China e Rússia tomam a dianteira na diplomacia da vacina

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Por Jonathan Tennebaum com tradução de Rafael Tatemoto, compartilhado do Portal Observar BR – 

A colaboração China-Rússia está ajudando a fornecer vacinas contra Covid-19 baratas e eficazes para o mundo em desenvolvimento

A pandemia de Covid-19 trouxe uma mobilização sem precedentes da biotecnologia avançada em escala mundial. Em qualquer medida, o progresso no desenvolvimento, teste e distribuição de vacinas ocorreu com velocidade surpreendente.




Quase um ano depois que a pandemia começou sua propagação letal, dezenas de milhões de pessoas estão sendo imunizadas usando uma variedade de vacinas recém-desenvolvidas com eficácia comprovada contra o novo coronavírus. A base tecnológica e logística que está sendo lançada agora permitirá respostas rápidas aos mutantes, bem como às futuras ameaças de pandemia que possam surgir.

Nem tudo vai bem, entretanto.

Com as taxas de vacinação atuais, pode-se levar até sete anos para que se atinjam níveis de imunidade suficientes para eliminar completamente a disseminação da Covid-19. As capacidades de produção são totalmente inadequadas para atender à demanda, com a maior parte das vacinas indo para os países ricos, enquanto os países em desenvolvimento enfrentam destinos mais incertos.

A Rússia e a China estão enfrentando o desafio do rico contra o pobre, fornecendo as vacinas tão necessárias para nações que, de outra forma, estariam em uma posição inferior na lista global. Enquanto os EUA e a União Europeia continuam preocupados com seus próprios problemas com a Covid-19, as empresas russas e chinesas estão formando parcerias entre si e com países ao redor do mundo.

Esse sucesso da “diplomacia das vacinas”, entretanto, já está começando a levantar preocupações no Ocidente.

A vacina russa Sputnik V, originalmente desprezada no Ocidente como mera manobra publicitária do presidente Vladimir Putin, não só provou ser uma das vacinas mais eficazes – fornecendo mais de 90% de proteção – mas também é barata e fácil de usar.

Ao contrário de muitas outras vacinas contra a Covid-19, a Sputnik V pode ser armazenada em refrigeradores comuns entre dois e oito graus centígrados. Juntas, a primeira e a segunda dose (reforço) custam apenas US$ 20.

A Sputnik V está atualmente aprovada em 18 países, com vacinações em andamento na Bolívia, Argélia, Cazaquistão, Turcomenistão, Palestina, Emirados Árabes Unidos, Paraguai, Hungria, Armênia, Sérvia, Venezuela e Irã.

O México planeja administrar 7,4 milhões de doses de Sputnik V até março, com pelo menos mais 16 milhões de doses posteriormente.

Kirill Dmitriev, diretor do Fundo Russo de Investimento Direto (RDIF), o fundo nacional e soberano que tem patrocinado o desenvolvimento e a comercialização da Sputnik V, enfatizou que o governo russo determinou como alta prioridade o fornecimento da vacina nacional para os países em desenvolvimento .

A fim de garantir suprimentos suficientes de vacinas, o RDIF está negociando com possíveis parceiros de fabricação na China, Índia, Coréia do Sul e outros mais. A meta é produzir o suficiente ainda este ano para proteger pelo menos 500 milhões de pessoas fora da Rússia.

Nem é preciso apontar que a cooperação Rússia-China nesse campo tem importância estratégica.

Até recentemente, a indústria de vacinas da China era considerada um ator relativamente secundário no cenário internacional. Mas a corrida para desenvolver e implantar as vacinas contra a Covid-19 deu à China o ímpeto para atualizar maciçamente suas capacidades, estabelecendo-se como um grande fornecedor global.

As vacinas contra Covid-19 de pelo menos quatro produtores chineses estão em testes finais, na Fase 3, em uma dúzia de países, com mais opções a caminho. Mais importante ainda, as duas vacinas chinesas atualmente líderes, produzidas pelas empresas Sinovac e Sinopharm, já foram administradas a muitos milhões de pessoas em campanhas de vacinação de emergência no mundo em desenvolvimento.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, o presidente da Indonésia, Joko Widodo, o rei Abdullah, o príncipe herdeiro Hussein e o primeiro-ministro Bisher al-Khasawneh da Jordânia, o príncipe herdeiro do Bahrein e o primeiro-ministro Salman foram todos vacinados com vacinas contra Covid-19 de fabricação chinesa no mês passado.

Só na Turquia, mais de um milhão de pessoas já foram vacinadas com a vacina Sinovac, com mais 10 milhões de doses previstas para chegar em breve. A Indonésia encomendou 125 milhões de doses. A lista de países em desenvolvimento que recebem remessas de vacinas chinesas continua.

Os produtores da China já ganharam pontos de apoio na Europa. Graças à chegada de um milhão de doses de vacina da China, a população de sete milhões da Sérvia tem agora a maior taxa de vacinação da Europa, com exceção da Grã-Bretanha.

A Hungria, que já está vacinando com a Sputnik V, teria pedido cinco milhões de doses de vacinas chinesas. Isto ocorre num contexto de atrasos escandalosos na aquisição de vacinas pela União Europeia.

Deve-se lembrar que as vacinas Sinovac e Sinopharm são ambas da variedade clássica de “vírus inteiro”, usando a injeção de partículas de vírus Covid-19 inativadas para induzir a imunização.

Embora as duas tenham se mostrado seguras e excedam o patamar da Organização Mundial da Saúde de pelo menos 50% de eficácia, elas podem ficar abaixo dos níveis que estão sendo atingidos por abordagens inovadoras mais recentes.

Particularmente promissora é uma vacina geneticamente modificada chamada Convidicea (designação técnica Ad5-nCov) desenvolvida pela empresa de biotecnologia chinesa CanSino Biologics em conjunto com o Instituto de Bioengenharia da Academia Chinesa de Pesquisa Militar.

A Convidicea opera com o mesmo princípio básico do Sputnik V da Rússia, usando um adenovírus modificado como um “vetor” para transportar informações genéticas para as células do corpo (ver explicação abaixo).

A relação entre as duas sugere possíveis vantagens de combiná-las em um cenário onde uma seria usada para a primeira inoculação, seguida da outra como reforço. Especula-se que a CanSino fez um acordo com a gigante farmacêutica russa Petrovax Pharm para realizar testes deste regime combinado.

Nesse ínterim, a Petrovax já está cooperando com a CanSino Biologics na realização de um ensaio clínico internacional de Fase 3 em andamento da vacina chinesa, envolvendo 40 mil voluntários com pelo menos 8 mil deles na Rússia.

A Petrovax anunciou a intenção, uma vez concluído o estudo, de produzir 10 milhões de doses da vacina chinesa por mês, usando a ampliação planejada de sua capacidade de produção. A Petrovax, que pertence em parte ao oligarca russo Vladimir Potanin, terá direitos exclusivos para comercializá-la na Rússia e nos países da CEI.

A destacar, a CanSino Biologics também assinou um acordo de venda antecipada com o governo mexicano para fornecer 35 milhões de doses de sua vacina.

Para colocar tudo isso em contexto, é útil lembrar o ABC das vacinas e, em particular, das chamadas vacinas baseadas em vetores.

O objetivo da vacinação é “treinar” o sistema imunológico para reconhecer e neutralizar o vírus agressor. As células do sistema imunológico estão sempre à procura de entidades estranhas (antígenos) que entram no corpo.

A tarefa é provocar o sistema imunológico para construir defesas direcionadas de forma preventiva, confrontado-o com partes adequadas do vírus da Covid-19 ou, alternativamente, com partículas de vírus “mortas” ou inativadas.

Praticamente todas as abordagens escolhem a chamada proteína spike da Covid-19 como o agente provocador. Essa proteína complexa constitui as protusões semelhantes a raios característicos do vírus da Covid-19, por meio do qual ele se liga às células do corpo. É fácil imaginar que as defesas imunológicas capazes de detectar e direcionar essa proteína serão especialmente eficazes contra o vírus.

Embora a estratégia clássica da vacina seja injetar, de fora, os antígenos adequados no corpo, as abordagens inovadoras recentes funcionam fazendo com que o corpo produza o próprio antígeno.

A maneira óbvia de fazer isso, no caso da Covid-19, é fornecer às células do corpo o “projeto” genético para a produção da proteína spike, na forma de uma molécula de RNA ou DNA. Entre os nomes mais conhecidos, as vacinas BioNTech / Pfizer e Moderna tomam o caminho do RNA; Sputnik V, Convidicea e a vacina AstraZeneca, o do DNA.

As vacinas Sputnik V e CanSino Biologic’s Convidicea são inovadoras, chamadas vacinas baseadas em vetores. Elas utilizam um vírus geneticamente modificado como mecanismo de transporte – um “vetor” – para transportar o gene da proteína spike para as células.

Por que usar um vírus como veículo de transporte? Porque esse é exatamente o tipo de coisa que os vírus fazem naturalmente: eles são “projetados”, por assim dizer, para se prender às membranas externas das células e contrabandear a si próprios ou pelo menos seu material genético para dentro.

Uma vez infectadas pelo vírus vetor, as células começam a produzir e excretar proteínas spike do novo coronavírus para a área circundante, ativando assim a maquinaria do sistema imunológico.

A Sputnik V e a Convidicea utilizam adenovírus: um tipo de vírus que normalmente infecta células do trato respiratório do homem e de vários animais – mas geneticamente modificado de tal forma que não é mais capaz de se replicar e, portanto, é inofensivo.

Os adenovírus não só são capazes de entrar nas células, mas podem realmente entrar no núcleo (o que é muito mais difícil), carregando o gene da proteína spike do vírus da Covid-19 com eles.

Uma das vantagens de usar esse tipo de vírus como vetor reside no fato de o material genético ser encapsulado dentro da partícula do vírus e ficar relativamente bem protegido do ambiente externo, tornando a vacina mais estável e fácil de armazenar do que as vacinas baseada em RNA da Pfizer e da Moderna.

Nestas últimas, o RNA é “empacotado” em nanopartículas lipídicas, resultando aparentemente em um produto menos estável que requer temperaturas de armazenamento mais baixas.

Embora algumas das vacinas contra Covid-19 sejam projetadas para funcionar com uma única dose, há motivos para acreditar que o uso de uma segunda injeção de “reforço” geralmente fornece um grau de proteção muito maior.

Nesse contexto, as vacinas que utilizam um vetor de vírus encontram o problema de que o organismo pode desenvolver uma certa imunidade ao próprio vetor, tornando uma segunda injeção menos eficaz.

A Sputnik-V contorna esse problema usando uma variante diferente do vírus vetorial para o reforço. Como a vacina chinesa Convidicea utiliza ainda outra variante, pode-se obter um efeito aprimorado semelhante usando-a junto com a Sputnik V como reforço ou como primeira injeção. Evidentemente, isso está atualmente sob consideração.

É certo que as empresas de vacinas e institutos de pesquisa russos e chineses estão cooperando de várias maneiras com outras partes em todo o mundo, inclusive nos Estados Unidos e na Europa.

Mesmo com a existência de uma competição inevitável e de disputas diplomáticas em torno da vacina, o desenvolvimento de imunizantes contra a Covid-19 se beneficiou de um grau extraordinário de cooperação internacional em face de um inimigo comum e letal.

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