Cidades mineiras que privatizaram serviços de água e saneamento enfrentam graves problemas

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Contas mais caras, problemas de manutenção e tarifas sociais menos abrangentes são algumas das consequências

Por Ana Carolina Vasconcelos, compartilhado de Brasil de Fato MG




Imagem – José Cruz/ Abr

Enquanto o governo de Minas Gerais, sob gestão de Romeu Zema (Novo), busca vender a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), experiências de privatização da água e do saneamento em municípios mineiros demonstram que impactos negativos são diversos e  que famílias pobres são as mais prejudicadas. 

Contas mais caras, ausência do serviço em áreas rurais, problemas de manutenção e tarifas sociais menos abrangentes são algumas das consequências comuns às cidades que optaram por deixar a gestão dos serviços nas mãos da iniciativa privada. 

Pará de Minas

Em Pará de Minas, município da região Central, desde 2015, a empresa Águas de Pará de Minas, do Grupo Águas do Brasil, é responsável pelo gerenciamento da distribuição de água e pelo saneamento. 

Durante o processo de licenciamento, a empresa prometeu que haveria uma redução da tarifa. Inicialmente, o valor caiu em 3%, porém, em um curto período de tempo, cresceu exponencialmente, ficando 86% mais cara para as famílias que dependem da tarifa social e 35% para os demais usuários. 

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“É uma tarifa que cresce proporcionalmente mais para os mais pobres do que para os mais ricos. A situação é de aumento da tarifa e falta de investimento. Então, essa é a primeira e mais grave consequência da privatização: não assegurar a água como direito humano aos mais vulneráveis”, avalia o mestre e doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), João Bosco Senra.

Ouro Preto

Em Ouro Preto, também na região Central, há anos, a população do município luta pela remunicipalização dos serviços, que atualmente estão sob gestão da empresa Saneouro. As famílias se queixam de cobranças abusivas, falta de abastecimento e má qualidade da água que chega nas casas. 

Um levantamento da Federação das Associações de Moradores de Ouro Preto (Famop) indicou que os valores das contas cobradas na cidade são três vezes maiores que a média de outros municípios. Como consequência, famílias não conseguem pagar e acabam tendo a prestação do serviço cortada e ficando desassistidas. É o que explica a moradora do município, Bruna Monalisa Ramalho Gomes. 
“A água deixa de ser um direito e passa a ser uma mercadoria. E, aquele que não tem dinheiro para pagar a tarifa, fica sem água. Como viver sem água? Essa é a pergunta que muitos de nós temos feito ao poder público”, indaga.

Outro questionamento é sobre o processo de concessão, do qual a Saneouro saiu vencedora. Após o questionamento da população, a Câmara Municipal chegou a instaurar em 2021 uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que apurou irregularidades no contrato com a concessionária. Mas o relatório não foi levado adiante. 

Após a pressão popular, no ano passado, a Prefeitura de Ouro Preto anunciou a redução de 28% no preço da tarifa de água residencial e acabou com a regra que limitava a 5% o máximo possível de famílias beneficiárias da tarifa social. 

Governador Valadares

No início deste ano, a Prefeitura de Governador Valadares, município da região do Vale do Rio Doce, assinou um contrato com a empresa Águas de Valadares, do grupo Aegea Saneamento, que passou a ser responsável pela distribuição de água e pelo tratamento de esgoto da cidade. 

O Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) divulgou que, apenas uma semana após a assinatura do contrato, dezenas de bairros ficaram sem abastecimento hídrico. A denúncia também foi feita pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua/MG).

“É um forte alerta para a população de outras cidades do interior de Minas Gerais, onde prefeitos insistem em entregar o saneamento à iniciativa privada, esquecendo deliberadamente do compromisso social de gestão da água como bem público. Esses casos jogam por terra a enganosa tese de que a privatização é a solução para o aumento de investimentos e melhoria dos serviços”, publicou o Sindágua/MG, em seu site. 

Processos em andamento 

Em outros municípios, estão em andamento processos de concessões do serviço para empresas privadas. No caso de Ipatinga, na região do Vale do Aço, especialistas denunciam irregularidades e falta de diálogo com a população. Há quase três anos, os moradores da cidade resistem à privatização do serviço, por temerem os impactos negativos. 

“Me preocupa muito porque em vários municípios do Brasil a privatização tem acontecido e o que vemos é o serviço de saneamento piorar e as altas nas tarifas. Isso é preocupante. A água é um bem essencial para a população, é um bem público”, avaliou a vereadora Cida Lima (PT), em entrevista ao Brasil de Fato MG.

Em Patos de Minas, uma audiência pública na Câmara Municipal, em março deste ano, evidenciou críticas da população à tentativa de entregar o serviço à iniciativa privada. 

“São concessões que estão iniciando um processo de privatização, mas que certamente já sinalizam que vão dar problema”, enfatiza João Bosco Senra. 

Exemplos no Brasil 

Como mostrado pelo Brasil de Fato MG, as experiências de outros estados do país também trouxeram consequências negativas. No Rio de Janeiro, por exemplo, após a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), o percentual de tratamento de esgoto caiu e cresceu a quantidade de reclamações por falta d’água.

Em Alagoas, Ceará e Rio Grande do Sul, a população também lida com problemas como a queda de cobertura de água tratada, altas tarifas e falta de transparência por parte das empresas.

Em Manaus, onde o serviço é privatizado há mais de 20 anos, 80% da população sofre com falta de esgotamento sanitário, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS 2020).

Outras consequências

O doutor em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos João Bosco Senra destaca que, além dessas consequências, um dos principais efeitos da privatização do saneamento e da distribuição de água é a falta de atendimento às áreas rurais, onde vivem famílias em situação de maior vulnerabilidade social e econômica. 
“A empresa privada visa o lucro. Ela sempre vai priorizar investir e fazer manutenção nas áreas com grandes consumidores, e não nos pequenos municípios ou onde a população mais vulnerável está. Diferentemente do poder público, que pode compreender a água como um bem essencial”, finaliza o pesquisador. 

O outro lado

Procurada pelo Brasil de Fato MG a Águas de Pará de Minas informou que o reajuste tarifário é realizado conforme fórmula paramétrica, prevista no contrato de concessão. A Saneouro e a Águas de Valadares não retornaram o nosso contato. 

Edição: Leonardo Fernandes

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