Ele foi o grande destaque da primeira Copa do Mundo que acompanhei de fio a pavio, a de 1974, na então Alemanha Ocidental. Eu tinha 9 anos. Foi duro vê-lo nos eliminar, com a ajuda de seus companheiros Neeskens, Van Hanegem, Krol, Rep, Resenbrink e todos os outros, lá em Dortmund, num jogo em que a pancadaria comeu solta, mas no qual, ainda assim, seu talento maravilhoso brilhou e prevaleceu.
Johan Cruyff foi um dos meus maiores heróis da infância. E, como tal, garantiu lugar de honra na minha galeria de personagens e personalidades eternas. Personalidade. Não dá para falar de Cruyff sem falar nisso.
Ele foi um rebelde – dentro e fora do campo. Dentro, subverteu, com seu talento e sua inteligência, em sintonia com o técnico Rinus Michels, os conceitos que estipulavam “o jeito certo de se jogar futebol”. Fora, manifestou, por exemplo, sua aversão às ditaduras.
Fez isso ao escolher o Barcelona como seu novo clube, nos anos 1970, numa decisão que teve como um dos elementos determinantes o ódio que sentia pelo franquismo. Razões familiares (o trauma da violência sofrida nas mãos de assaltantes, dentro de casa, em Barcelona), reveladas pelo próprio Cruyff a uma rádio espanhola na década de 2000, foram decisivas para sua recusa em participar da Copa de 1978, na Argentina, mas não há quem conheça sua biografia e ignore que uma parte da resolução se deveu ao regime militar que tomara de assalto a Casa Rosada.
Ele era a antítese de grande parte dos jogadores de hoje – autômatos dentro e fora do campo. Nesta quinta-feira, 24 de março de 2016, quase 42 anos depois de ter se tornado herói de um menino de 9 anos que, naqueles meados dos anos 70, morava no Bom Fim, em Porto Alegre, e de milhões de outros meninos mundo afora, Cruyff passou da categoria de legenda à de lenda. Nunca será esquecido por aqueles que o viram jogar. Sempre será lembrado por aqueles que amam de verdade o futebol.
