“Close”, favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro, faz retrato doloroso sobre homofobia estrutural

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Longa metragem belga foi aplaudido em diversos festivais e foi o grande vencedor de Cannes em 2022

Por Marcelo Hailer, compartilhado da Revista Fórum




“Close”, favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro, faz retrato doloroso sobre homofobia estrutural.Créditos: Divulgação

(…) no começo, há a injúria. Aquela que todo gay pode ouvir num momento ou outro da vida, e que é o sinal de sua vulnerabilidade psicológica e social […] uma das consequências da injúria é moldar a relação com os outros e com o mundo. E, por conseguinte, moldar a personalidade, a subjetividade, o próprio ser de um indivíduo. 
Didier Eribon, in Reflexões sobre a Questão Gay. 

Leo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) vivem livremente por meio de plantações, casas abandonadas, compartilham a cama e precisam um do outro. Os primeiros minutos do filme “Close” (2022), em cartaz nos cinemas brasileiros, nos colocam dentro da intimidade de dois amigos inseparáveis que aguardam com certa ansiedade o início do ano letivo.  

Desde o princípio, o longa metragem belga, dirigido por Lukas Dhont (“O Florescer de uma Garota), acompanha os movimentos dos corpos dos dois garotos, a maneira como eles se entrelaçam e respiram um pelo outro. Sem medo de mostrar a intimidade de dois meninos livres de moralismos, o filme de Dhant trabalha o seu primeiro momento com uma sequência de imagens poéticas e repletas de cores.

Há uma longa cena em que a câmera, prostrada sobre os dois garotos, os observa dormindo abraçados com um feixe de sol sobre os seus corpos. Inocência, liberdade e afeto. Nesse período entramos no universo de Leo e Rémi. Um mundo ainda não contaminado por regras sociais e morais e o mais próximo possível daquilo que entendemos por liberdade. https://f20f47706c02afae55e0f89bb0b90bec.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-40/html/container.html?n=0


A escola e as normas

Esse mundo construído por Leo e Rémi é transplantado para a escola e, tamanha liberdade, só poderia trazer graves consequências, visto que o universo escolar é um dos mais violentos e claustrofóbicos quando diz respeito à vida dos garotos. 

O mundo de inocência e carinho dos dois amigos vai dar lugar a um mundo de injúrias e difamação. No primeiro dia de aula, durante o intervalo, os garotos são interpelados pelos colegas: “vocês estão juntos?”. A invasiva pergunta causa estranhamento, eles não entendem direito, mas decodificam que o seu modo de vida é “errado”. 

A partir do momento em que eles passam a viver o cotidiano escolar, passam também a viver sob o olhar e a fala dos outros. 

Se na primeira parte do filme acompanhamos uma série de planos com os seus corpos livres, a partir do momento em que adentram os muros da escola, observamos um certo desconforto em estar presente naquele ambiente. 

Há uma cena magistral em que a câmera, inicialmente fechada sobre os dois, gradualmente abre o plano e nos deparamos com todos os tipos de adolescentes e os seus corpos em movimento que buscam um lugar na escola. Este enquadramento é um alerta: há todo um conjunto de regras corporais que aguarda ansiosamente para enquadrar tais vidas. 

Sociabilizados no ódio ao feminino, os outros garotos não têm dúvidas: Leo e Rémi “são duas bichas” e assim passarão a ser chamados. Novamente: eles nunca haviam pensado nisso e é aqui que mora a genialidade do roteiro de “Close”, escrito por Angelo Tijssens e Lukas Dhont, e que chega como um dos favoritos a receber o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro (Bélgica), visto que anteriormente a produção angariou o Grande Prêmio do Juri de Cannes 2022.  


Um mundo de injúrias 


De maneira direta e crua, “Close” passa a mostrar como o ódio está estruturado nas sociedades ocidentais. Leo e Rémi nunca haviam se imaginado sexualmente, eles são arrancados de seu universo liberto e amoroso a partir da fala do Outro que, diante da intimidade entre os dois amigos, “só pode estar diante de duas bichas”.  

Em seu livro “Reflexões sobre a questão gay”, Didier Eribon faz uma longa investigação para explicar que, as identidades LGBTI+ são, primeiramente, constituídas a partir da injúria e da difamação e, geralmente, o receptor da injúria nunca havia se pensado como “bixa”, o xingamento utilizado contra Leo e Rémi. Ou seja, o primeiro contato com a identidade se dá, geralmente, através do xingamento do Outro.  

Com a chegada do ódio e da violência, o universo de Leo e Rémi é contaminado pela vergonha, humilhação e a necessidade de comprovar que “são homens verdade”. Aos garotos, só resta a violência e a dissimulação de Si. 
“A injúria me faz saber que sou alguém que não é como os outros, que não está na norma. Alguém que é viado [queer]: estranho, bizarro, doente. Anormal”, observa o filósofo Didier Eribon. 


O peso da vida  


Há duas sequências com Leo que ainda receberão muitas análises: para se afastar da classificação “bixa” a partir da voz do Outro, o garoto passa a integrar o time de hóquei da escola. Durante um treinamento, o seu corpo não consegue ficar em pé, ele tanta inúmeras vezes permanecer equilibrado, alinhado com os outros garotos, mas não aguenta e desaba. 

Em outro momento, no trabalho diário na fazenda de sua família, Leo carrega um enorme saco de terra sobre os seus ombros. O seu corpo está arqueado, cansado, temos a impressão de que ele vai partir ao meio… mas o fato é que ele já está completamente quebrado. 

Além do universo de injúrias contra outros modos de vidas possíveis, o longa metragem “Close” é também um retrato doloroso sobre a pedagogia dos corpos baseada no binarismo de gênero e orientação sexual (masculino x feminino/ heterossexual x homossexual/ normal x anormal) e a batalha diária de dois garotos contra um mundo de regras completamente pálido e sem vida. 

“Close” é um duro retrato sobre como o ódio às diferenças está estruturado em nossas sociedades. Como pré-adolescentes reproduzem violências de maneira automática e, dessa maneira, perpetuam a eliminação de tudo aquilo que ousa colocar em dúvida a estrutura normativa.  

A genialidade do filme de Lukas Dhont está justamente em nunca representar Leo e Rémi como homossexuais, pois, os garotos não pensam sobre isso, a sexualidade não é uma questão, o que está em jogo é a amizade e o amor mais sublime, aquele que rompe com as normas, mas que também é aniquilado por elas. 

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