Por Fernando Molica, em Seu blog –
Implico com a musiquinha do muito orgulho e muito amor há muito tempo, desde antes desta espécie de pokemon invertido se alastrar por estádios e ginásios do país, capturar milhões de mentes e gargantas e sacramentar retumbantes derrotas.
Na raiz de tudo há uma questão lógica. Tenho sim amor pelo Brasil, mas não consigo me orgulhar do país que há mais de cinco séculos teima em maltratar seus próprios filhos. Amor não pelo Brasil fodão/potência como aquele alardeado pelos ditadores militares, mas pelo Brasil do chamego, do dengo e do cafuné (palavras lindas de nosso português brasileiro).
Meu amor tem a ver com o profundo carinho pelas pessoas que aqui vivem, criam e tanto ralam. Uma gente que forma um país improvável, grandalhão, meio desajeitado, unido por um idioma e diverso em tantos sotaques, jeitos, formas de conceber e de levar a vida.
Amor que aflora no deslumbre pelo passo do Delegado, que se identifica nas canções que Nelson Cavaquinho escreveu certo por notas tortas, no grito lírico, saudoso e inquisidor de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, no lamento de Adoniram Barbosa pela maloca querida, nas dores de amores traduzidas por Lupicinio Rodrigues e reveladas por Jamelão, no projeto de país mais bonito, ousado e criativo de Tom, Vinicius e João Gilberto.
Meu Brasil é o Botafogo, o Garrincha, a explosão verde e rosa que marca a chegada da Mangueira, a viola que ressalta a ‘Tristeza do Jeca’, o hino nacional adotado por meu pai. Gosto do Brasil pequeno, íntimo, aquele do ‘Pátria minha’ do Vinicius de Moraes, um Brasil que tanto reza para tantos deuses, que não discrimina qualquer fé, que tem altares amplos e não excludentes. Um Brasil que é como um mosaico dinâmico, sempre em movimento, formado por incontáveis pedrinhas miudinhas, como enfatiza o amigo Luiz Antônio Simas, historiador das ruas e das gentes.
Mas este Brasil – aconchegante, generoso, com cheiro de mato e de mar – é maltratado demais pelo Brasil dos que berram seu orgulho nas arenas padrão Fifa. Aqueles que se orgulham do projeto civilizatório construído com base na espoliação, na escravidão e na exclusão. Aqueles que tentam fingir que o vestir uma camisa amarela é suficente para abafar tantas dores, tantas injustiças, tantas mortes.
Não posso me orgulhar de um país que mata tanto seu próprio povo, que insiste em negar escolas, hospitais e sonhos, que resiste a qualquer ideia de mudança. É duro dizer que me envergonho de um país que tanto amo. Envergonhar-se é talvez a única alternativa de quem ainda não perdeu a esperança de poder se orgulhar de um país mais justo.