E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, nos leva a passear pela sua Nilópolis, cidade da região metropolitana do Rio de Janeiro que ele prefere denominar de Beija-Flor. César fala de suas andanças e sobre um tal de Lula, que teima em tentar fazer o melhor pelo Brasil, mesmo recebendo pedradas feito uma Geni.
Aqui na Beija-Flor, descontando o Calçadão, há três pontos turísticos: a quadra da escola de samba, o Parque do Gericinó e a feira da Mirandella. Há também resquícios de um jogo quiçá antigo chamado de Jogo do Bicho. Aqui se sonha alto, se faz uma fezinha sempre que possível. Mas não falemos disso, que o segredo de tal negócio tem sido mais a discrição que a ostentação.
Não posso falar da quadra, porque nunca pus os pés nela. O motivo eu não sei explicar. Digamos que seja uma reverência total e absoluta à Vila Isabel, a escola do meu coração. Só isso pode explicar, pois eu moro na rua da Beija-Flor, ao lado da quadra velha. E, ainda por cima, posso ver da minha varanda a quadra nova, que fica a uns dois, três quarteirões de distância.
Posso falar do Parque do Gericinó, que considero um dos melhores parques do estado do Rio de Janeiro. Espaçoso, bacana, com um clima de, sei lá, Quinta da Boa Vista, quer dizer, com uma pegada popular.
Qualquer dia desses eu falo mais desse parque onde eu já vi saguis e capivaras, além de uma quantidade razoável de pássaros (quero-queros e anuns estão sempre por lá). Por óbvio, essa onda de calor faz com que as pessoas só possam frequentar o parque bem de manhazinha ou no final da tarde. Em outros horários, simplesmente não é aconselhável.
Outra grande atração do munícipio é a feira de Mirandella. Tudo bem, não tem o status de uma feira da Glória, mas tem lá seu charme. Você pode pedir um pastel, um churrasquinho de gato, uma água de coco, sucos variados, biscoitos. Você pode comprar uma tapioca ou um acarajé, para comer na hora ou para levar para casa. E você tomar a sua sagrada cervejinha de domingo em diversos botecos ou até em restaurantes mais arrumadinhos.
Uma das poucas vezes que parei em um desses restaurantes mais arrumadinhos foi na época da campanha presidencial de 2022. Por acaso, nos juntamos a um pessoal que fazia uma passeata em apoio a Lula. Ficamos todos ali a nos refrescar e cantar nossos hinos em um passo que, pode-se dizer, é do tipo se concentra mas não sai.
Festa da democracia, né? Só que depois dobrou a esquina um caminhão com gente nos xingando, e um sujeito xingava sobretudo as mulheres. Minha filha estava conosco. Não esquecerei da cara de rato do sujeito com seus orelhas enormes nem de quanto esse pessoal é simplesmente parasita na política. Ele é vereador daqui.
Coloquei a bandeira do PT na varanda para que todos vissem qual era o meu candidato. A bandeira vermelha tremulava orgulhosamente em meio a outras bandeiras do Brasil, que estranhamente se associavam apenas ao adversário do Lula. Nunca aceitei isso de sequestrar a minha bandeira em nome de patriotada de ninguém. A bandeira do Brasil é de todos os nós.
Isso foi num sábado. No domingo seguinte fomos à famosa feira da Mirandella munidos dos adesivos no peito que indicavam o nosso candidato para a presidência: Lula! Ouvi e retruquei desaforos na maior paz política. Nada a ver com os xingamentos do vereadorzinho do dia anterior.
Lembro-me: o dono do boteco onde eu compro cerveja chegou a olhar duas vezes para o adesivo na minha camisa, meio que não acreditando no que via. Logo eu, um cara tão bacana.
Foi com alegria que vi Lula vencer, que ouvi seu discurso de posse. Era meio que lavar a alma depois do episódio da condenação e da prisão. Não precisa ser jurista para farejar algo de esquisito em um juiz que, supostamente em conluio com procuradores, sentencia um potencial candidato a presidente e vira ministro da Justiça do que candidato que venceu a eleição.
Quanto à posse de Lula, é engraçado lembrar que ela ocorreu num domingo, um pouquinho depois do almoço, com muita gente reunida. Uma parte da família não quis ver o que acontecia na tevê – em sinal supostamente de protesto, saíram da sala, foram fazer outra coisa. Uma parte menor, eu incluso, assistiu a todo discurso com certa empolgação. E convenhamos, foi de fato bonita a cerimônia.
A realidade brasileira recente tem nos sido muito dura. Há enorme complexidade tanto na política interna quanto na externa. Lula é humano, tem fraquezas e a questão da idade pesa mesmo.
Tudo isso é explorado pelos seus opositores, em alguns casos dando pinta de interesse estrangeiro na parada. Pesando bem as coisas, entretanto, o que Lula tem dito é coerente. É mais que isso, é correto.
Em suma, acontece que sou Lula, na feira da Mirandella, em qualquer lugar. Não vejo ninguém melhor que ele para ousar conseguir o que me parece realmente notável, isto é, unir as grandes diferenças de um país continental que quer se modernizar, e que não pode abrir mão de sua população mais carente, deixando-a em condições de a Deus-dará. Deus, sempre ele…
Por derradeiro, o que quero e espero é a preservação da democracia. Anistia é uma ova!
Foto: Lula em Belford Roxo, Na Baixa Fluminense, cidade com cerca de 10 quilômetros de Nilópolis. Raoni Alves – G1
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019), Circo (de Bolso) Gilci e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.