Depois da publicação do nosso texto, novos casos vieram à tona. A estudante de 21 anos me procurou para narrar pelo menos dois episódios envolvendo o professor. Segundo ela, em 2018, Vasques teria visitado a sala 601 na condição de coordenador-geral para cumprimentar os alunos, onde teria apontado o dedo diretamente para ela, que estava nas últimas fileiras. “Que diferente”, ele teria dito, indicando o cabelo dela – situação semelhante à denunciada pela primeira estudante, que levou à instauração da Comissão Sindicante 11/2020.




Em outra situação, a aluna conta que teria ido à sala do coordenador para pedir informações sobre atividades do curso, junto a uma amiga (uma aluna branca). “De repente, ele mudou de assunto e citou minha cor de novo. Desta vez, comentou: ‘Hoje tudo é mimimi, não pode nem mais chamar preto de preto’. Enquanto ele dizia isso, ele olhava para minha amiga, branca, e passava o dedo no antebraço, como que para demarcar ao que ele estava se referindo. E eu estava ali do lado. Eu era só o corpo presente”, ela me contou, em entrevista por Zoom.

A aluna disse que não pretendia notificar a universidade, pois não queria passar por uma sindicância, principalmente ao notar a demora na reação da Unip sobre o caso relatado pela primeira estudante. “É um assunto delicado. Toda vez que lembro começo a chorar. Não consigo”.

Os dois casos não parecem ser isolados. “É o modus operandi da Unip”, definiu Camila Alves da Costa, professora de Relações Internacionais da universidade desde julho de 2016. Afastada por depressão e ansiedade desde abril de 2018 e, segundo ela, uma das únicas professoras negras da universidade, Costa narrou casos semelhantes. Em um deles, um aluno teria debochado de seu sotaque nordestino e dito que “era impossível” uma mulher como ela ser especialista em assuntos de guerra – Costa é bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará, a UFC, e mestre em Estudos Estratégicos de Defesa e Segurança Nacional pela Universidade Federal Fluminense, a UFF.

Costa afirma que levou pessoalmente as denúncias ao coordenador do curso, Vasques, que teria lhe orientado a esquecer os casos. “‘Isso nunca aconteceu, você não é assistente jurídica, nem psicóloga, você é professora: você dá aula e vai embora e não tem que ficar conversando com mais ninguém”, ele teria dito a ela, segundo seu relato. “Silenciada eu fui”, relata, visivelmente abalada. Ela diz que não fez denúncias oficiais ou boletins de ocorrências por temer represálias e depender integralmente do salário da universidade para viver em São Paulo.

Não é uma situação incomum: para a psicanalista Jaqueline Conceição, fundadora do Instituto Ionene e diretora do Coletivo Di Jejê, muitas vítimas de violência psicológica relacionada a racismo temem denunciar porque isso implica reviver episódios traumáticos. “Também há o sentimento de impotência diante da impressão de impunidade a casos de racismo”, diz.

Mas a reportagem do Intercept fez diferença. Depois da publicação, alunos da Unip iniciaram o abaixo-assinado “Fora, Enzo” – até 12 de novembro, a campanha digital tinha 1.386 signatários. A Federação Nacional dos Estudantes de Relações Internacionais também publicou uma nota criticando a ausência de posicionamento da universidade, e a Associação Nacional de Profissionais de Relações Internacionais encaminhou um ofício pedindo esclarecimentos à Reitoria da Unip. Dias depois, abriu uma central de denúncias para casos de racismo em cursos de Relações Internacionais no país: risemracismo@anapri.org.br.

Procurado desde 16 de setembro, o coordenador só respondeu à primeira reportagem por e-mail em 28 de outubro, quase um mês depois de publicarmos o texto. “Sou educador há quase vinte anos. Milhares de alunos já frequentaram minhas aulas nessas duas décadas. Não pratico a linguagem da discriminação ou da indiferença”, afirmou. Ele não respondeu questões relacionadas à denúncia da segunda aluna ou ao relato de Costa.

Unip distribuiu comunicado interno a professores e promoveu palestras defendendo ‘apreço à diversidade’.

No mesmo dia, curiosamente, a Unip também quebrou o silêncio e afirmou não comungar com “práticas ou atitudes racistas, sexistas e segregativas”. “Ao contrário, as políticas de inclusão sempre tiveram especial atenção por parte da Unip, pois trata-se de um princípio e um valor da universidade desde sua criação”, diz o texto, com um discurso bem alinhado ao do coordenador.

Segundo a universidade, houve uma reunião entre a aluna autora da primeira denúncia e a diretoria, onde, em suas palavras, “foram esclarecidos os fatos e a aluna reconheceu não ter havido injúria racial por parte do professor tampouco a intenção de ofendê-la”. Ela foi acompanhada do novo advogado, German Segre, que já foi professor e coordenador de curso de Relações Internacionais na Unip e com quem Enzo Fiorelli Vasques já publicou um livro (“Manual Prático de Comércio Exterior”). “Não tive e nem tenho amizade apenas contato profissional [com Vasques]”, disse Segre. “Por sigilo profissional e pelo desejo dela de virar a página, não informarei o discutido, apenas que o assunto foi resolvido conforme a aluna desejava”, acrescentou. “Aceitei as desculpas da universidade”, confirmou a estudante, em mensagem por WhatsApp. “Quero deixar esse assunto para trás”. Ficou a dúvida no ar: quem afinal pediu desculpas? A aluna ou a universidade?

Questionada, a universidade não esclareceu se isso quer dizer que a sindicância foi encerrada e, se foi, por que não ouviu os professores que testemunharam o caso e que foram demitidos. Mas, internamente, a Unip começou a se movimentar: os professores da casa receberam da diretoria uma mensagem recusando “terminantemente todo e qualquer tipo de preconceito e de ação discriminatória”.

“O comportamento docente em sala de aula deverá sempre ser um exemplo para os discentes de respeito e empatia à convivência harmoniosa com todo tipo de diversidade neste país”, diz o texto, ao qual o Intercept teve acesso. Em 16 de novembro, às vésperas do Dia da Consciência Negra, a universidade também promoveu uma palestra intitulada “Ação afirmativa: apreço à diversidade étnico-racial, religiosa e de gênero”.

Esperamos que, desta vez, não fique só no discurso. Estaremos de olho.