agora querem atacar Cariola, que poderia ser uma forte candidata ao Senado nas eleições deste ano”.
“Aquela investigação nunca comprovou suas acusações e terminou com a Controladoria apresentando informe dizendo que não havia irregularidades na gestão de Hassler, mas o objetivo foi alcançado: mancharam a imagem da prefeita e impediram sua reeleição, no pleito realizado no ano passado. Agora, vão utilizar o mesmo caso para as eleições deste ano, visando Cariola”, avalia Cortés, que foi o representante do Partido Comunista na Comissão de Especialistas montada durante o segundo processo constituinte vivido pelo Chile, em 2023.
Para Tania Concha, integrante do Comitê Central do Partido Comunista, “este caso, além de configurar mais uma situação de lawfare na política chilena, também é o caso mais visível que nós temos nos últimos anos de violência política contra uma mulher”.
“A versão do Ministério Público de que não era possível fazer uma diligência por busca e apreensão enquanto a deputada estava em trabalho de parto é algo muito difícil de acreditar”, acrescenta Concha, em conversa com Opera Mundi.
Versões das envolvidas
Consultada pela reportagem de Opera Mundi, a assessoria da deputada Karol Cariola afirmou que ela “agiu sempre de acordo com as leis do país”, e que “continua colaborando com todas as solicitações exigidas pela Justiça”.
A assessoria evitou usar a palavra “lawfare” ao comentar o caso, mas enfatizou o fato de que a diligência ocorreu apesar de a parlamentar não ter sido oficialmente notificada a respeito das suspeitas contra ela. “Devido à natureza das condições em que ela se encontra, não foi possível saber maiores detalhes sobre a investigação que está sendo realizada”, acrescentou.

Já a ex-prefeita de Santiago, Irací Hassler, se manifestou através de um comunicado e recordou que a compra da Clínica Sierra Bella por parte da sua administração nunca foi concretizada e que a administração municipal não realizou nenhum gasto referente ao caso.
Além disso, Hassler destacou sua administração seguiu todas as recomendações feitas pela Controladoria do Chile em sua apuração sobre o caso.
Comparação com o caso de Daniel Jadue
A dirigente comunista Tania Concha também destacou que “esse tipo de ação aconteça sempre com o Partido Comunista em períodos muito próximos às campanhas eleitorais”.
“São episódios que sempre envolvem figuras importantes do nosso partido, como aconteceu antes com o companheiro Daniel Jadue, que foi pré-candidato presidencial em 2021”, comentou a líder política, em entrevista a Opera Mundi.
O episódio mencionado por Concha ocorreu em junho de 2024, quando a Justiça do Chile determinou a prisão preventiva de Daniel Jadue, ex-candidato presidencial e uma das principais lideranças do Partido Comunista chileno, no âmbito da investigação do chamado “Caso das Farmácias Populares”.
Na ocasião, Jadue era prefeito do município de Recoleta e foi acusado de suborno, administração desleal e fraude contábil durante sua gestão na pandemia, quando esteve à frente da Associação Chilena de Municípios com Farmácias Populares (Achifarp) e promoveu uma iniciativa inovadora que consistia no oferecimento de medicamentos de baixo custo em redes comerciais.
Porém, a juíza Paulina Moya, que emitiu a ordem de prisão solicitada pelo Ministério Público, avaliou que a liberdade de Jadue seria “perigosa para a segurança da sociedade”. A defesa do prefeito afirma que se tratou de um caso de lawfare.
As Farmácias Populares são um projeto idealizado por Jadue no qual a prefeitura de Recoleta (comuna da Região Metropolitana de Santiago) compra os medicamentos diretamente com os laboratórios e revende a preço de custo. Apenas quem é morador de Recoleta pode comprar os produtos, que são oferecidos a preços que chegam a ser até 70% mais baratos que os das farmácias convencionais
O sucesso dessa política, que foi replicada em diversos municípios do Chile, transformou Jadue em figura política de grande reconhecimento no cenário nacional. Segundo os advogados do líder comunista, o processo teria sido montado não apenas para tirar Jadue da disputa eleitoral no país como também para criminalizar a política pública das Farmácias Populares.
Em setembro de 2024, a Justiça concedeu a Jadue o benefício da prisão domiciliar preventiva, o que significa que ele não pode sair de casa, apesar de não haver uma sentença definitiva relacionada ao seu caso.
Consultado por Opera Mundi, o sociólogo Alexis Cortés afirma que “o caso de Cariola, como foram antes dos de Jadue e Hassler, mostram que essas ações buscam afetar o coletivo (o Partido Comunista)”.
“Historicamente, o Partido Comunista do Chile tem sido reconhecido por estar afastado de práticas de corrupção. Inclusive, é famoso no país um ditado que afirma que ‘os comunistas às vezes metem a pata (termo chileno que significa ‘fazer burrada’), mas nunca metem as mãos’. Estão tentando mudar essa percepção”, afirma o acadêmico.
No entanto, Cortés lembra que, apesar dos processos de lawfare terem afetado a candidatura de Hassler à reeleição na Prefeitura de Santiago em 2024, não impediram Daniele Jadue de eleger seu sucessor na Prefeitura de Recoleta, no mesmo ano, com a vitória de Fares Jadue, também do Partido Comunista – apesar de compartilharem o mesmo sobrenome, Fares e Daniel não são parentes, embora ambos pertençam à comunidade palestina residente no Chile.
Outra curiosadade do pleito em Recoleta é que Fares Jadue derrotou nas urnas o empresário Mauricio Smok, que foi justamente o autor da denúncia contra o ex-prefeito Daniel Jadue no Caso das Farmácias Populares.
Com informações de El Mostrador e Rádio Universidad de Chile.